A política brasileira sempre foi pródiga em meias verdades, passadas de perna, falsas promessas. E também em trapaças, fraudes, falácias – algo que nós, eleitores, aprendemos a resumir simplesmente como mentiras. Em ano de eleições,
GQ relembra as maiores lorotas proferidas por nossos políticos desde a fundação da República.
Aqui, elas não seguem uma ordem, da mais grave para a de menor gravidade. Há mentiras para todo gosto: a dissimulação do aliado para enganar o companheiro de partido; a promessa que não passou do discurso; o político que, na tentativa de se defender, “nega veementemente” o envolvimento em falcatruas – para, tempos depois, reaparecer com a surpresa: ele tinha toda culpa no cartório. São hábitos que fazem parte do jogo e que sempre existirão na zona cinzenta da política. Mas nunca é demais lembrar de como fomos enganados e, em um ano como este, até aprender algo com isso. Nem que seja a não nos iludirmos tanto com eles.
1- “O PIB passou para 1,5%”, Dilma Rousseff (2013)
Na ânsia de revelar números melhores para a economia brasileira, a presidente Dilma Rousseff (PT) acabou desmentida pelo próprio IBGE. O erro aconteceu em dezembro, quando Dilma falava sobre a revisão do Produto Interno Bruto de 2012 ao jornal espanhol El País. Com a tal revisão, o crescimento teria pulado de 0,9% para 1,5%. O alvoroço foi grande quando, uma semana depois, o IBGE mostrou o número correto: o PIB pulara só para 1%, frustrando as expectativas. Analistas do mercado estranharam a falha de comunicação de um número tão importante – e críticos do governo viram aí uma tentativa de “inflar” otimismo. Dilma cobrou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pela saia justa.
2- “O governador usa o helicóptero para cumprir os compromissos”, Sérgio Cabral (2013)
Até o cachorro Juquinha embarcou na polêmica dos helicópteros de Sérgio Cabral (PMDB). Em julho passado, o governador do Rio foi acusado de abusar do transporte aéreo oficial, tanto na agenda pública (sua casa fica a apenas dez quilômetros do Palácio da Guanabara) como na privada (voos semanais à casa de veraneio com família, cachorro, amigos dos filhos e babás). A um custo mensal de R$ 320 mil. Como a resposta oficial sobre os “compromissos” não colou, Cabral desculpou-se. Assinou um código de ética para, enfim, deixar o helicóptero restrito a “atividades do serviço público”. Em dezembro, voltou a usar a aeronave com a família nos fins de semana.
3- “Vou cumprir o mandato até o final”, José Serra (2005)
Romper um compromisso assinado custou caro a José Serra (PSDB). Em 2004, durante uma sabatina do jornal Folha de S. Paulo, o então candidato à prefeitura de São Paulo se comprometeu a não abandonar o mandato. Chegou a assinar um documento. Eleito, ficou só 454 dias no cargo, do qual abriu mão para disputar, com sucesso, o governo do estado. Mas a promessa não cumprida o assombraria oito anos depois. Outra vez candidato à prefeitura, Serra não foi perdoado pelos adversários, que viram na falsa promessa um flanco aberto para aumentar sua rejeição entre o eleitor indeciso. O tucano acusou o golpe. Precisou explicar o episódio em plena propaganda eleitoral.
4- “Silvio Santos não vai ser político”, Silvio Santos (1988)
O dono e apresentador do SBT passou de raspão na política. Primeiro, ao vivo, afirmou que não sairia candidato nem indicaria nenhum político a nenhum cargo. Um ano depois, em gravação no mesmo SBT, mudou o discurso: estava pronto para defender o povo brasileiro se fosse alçado à presidência em 1989. Ao fundo, um jingle bombardeava o número 26. A empreitada desandou com a mesma velocidade com que apareceu. Havia irregularidades no partido que o abrigava, o pequenino Partido Municipalista Brasileiro. A candidatura foi impugnada na véspera da eleição. Silvio nunca mais saiu do show biz.
5- “Só quero uma choupana e um cigarro de palha”, Itamar Franco (1991)
Queria uma aposentadoria bucólica e recebeu a atribulada administração de um país imerso em crise política e inflação de 1.000%. Tamanha distância entre as coisas mostra como é fácil ver a esperteza de Itamar, então vice-presidente de um Collor cada vez mais próximo do impeachment. Sem Collor, fez um governo tranquilo de 1992 a 1994, marcado pelo bem-sucedido Plano Real e pela paciência nas articulações, da esquerda à direita. Baiano de nascença, mas mineiro de trato, sabia manobrar. “Eu, astuto? Sou até meio bobo.” De bobo não tinha nada – nem de morador de choupana. Ainda governaria Minas Gerais e seria senador até 2011, ano de sua morte.
6- “É bom o PSDB ter José Serra para qualquer candidatura”, Aécio Neves (2013)
Separados, porém juntos. Foi assim que Aécio Neves e José Serra travaram uma saga pelo direito de enfrentar o PT. Com dissimulação calculada de ambos os lados, elogiavam-se em público e articulavam nos bastidores. A briga começou na preparação para as eleições de 2010. Aécio queria prévias. Serra, não – e ele venceu, saiu candidato e perdeu a eleição. No ano passado, com o jogo a favor do hoje senador mineiro, Serra manteve a esperança. Ouviu, diplomaticamente, que seria ótimo tê-lo disponível para “qualquer candidatura”. Faltou combinar: qualquer uma menos a presidencial. Aécio à frente, ainda houve uma tentativa de chapa puro-sangue. Serra rejeitou a ideia de ser vice. Esperneou até ceder, em dezembro. Pelo Facebook, finalmente deu o aval à candidatura do adversário. Os dois voltaram aos elogios e ao ideal comum de derrotar Dilma em outubro. Juntos, porém separados.
7- “Não houve mensalão”, Lula (2012)
Na política, negar o todo é sempre uma saída para não se reconhecer as partes. Assim, a fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), publicada pelo The New York Times em 2012, entrou em contradição com suas declarações anteriores. Em 2005, quando vieram à tona as suspeitas sobre um esquema de compra de votos de parlamentares e caixa dois de campanha, Lula se mostrou sensibilizado. “Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis. O PT errou. O governo, no que errou, tem de pedir desculpas.” Negou que o Congresso estivesse sujeito à compra, mas admitiu que o partido praticara financiamento irregular de campanha. “O que o PT fez é feito no Brasil sistematicamente.” Lentamente, a mea-culpa de Lula transformou-se em negativas sobre todo o caso. Em 2012, no julgamento do mensalão, irregularidades foram comprovadas. Lula disse que só se pronunciará após o “julgamento total”.
8- “Renuncio quando Genoino também deixar a CCJ”, Marco Feliciano (2013)
O deputado federal Marco Feliciano (PSC) prometeu a renúncia em abril do ano passado, durante uma avalanche de protestos contra sua presença à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM). Criticado por frases polêmicas sobre homossexualidade e aborto, o pastor disse que deixaria o cargo tão logo os petistas José Genoino e João Paulo Cunha, condenados no processo do mensalão, também deixassem a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da mesma casa. Com Genoino e Cunha fora da CCJ, Feliciano desfez a promessa. Ficou no cargo até dezembro. “Apostaram que eu renunciaria, o que não fiz. Estou bem avaliado.”
9- “Vou sair incólume”, Celso Pitta (1999)
Ele não foi um bom prefeito, tampouco saiu incólume. Alçado à prefeitura de São Paulo por Paulo Maluf (PP), Celso Pitta foi alvo de uma série de denúncias de corrupção. Escândalos como o dos precatórios, esquemas de achaque a donos de imóveis, desvios na área da saúde, nomeação de funcionários fantasmas, irregularidades com empresas de lixo, dentre outros. Foi afastado da prefeitura por 18 dias e retomou o mandato numa manobra judicial. Pitta deixou o cargo com desaprovação recorde de 78% e como réu em 13 processos. Morreu de câncer em 2009.
10- “A viagem não foi para lazer ou turismo”, Henrique Alves (2013)
Ah, se os aviões da FAB falassem. Diriam que o político brasileiro vive sobre uma tênue linha entre turismo e trabalho. Em junho de 2013, o deputado Henrique Alves (PMDB) viajou ao Rio de Janeiro para uma reunião, não oficial, com o prefeito Eduardo Paes. Motivo menos nobre para acompanhá-lo na aeronave pública tinham seus parentes e amigos: sete pessoas viajaram com Alves para assistir a um jogo do Brasil na Copa das Confederações. Acusado de desvio ético, o deputado e presidente da Câmara admitiu o erro e devolveu R$ 7 mil aos cofres públicos, valor das passagens.
11- “O Delúbio deixou claro que não houve caixa dois”, José Dirceu (2005)
O mensalão ainda era novidade quando o petista José Dirceu subiu ao Conselho de Ética da Câmara para se defender. Ex-ministro, alvo de acusações ainda nebulosas, fora questionado sobre o financiamento da campanha presidencial de 2002. Negou o tal caixa dois e atribuiu a certeza da lisura ao colega Delúbio Soares, ex-tesoureiro da legenda. A tese não resistiu. Tanto Dirceu quanto Delúbio admitiram, depois, que houve uso de caixa dois (sob o eufemismo de “recursos não contabilizados”) em campanhas do partido e de aliados. Começava a briga do mensalão, com a discussão sobre se a irregularidade era só crime eleitoral, ou esquema corrupto de compra, com os tais “recursos”, de apoio político ao governo Lula. No fim do julgamento, o Supremo Tribunal Federal escolheu a segunda opção. José Dirceu foi considerado chefe do esquema e condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa. Atualmente, cumpre pena de sete anos e 11 meses. Delúbio, acusado pelos mesmos crimes, cumpre pena de seis anos e oito meses. Ambos no regime semiaberto.
12- “Não sou mentiroso”, Demóstenes Torres (2012)
O ex-senador Demóstenes Torres construiu uma das menos edificantes trajetórias recentes da política brasileira. Foi de paladino da ética a aprendiz de contraventor em alguns meses. Uma investigação da Polícia Federal revelou que Demóstenes usava sua influência para favorecer o bicheiro e amigo íntimo Carlinhos Cachoeira – recebendo por isso. O Ministério Público estima ganhos ilegais em torno de R$ 1 milhão, entre dinheiro, bebidas, viagens e eletrodomésticos. Ameaçado, Demóstenes negou a relação com Cachoeira. Diante das provas tentou relativizar a culpa. “Não sou mentiroso”, disse no plenário. Finalmente, admitiu a mentira. Deixou o DEM antes de ser expulso e teve o mandato cassado pelo Senado.
13- “Ganhei 200 vezes na loteria”, João Alves (1993)
Poucos foram tão longe no quesito cara de pau. Então deputado pelo PPR, o baiano João Alves ficou conhecido como líder de quadrilha no escândalo dos anões do orçamento. No esquema, emendas parlamentares eram aprovadas para desviar recursos da União a empreiteiras e entidades sociais falsas. O rombo: R$ 800 milhões. A maior ousadia de Alves, no entanto, foi declarar todo o dinheiro à Receita Federal – e justificá-lo como prêmio de sucessivas apostas na loteria. Renunciou ao mandato em 1994 para evitar a cassação. Morreu em 2004 aos 85 anos.
14- “Sou agricultor. É dinheiro da venda de verduras”, José Adalberto Vieira da Silva (2005)
De tão curiosa, a história inspirou até marchinha de Carnaval. José Adalberto Vieira da Silva, assessor do PT, fora preso no Aeroporto de Congonhas com uma bagagem delicada: R$ 200 mil em uma mala e US$ 100 mil dentro da cueca. Indagado sobre a quantia, disse que era pagamento pelas verduras vendidas em um armazém de São Paulo. A história chamou a atenção porque Silva era assessor do irmão de José Genoino, então presidente do PT. Para o Ministério Público, era tudo propina. Depois do escândalo, Silva perdeu o cargo, foi expulso do partido e mudou a explicação. Declarou o dinheiro como fruto de uma doação, sem esclarecer a origem. “E não estava na cueca, mas no cós da calça.”
15- “No Brasil não há lugar para ditaduras”, Costa e Silva (1964)
Uma das mais traumáticas mentiras da história política do país. Foi pronunciada antes da posse do general Costa e Silva, em um discurso que ainda incluía a garantia do “reestabelecimento da plenitude democrática” assim que o país estivesse longe das ameaças esquerdistas. Assim o povo recebeu o golpe que derrubara João Goulart. Expectativas sobre a redemocratização deixariam de existir quatro anos depois. Costa e Silva, representante da linha dura das Forças Armadas, assinaria o Ato Institucional número 5, suspendendo uma série de direitos constitucionais. Era o começo da fase mais violenta da ditadura.
16- “Eu não tenho conta na Suíça”, Paulo Maluf (2001)
Um clássico do nosso folclore político. Acusado pelo desvio de milhões da prefeitura de São Paulo, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) mentiu e foi desmentido. A própria Justiça da Suíça enviou ao Brasil documentos comprovando a posse de 12 contas milionárias em seu nome e de sua família. Durante os anos 2000, pressionado por jornalistas, Maluf mostrava-se confuso. Dizia-se que começava com “não tenho conta na Suíça”, passava por “não tenho um conto na Suíça” e terminava com “não conto o que tenho na Suíça”. Um processo em fase final corre com ordem de ressarcimento à prefeitura. Maluf segue na lista de procurados pela Interpol – e na Câmara, como deputado federal.
17- “Estarei com Dilma em 2014”, Eduardo Campos (2012)
Como um batedor de pênalti a secar um lado do gol e cobrar para o outro, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), passou de governista fiel a pré-candidato da oposição. A “secada” foi forte. “Não há dúvida, não”, disse em dezembro de 2012, negando qualquer candidatura e reforçando o apoio à reeleição da presidente Dilma. Campos afastava assim o interesse do PSDB em seu nome e abria espaço para outras combinações. Atraiu Marina Silva para sua chapa e acabou sendo apontado como futuro candidato pela aliada. Fez como dizia Magalhães Pinto, político mineiro: “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”. E Campos ainda fechou com chave de ouro: “Estou pronto e animado para ganhar em 2014”.
18- “A prioridade do meu governo é a reforma tributária”, Fernando Henrique Cardoso (1994)
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) talvez detenha um recorde de promessas no quesito reforma tributária. Desejada e prometida dos anos 90 até hoje, a reorganização do sistema de impostos é um dos maiores nós da política nacional: um cipoal difícil de consertar pela quantidade de interesses envolvidos, de setores da economia a estados inteiros. Em 1993, FHC, como ministro da Fazenda, disse que a revisão dos tributos era item primordial. Em 1994, como candidato, taxou a reforma como prioridade. No mesmo 1994, já eleito, reforçou a promessa. Em 1995, mandou proposta tímida ao Congresso, que não foi para votação. A história se repetiu em 1998, 1999 e 2001. Reforma tributária, desde sempre, só amanhã.
19- “Era para comprar panetones”, José Roberto Arruda (2009)
O então governador do Distrito Federal encheu-se de espírito natalino para se defender de acusações de corrupção. Investigado pela Polícia Federal, Arruda foi flagrado, em vídeo da época de campanha, recebendo R$ 50 mil. O dinheiro, segundo a investigação, era de empresários interessados em futuros contratos. O propinoduto alimentava o caixa de campanha e pagava mesada a parlamentares, num escândalo conhecido como “mensalão do DEM”. Ou “Bolsa Panetone”, na piada popular. Arruda perdeu o cargo e chegou a ser preso. O processo criminal espera julgamento.
20- “República no Brasil é coisa impossível”, Marechal Deodoro (1889)
Além de “impossível”, seria também “uma verdadeira desgraça”. Assim o Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, descreveu o regime republicano em cartas trocadas com um sobrinho às vésperas do golpe que derrubaria o Império, em 15 de novembro de 1889. A correspondência levou os historiadores a uma conclusão paradoxal: o fundador da República não era republicano. Deodoro da Fonseca teria aderido ao golpe por ressentimentos pessoais – e, na condição de político, boa dose de oportunismo. Convertido, fez possível a República que, até então, era “impossível” sem ele. História do Brasil 1 x 0 ficção.
21- “Eu não sei o que é ato secreto. Aqui ninguém sabe”, José Sarney (2009)
Quem realmente desconhecia a caixa-preta do Senado era o povo brasileiro. Entre 1995 e 2009, uma estrutura clandestina permitiu que mais de 600 medidas administrativas fossem tomadas ali sem nenhum conhecimento público. Eram os “atos secretos”, série de nomeações e benefícios conhecidos apenas pelos agraciados com seu pedido. No caso, senadores que puderam empregar parentes, distribuir salários de R$ 15 mil a garçons e conceder vantagens odontológicas a aliados. Entre os beneficiados estava o próprio presidente da casa, José Sarney (PMDB), acusado de nepotismo. Sarney negou. Sob ameaça de quebra de decoro, voltou atrás: admitiu que sabia de tudo, anulou os atos e saiu ileso.
22- “Nunca desviei um centavo da Assembleia”, Natan Donadon (2013)
De nada adiantou discursar no plenário da Câmara para se defender. Natan Donadon entrou para a história como o primeiro deputado em exercício, desde a Constituição de 1988, a ter prisão declarada pelo Supremo Tribunal Federal. Havia sido condenado em 2010 a cumprir 14 anos de cadeia pelos crimes de peculato e formação de quadrilha. Aguardou o julgamento dos recursos em liberdade até o ano passado. Donadon participou de um esquema que simulava contratos de publicidade com a Assembleia Legislativa de Rondônia. Desviou mais que centavos: R$ 8,4 milhões.
23- “O painel eletrônico do Senado é inviolável”, Antônio Carlos Magalhães (2000)
Nada como uma pequena trapaça para descobrir os segredos dos inimigos. Grande personagem da política brasileira, Antônio Carlos Magalhães, o baiano ACM, caiu em desgraça nos idos de 2000 por comandar uma fraude no equipamento do Senado. A casa decidia, em voto secreto, a cassação do senador Luiz Estevão. ACM encomendou a lista dos votos a seu aliado José Arruda, que fez a ponte com os funcionários responsáveis. Buscava munição contra os adversários. Painel violado, ACM negou tudo, mas foi descoberto. Ele e Arruda renunciaram para escapar da punição. Em 2002, Magalhães foi eleito senador outra vez. Um ano depois, a denúncia foi arquivada. Faleceu em 2007.
24- “Vou acabar com os marajás”, Fernando Collor (1990)
Foi no governo de Collor em Alagoas que o apelido “caçador de marajás” alçou voo nacional. Marajás eram os funcionários públicos com altos salários conquistados à base de fraudes. Sem realizar nenhuma obra, mas em alta pelo discurso de paladino, Collor venceu a eleição de 1989, o primeiro pleito democrático para presidente desde 1960. Em setembro de 1992, diante de uma CPI que listava as inúmeras irregularidades de seu curto governo, sofreu impeachment. Para a voz das ruas, Collor, ele próprio, havia se tornado o maior dos marajás do país. Entrara como guardião da moralidade e saíra derrubado e com direitos políticos cassados.
25- “Estive em Roma e trouxe água benta”
O mineiro José Maria Alkmin, conhecido por assumir a vice-presidência do país entre 1964 e 1967, também tinha seu lado folclórico. Quando era deputado federal, durante o governo de Getúlio Vargas, passou por uma saia justa na alfândega. Voltava de Roma com uma caixa de uísque – em tempos difíceis para trazer bebida importada ao país. Escapou da situação com uma dose de invenção, cinismo e bom humor: “Estive em Roma e trouxe água benta pelo papa”. O oficial ficou sem graça. “Mas, deputado, é uísque...”, disse ao abrir a caixa. No que Alkmin respondeu, sem constrangimento: “Pois já começou a operar milagres”.
26- “O governo não tem razões para ir ao FMI”, Delfim Netto (1980)
Algumas previsões são pródigas em revelar o contrário do que previam. Ministro da Fazenda durante o “milagre econômico” dos anos 70, o economista Delfim Netto tocava a pasta do Planejamento em 1980. Imaginava mais crescimento e um Brasil livre de credores para a década. Aconteceu exatamente o contrário. Com uma nova crise do petróleo, elevação das taxas de juros internacionais e o fim da capacidade brasileira de equilibrar pagamentos, veio a ressaca. Ninguém mais queria emprestar dinheiro ao país, que entraria em sua maior crise econômica. Em 1982, a única saída foi correr ao FMI.
27- “Não tenho plano B. Meu partido é a Rede ou a Rede”, Marina Silva (2013)
Não existe política sem plano B. Daí a surpresa de ouvir a ex-senadora Marina Silva jurar fidelidade com tanta veemência a seu projeto político, a Rede Sustentabilidade. Líder do movimento, Marina almejava candidatura própria. Queria disputar a presidência pela Rede. Resultado: o TSE negou o registro do partido por falta de assinaturas necessárias. Eis que o “plano B”, descartado em setembro passado, renasceu. Sem opção para disputar o Planalto, Marina se filiou ao PSB duas semanas depois, deixando seus apoiadores originais enfurecidos. A carta já estava na manga. Marina quer voltar a pedir o registro da Rede ao TSE em 2014. O ano promete.
28- “É impossível baixar a tarifa de ônibus”, Fernando Haddad (2013)
Batismo de fogo para o prefeito de São Paulo, as manifestações de junho enterraram qualquer explicação a favor do aumento das passagens de ônibus. Haddad (PT) até tentou mostrar aos manifestantes que uma tarifa de R$ 3 era inviável para seu orçamento. Munido de números, segurou o aumento de R$ 3,20 o quanto pôde. Até os protestos explodirem e provarem, como disse Lula, que “não existe problema sem solução”. Haddad juntou-se ao governador Geraldo Alckmin e anunciou o “impossível”: as passagens voltariam a R$ 3. O “preço” do recuo, obviamente, seria repassado a outras áreas de investimento.
29- “Não há acordo financeiro entre PTB e PT”, Roberto Jefferson (2004)
A contradição que revelou o escândalo do mensalão começou em setembro daquele ano. Roberto Jefferson, deputado e presidente do PTB, primeiro negou cabalmente que seu partido havia recebido dinheiro do PT. Um ano depois, mudou o discurso. Disse que havia recebido, ele próprio, R$ 4 milhões em espécie para distribuir entre seus correligionários. O dinheiro era vivo e o emissário, um tal de Marcos Valério. O objetivo do dinheiro, não declarado à Receita Federal, era garantir que o PTB apoiasse o PT nas eleições de 2004. Começava o escândalo do mensalão. Jefferson confessou a mentira e admitiu o envolvimento no esquema. Terminou cassado e condenado a sete anos de prisão.
30- “Não pretendo ser governador de Minas”, Tancredo Neves (1983)
O mineiro Tancredo sabia dar passos largos com discrição. Um episódio simbólico aconteceu às vésperas da eleição para governador de Minas, logo após a filiação do político ao PMDB. Depois de uma entrevista, Tancredo espichou o olho em direção às anotações de um jornalista. “Não pretendo ser governador de Minas”, lera no papel. Mandou o repórter corrigir: “Não pretendo ser candidato a governador de Minas”. Com mineirice exemplar, Tancredo garantia em silêncio sua vaga no Palácio da Liberdade.
31- “Olá, meu querido povo de Mombaça”, Antônio Paes de Andrade (1989)
A pequena cidade de Mombaça, no Ceará, já foi capital do Brasil. Difícil de acreditar? A história começou em fevereiro de 1989, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Paes de Andrade, assumiu interinamente a Presidência da República por oito dias. Ele substituía o presidente Sarney, que viajara ao Japão. Pois o “presidente” Paes de Andrade resolveu fazer o impensável. Reuniu comitiva de 63 pessoas e viajou a Mombaça, sua cidade natal de 40 mil habitantes, para uma série de festejos. A legislação permite que o Congresso decida, com sanção presidencial, a mudança temporária da capital. Foi o que ele fez. Fundava-se a “República de Mombaça”, fugaz capital do país, uma mentira amparada na megalomania de um político – e na lei.
32- “Vamos fazer do Maranhão um Tigre do Nordeste”, Roseana Sarney (1994)
A referência aos Tigres Asiáticos está no rol das mais descabidas promessas de campanha. Roseana era candidata ao governo do Maranhão na ocasião da propaganda televisiva que explicava, entre outras coisas, como superar o crescimento industrial da Coreia do Sul com “mais recursos naturais e melhor infraestrutura”. Roseana repetia o script do pai, José Sarney. Eleito para o governo do estado em 1965, ele também prometeu o fim da fome, da corrupção e do atraso. Hoje, o Maranhão ostenta o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e vive uma escalada de violência. O número está próximo ao da Síria, país em guerra civil.
33- “Como uísque? Eu disse leite, Murilo. Lei-te”, Jânio Quadros (1960)
A arte da esquiva, se não termina em indignação, pode criar ótimas piadas. Em 1960, Jânio Quadros visitava o Recife em campanha para presidente. Hospedado na casa do ex-deputado Murilo Costa Rego, preparava-se para uma coletiva de imprensa logo pela manhã. Diante de um banquete de queijos, bolos e frutas, Jânio fez troça: “Só estou vendo leite. Não sou bezerro. Quero um puro, Murilo”. Eis que, no momento em que era servido pelo garçom com uma garrafa de Old Parr, uma caravana de prefeitos entrou na sala. O repórter Sebastião Nery flagrou a cena. “Como uísque? Eu disse leite, Murilo.” Jânio bebeu tudo num só gole.
34- “O povo de Goiás vai ter orgulho de mim”, Carlinhos Cachoeira (2012)
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, não só desapontou Goiás como envergonhou o país inteiro, aqui e no exterior, com participação em inúmeros escândalos de corrupção. No jornal The New York Times, o empresário-bicheiro virou “Charlie Waterfall”. Menos engraçado que o apelido é seu currículo de negociatas: líder de um esquema de jogo ilegal em Goiás, financiador de campanhas via propinas e dono de uma vasta rede de influência – para benefício próprio – entre policiais, juízes, jornalistas e parlamentares, incluída aí sua notória amizade com o ex-senador Demóstenes Torres. Condenado a 40 anos de cadeia, chegou a ficar nove meses preso. Recorre em liberdade.
35- “É apenas um forte resfriado”, Comunicado da junta militar (1969)
Eis um diagnóstico otimista para governantes à beira da morte. Em dezembro de 1969, o presidente Costa e Silva, adoecido, viajava de emergência ao Rio de Janeiro. No avião, seu rosto foi coberto com um lençol. Para encobrir a gravidade do problema, os militares disseram se tratar de uma gripe – por três dias. Costa e Silva havia sofrido um derrame cerebral fatal. A ideia era ganhar tempo para realizar a transição. O governo de Costa e Silva entraria na história malogrado pela assinatura do AI-5, o mais duro dos decretos que limitaram a liberdade democrática no Brasil.
36- “O candidato vale quanto pesa”, Rinoceronte Cacareco (1959)
Poucas vezes um candidato de mentira fez tanto sucesso – a ponto de ser eleito. Cacareco era, na verdade, uma fêmea rinoceronte de 900 quilos do Zoológico de São Paulo. A pegadinha foi criada pelo jornalista Itaborahy Martins, do jornal O Estado de S. Paulo, para criticar o nível dos candidatos da eleição municipal. Pegou. Como não havia voto eletrônico nem cédulas oficiais, as gráficas contratadas entraram na brincadeira e incluíram o nome do rinoceronte na lista. Cacareco teve cerca de 100 mil votos, superou todos os concorrentes e “elegeu-se” vereador em São Paulo.
37- “O Rodoanel não vai ter pedágio”, Geraldo Alckmin (2002)
Assim garantiu o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em uma sabatina da Folha de S. Paulo em 2002. Ímã de votos para o PSDB, o Rodoanel Mário Covas foi anunciado nas eleições daquele ano como projeto ambicioso – e gratuito – para resolver o trânsito da Grande São Paulo. Questão de “coerência”, disse Alckmin. Em 2008, a promessa caiu: a rodovia entrou no sistema pedagiado e não parou de ganhar cancelas de cobrança. Foi a solução diante da falta de dinheiro público para a obra. E a frase de Alckmin perambula até hoje pelo YouTube, sempre a serviço de seus adversários.