quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Nosso desafio energético.

O mundo já enfrenta sua dependência de combustíveis fósseis baratos e abundantes.

Por Bill McKibben

Foto de Peter Essick
O fogo crepitante pode proporcionar uma atmosfera agradável. Em muitos países em desenvolvimento, centenas de milhões de pessoas usam lenha para obter mais de 74% de suas necessidades energéticas.

Estamos imobilizados - entre uma rocha inviável e um ambiente superaquecido. E é uma questão em aberto se vamos conseguir nos libertar. E essa questão vai definir se o século 21 será marcado pela manutenção do progresso ou pelo início de um declínio longo e debilitante. O que está em jogo é a salvação do planeta em que vivemos.
A energia, claro, não é apenas mais um aspecto da nossa economia. Para todos os fins, ela é nossa economia. O grande economista John Maynard Keynes certa vez afirmou que as condições de vida da maioria dos seres humanos haviam, na melhor das hipóteses, dobrado de qualidade ao longo dos milênios desde o alvorecer da história até a virada do século 18, quando aprendemos a usar o carvão para mover máquinas. Em um curto espaço de tempo, as condições de vida, no Ocidente beneficiado por essa fonte de energia, passaram a ter sua qualidade de vida dobrada em intervalos de poucas décadas. (Há motivo, afinal, para que as expressões "mundo industrializado" e "mundo desenvolvido" sejam quase equivalentes.)
O que aconteceu é que deixamos de ficar restritos ao excedente energético que se podia extrair dos raios solares incidentes no planeta. De um momento para outro, passamos a ter acesso ao capital lentamente acumulado num banco - resultado dos milhões de anos de depósitos de samambaias, plâncton e dinossauros em que o tempo havia transformado em carvão mineral, gás natural e petróleo. Éramos como os felizes herdeiros de alguém muito rico e falecido há muito cujo testamento fora afinal decifrado. E passamos a gastar essa riqueza sem pensar nas consequências. Foram esses gastos que fizeram de nós o que somos hoje. Todas as nossas revoluções (a industrial, a química, a eletrônica e até mesmo a da informática) devem sua força a esse sangue novo que 4 ui pelas veias de nossa economia. Acima de todas elas, porém, está a revolução do consumo. A ampliação de nossas casas e zonas urbanas revelou-se o método mais eficiente para aumentar a demanda por combustível fóssil. Nossa casa cada vez mais cheia de eletrodomésticos e unida por carros cada vez maiores e mais vazios fizeram com que nossos medidores de eletricidade e nossas bombas de gasolina girassem como nunca antes. Que imagens os Estados Unidos enviam ao resto do mundo por meio de seus filmes e programas de TV? Exatamente as imagens de conforto suburbano.

A cidade alemã de Bergheim convive com as torres de resfriamento da termelétrica a carvão de Niederaussem, que produz energia para mais de 20 milhões de pessoas. O carvão proporciona ao mundo 41% de sua eletricidade e parte das emissões de mercúrio, dióxido de enxofre e outros subprodutos tóxicos.

Aparentemente, não havia nenhum problema em tal anseio. O plano A para a raça humana é que todos nós acabaríamos ricos, que todos se beneficiariam da mesma energia cativa que tão bem serviu ao Ocidente. Tudo parecia estar ocorrendo como o previsto: o período de crescimento explosivo na década de 1990 testemunhou nossa prosperidade generalizada, e também nosso consumo maciço de energia, começando a se difundir pela Ásia. Mas havia dois pequenos problemas: há 20 anos, se alguém chegava a pensar em aquecimento global, era como ameaça distante e improvável. Cinco anos atrás, a maioria das pessoas jamais ouvira falar na possibilidade de o petróleo um dia acabar. Bem, hoje, essas são as duas mandíbulas que vêm inexoravelmente se fechando e restringindo nossas opções. Examinados com cuidado, esses problemas podem nos apontar como vai ser o futuro - uma época na qual estaremos esgotando parte da energia de que necessitamos e não poderemos usar a outra parte pelo temor de arruinar a atmosfera. Um futuro que, de repente, não se parece com nada do que imaginamos por tanto tempo.
Para entendermos o motivo disso basta um pouco de matemática. No ano passado, a Agência de Informação sobre Energia, um órgão do governo americano, previu que, mantidas as atuais condições, o consumo mundial de energia aumentaria 50% até 2030. Esse é um bom número arredondado, resumindo o anseio das pessoas de todo o mundo por geladeiras, televisões, cubos de gelo, hambúrgueres, motocicletas e, nos trópicos, aparelhos de ar condicionado.
Todavia, não é nada claro de onde vai sair toda essa energia, pois o fato é que vivemos numa época em que o petróleo está começando a acabar. Em novembro de 2008, a Agência Internacional de Energia estimou que a produção mundial dos campos petrolíferos maduros está diminuindo 6,7% ao ano, um ritmo que provavelmente vai se acelerar ao longo do tempo. Para compensar esse declínio será preciso descobrir todos os anos o equivalente à produção atual do Kuweit, ou, se isso for possível, extrair tal volume dos campos petrolíferos já existentes. Para especialistas, nós já ultrapassamos o pico de produção de petróleo. Os mais otimistas acham que ainda pode ser uma questão de anos. Mas ninguém tem dúvida quanto ao que nos reserva o futuro, e é por isso que o barril de petróleo chegou a custar 147 dólares no ano passado. Foi necessária a ameaça de uma grande depressão para que voltasse ao patamar de 40 dólares.
E quais são as opções? Bem, existem outros combustíveis fósseis. Mas o gás natural também vai se esgotar um dia. O substituto óbvio é o carvão, o qual já exploramos bastante - o problema é que o carvão nos leva a outra ponta do dilema. Ele é o mais poluente de todos combustíveis: ao queimá-lo, lançamos toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, o principal responsável pelo aquecimento global.
No verão de 2007, por exemplo, o gelo do Ártico derreteu. No fim do verão, a área das banquisas era 22% menor que os limites mínimos antes registrados. Um degelo comparável no verão seguinte desbloqueou simultaneamente as passagens Noroeste e Nordeste, proporcionando aos seres humanos, pela primeira vez na história, a possibilidade de circunavegar o Ártico por águas abertas. De acordo com simulações digitais sobre o aquecimento global, esse tipo de degelo só deveria ocorrer daqui a 30 anos. Foi uma confirmação de que estamos de fato aquecendo o planeta. O pior, contudo, é que se trata de um elo, entre vários, de um círculo vicioso que vai intensificar o aquecimento: em vez da conveniente camada branca de gelo que recobria o Ártico, e refletia 80% da radiação solar incidente de volta para o espaço, agora existem grandes trechos de água azul que absorvem 80% da radiação do Sol. Nós demos o chute inicial no aquecimento, mas agora a natureza está assumindo o processo e o levando adiante por conta própria. E esse não foi o único processo auto-reforçador desse tipo. O aquecimento resultou na propagação de várias pragas que dizimaram milhões de hectares de floresta no oeste da América do Norte - e os incêndios alimentados por toda essa madeira despejaram no ar novas ondas de carbono. Embora não tenhamos sido diretamente responsáveis por isso, somos nós que vamos sofrer as consequências. Nossos carros e fábricas haviam desencadeado claramente uma reação planetária, e isso, em retrospecto, não deveria nos surpreender. Afinal, estamos usando o carbono armazenado durante milhões de anos - graças a todas aquelas samambaias e todo aquele plâncton - e despejando-o na atmosfera no decorrer de poucas gerações. Por que isso não causaria problemas?

A cada dia, cerca de 14 mil toneladas de carvão é consumido pela Usina Termelétrica Hunter, em Utah, que gera eletricidade para o oeste dos EUA. O carvão gera metade da energia elétrica nesse país - e, ao mesmo tempo, contribui para o aquecimento global. Em 2007, as usinas elétricas americanas lançaram na atmosfera 2,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, ficando atrás apenas da China.

Mesmo agora, apenas duas décadas depois que se começou a falar em aquecimento global, estamos prestes a passar por sucessivos pontos de inflexão. Com base nos dados disponíveis, é possível prever rápido aumento das secas (pois o ar quente retém mais vapor d'água que o ar frio) e, consequentemente, aumento de tempestades e inundações, ampliação do âmbito de mosquitos portadores de doenças e alarmante encolhimento dos campos de gelo que fornecem água doce para cidades nos Andes e no subcontinente asiático. E, o que talvez seja ainda mais preocupante, novas pesquisas sobre os mantos de gelo na Groenlândia e no oeste da Antártica estão nos obrigando a redefinir a expressão "ritmo glacial". Solapadas pelos mares mais quentes, as geleiras continentais começaram a se deslocar em direção ao oceano. De acordo com estudo divulgado em 2008, uma elevação no nível do mar da ordem de 2 metros não está fora de cogitação. Esse é um número que pode abalar a civilização. Vai pôr a maioria das cidades litorâneas do mundo numa situação parecida com a de Nova Orleans. Vai colocar em risco todo o esforço humano de maneiras que jamais enfrentamos antes.

Aproveitando os raios solares, a usina Solar One, em Nevada, ocupa 100 hectares do deserto com antenas parabólicas que concentram o calor do Sol para acionar turbinas movidas a vapor. Gerando eletricidade suficiente para suprir 14 mil casas, é a terceira maior concentradora de energia solar (CSP, em inglês) no mundo. Outras usinas desse tipo estão sendo projetadas agora que os países buscam energia limpa e renovável.
Um dos principais climatologistas americanos, o cientista James Hansen, da Nasa, calculou um número que define o novo limiar para a manutenção da vida tal como a conhecemos. Ele e seus colegas estudaram o vínculo, ao longo da história, entre a quantidade de carbono na atmosfera e fenômenos como elevação no nível do mar (durante toda a história humana até a revolução industrial, o ar nunca teve mais que 275 partes por milhão de CO2), e em seguida eles examinaram os últimos dados disponíveis a respeito do planeta Terra. E a que conclusão chegaram? "Se a humanidade quiser preservar um planeta semelhante àquele no qual se desenvolveu a civilização e ao qual a vida está adaptada [...] o CO2 terá de ser reduzido, de seus níveis atuais, de 385 ppm para, no máximo, 350 ppm." Ou seja, já ultrapassamos em muito o limite máximo - e por isso o Ártico está derretendo.
De um momento para outro, 350 tornou-se o número mais importante do planeta. Segundo Hansen, essencialmente precisamos deixar de queimar carvão em todo o planeta até 2030 - e ainda antes disso no mundo desenvolvido. (Poderíamos, como alternativa, capturar o dióxido de carbono emitido pelas chaminés das termelétricas e armazená-lo no subsolo, mas essa tecnologia ainda está sendo aperfeiçoada e vai demorar para ser viável.) A desmontagem da economia baseada em combustíveis fósseis implicaria perda de enorme massa de recursos já investidos em velhas tecnologias que ainda teriam décadas de vida útil. E, a menos que alguém consiga convencer os americanos, e o resto do mundo, de que não precisam de geladeiras, isso significa que teremos de encontrar outras fontes de energia

Essa é a tarefa de nossa geração.



FONTE: http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/

Nenhum comentário:

Postar um comentário