Amazônia
Na imensidão do vazio dos céus está a esperança e o sonho de liberdade. Cada pássaro traz em si o desejo de toda a criação pelo infinito e o impossível.
Arara vermelha
Ninhal
Araras namorando
Gavião
Curica
Tucano
Arara
Andar sobre o verde que é mais verde é o destino de animais ainda mais belos que o tapete onde pisam.
Bicho Preguiça
Cobra papagaio
Anta
Tamanduá
A Amazônia tem uma fauna imaginária que supera a realidade mais fantástica.
Cobra grande
É para alguns uma gigantesca sucuri (Eunectes murinus), cobra de hábitos aquáticos. Para outros trata-se de uma descomunal jibóia (Constrictor constrictor), cobra de terra firma, que pelo seu porta avantajado já não pode mais deslocar-se em terra. Existem relatos de cobras com mais 200 metros, sendo suas aparições mais freqüentes no período de secas quando atravessa as terras que separam os lagos onde estão presas, buscando os rios de águas mais profundas. Dizem que possui força capaz de virar embarcações, matando seus ocupantes. Nas noites escuras seus olhos de fogo encandeiam e hipnotizam os ribeirinhos.
Tapirê-Iauara ou Onça D'água
Vive na várzea de vegetação cerrada e sua aparência é bizarra: cor avermelhada, cabeça e corpo semelhante aos da onça. As patas dianteiras lembram as daquele felino, mas as pats traseiras parecem com as do cavalo. As orelhas, enormes, caem pelos lados da cabeça fazendo estrépito ao bater na água. Dizem que tem o tamanho de boi adulto e é excelente nadadora.
Mapinguari
O Mapinguari é o animal lendário mais fantástico da Amazônia.
Relatos de sua existência são muito freqüentes entre os seringueiros do Acre e Purus. Seria uma espécie de Yeti amazônico ou quem sabe um elo perdido entre o homem e o macaco. Tem um porte avantajado, corpo peludo e aspecto assustador. Recentemente uma equipe de cientistas esteve no Acre em busca de sinais do Mapinguari.
Guariba Bóia
É um outro tipo de cobra que vive na lama ou em poços profundos dos lagos, podendo eventualmente visitar a várzea ou o igapó. Sua principal característica é emitir um ruído muito semelhante ao do macaco guariba, do qual também teria uma cabeça semelhante.
Boto Tucuxi
Existem duas espécies de botos amazônicos. O boto vermelho, que Costeau rebatizou de boto cor de rosa e o boto tucuxi, menor e acinzentado. É história comum entre os ribeirinhos que nas noites de lua cheia o boto tucuxi deixa os rios e transformando-se em um belo rapaz, sai para namorar as moças do lugar. Como tem o seu respirador na cabeça, o boto sempre de terno branco, traz invariavelmente um chapéu a esconder este orifício. E assim, belo e fogoso, sai a conquistar as moças que mais tarde ficam a chorar saudosas nos barrancos amazônicos.
Fonte: www.geocities.com
Fascínio e destruição
Em 1999 chegamos à Amazônia para investigar a exploração ilegal de madeira. Não saímos mais. Muitas pesquisas e ameaças de morte depois, continuamos em campo. Aliados às comunidades locais, identificamos áreas sob pressão de desmatamento e denunciamos os responsáveis. Lutamos para que a produção de gado e soja, maiores vetores de devastação, parem de avançar sobre a floresta.
Do alto, do solo ou da água, a Amazônia brasileira é um impacto para os olhos. Por seus 6,9 milhões de quilômetros quadrados em nove países sul-americanos (Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa) espalha-se uma biodiversidade sem paralelos. É ali que mora metade das espécies terrestres do planeta. Só de árvores, são pelo menos 5 mil espécies. De mamíferos, passa das 300. Os pássaros somam mais de 1.300, e os insetos chegam a milhões.
No Brasil, o bioma Amazônia cobre 4,2 milhões de quilômetros quadrados (49% do território nacional), e se distribui por nove estados (Amazonas, Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá, parte do Tocantins e parte do Maranhão). O bioma é muitas vezes confundido com a chamada Amazônia Legal - uma região administrativa de 5,2 milhões de quilômetros quadrados definida em leis de 1953 e 1966 e que, além do bioma amazônico, inclui cerrados e o Pantanal. (Mapa: bioma, Amazônia Legal e Limite Panamazônia)
Sob as superfícies negras ou barrentas dos rios amazônicos, 3 mil espécies de peixes deslizam por 25 mil quilômetros de águas navegáveis: é a maior bacia hidrográfica do mundo. Às suas margens, vivem em território brasileiro mais de 20 milhões de pessoas, incluindo 220 mil indígenas de 180 etnias distintas, além de ribeirinhos, extrativistas e quilombolas. Levando-se em conta toda a bacia amazônica, os números crescem: são 33 milhões de pessoas, inclusive 1,6 milhão de povos indígenas de 370 etnias.
Além de garantir a sobrevivência desses povos, fornecendo alimentação, moradia e medicamentos, a Amazônia tem uma relevância que vai além de suas fronteiras. Ela é fundamental no equilíbrio climático global e influencia diretamente o regime de chuvas do Brasil e da América Latina. Sua imensa cobertura vegetal estoca entre 80 e 120 bilhões de toneladas de carbono. A cada árvore que cai, uma parcela dessa conta vai para os céus.
Grandes também são as ameaças
Maravilhas à parte, o ritmo de destruição segue par a par com a grandiosidade da Amazônia. Desde que os portugueses pisaram aqui, em 1550, até 1970, o desmatamento não passava de 1% de toda a floresta. De lá para cá, em apenas 40 anos, o número saltou para 17% – uma área equivalente aos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Maravilhas à parte, o ritmo de destruição segue par a par com a grandiosidade da Amazônia. Desde que os portugueses pisaram aqui, em 1550, até 1970, o desmatamento não passava de 1% de toda a floresta. De lá para cá, em apenas 40 anos, o número saltou para 17% – uma área equivalente aos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Foi pela década de 1970 que a porteira se abriu. Numa campanha para integrar a região à economia nacional, o governo militar distribuiu incentivos para que milhões de brasileiros ocupassem aquela fronteira “vazia”. Na corrida por terras, a grilagem falou mais alto, e o caos fundiário virou regra difícil de ser quebrada até hoje.
A governança e a fiscalização deram alguns passos. Mas em boa parte da Amazônia, os limites das propriedades e seus respectivos donos ainda são uma incógnita. Os órgãos ambientais correm atrás de mapas adequados e de recursos para enquadrar os que ignoram a lei. Mas o orçamento para a pasta não costuma ser generoso. O resultado, visto do alto, do solo ou das águas, também é impactante.
Desenvolvimento para quem?
Uma das últimas grandes reservas de madeira tropical do planeta, a Amazônia enfrenta um acelerado processo de degradação para a extração do produto. A agropecuária vem a reboque, ocupando enormes extensões de terra sob o pretexto de que o celeiro do mundo é ali. Mas o modelo de produção, em geral, é antigo e se esparrama para os lados, avançando sobre as matas e deixando enormes áreas abandonadas.
Ainda assim, o setor do agronegócio quer mais. No Congresso, o lobby por mudanças na legislação ambiental é forte. O objetivo é que mais áreas de floresta deem lugar à produção, principalmente, de gado e soja. A fome por desenvolvimento deu ao país a terceira posição dentre os maiores exportadores de produtos agrícolas. Mas os louros desses números passaram longe da população local.
As promessas de desenvolvimento para a Amazônia também se espalham pelos rios, em forma de grandes hidrelétricas, e pelas províncias minerais, em forma de garimpo. Mas o modelo econômico escolhido para a região deixa de fora os dois elementos essenciais na grandeza da Amazônia: meio ambiente e pessoas.
Soluções
Desmatamento zero: Ao zerar o desmatamento na Amazônia até 2015, o Brasil estará fazendo sua parte para diminuir o ritmo do aquecimento global, assegurar a biodiversidade e o uso responsável deste patrimônio para beneficiar a população local. Ações contra o desmatamento e alternativas econômicas que estimulem os habitantes da floresta a mantê-la de pé devem caminhar juntas. A criação de um fundo de investimentos nacionais e internacionais tornaria a proposta viável.Áreas protegidas: Uma parte do bioma é protegida legalmente por unidades de conservação, terras indígenas ou áreas militares. Mas a falta de implementação das leis faz com que mesmo essas áreas continuem à mercê dos criminosos.Regularização fundiária: É a definição, pelo Estado, de quem tem direito à posse de terra. O primeiro passo é o mapeamento das propriedades privadas para possibilitar o monitoramento de novos desmatamentos e a responsabilização de toda a cadeia produtiva pelos crimes ambientais ocorridos.Governança: Para todas essas medidas se tornarem efetivas, o governo precisa estar na Amazônia, com recursos e infraestrutura para fazer valer as leis de preservação.
Fonte: www.greenpeace.org
CLIMA DA AMAZÔNIA
1. Introdução
A Bacia Amazônica possui uma área estimada de 6,3 milhões de quilometros quadrados, sendo que aproximadamente 5 milhões em território brasileiro e o restante divido entre os países da Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Esta região é limitada à oeste pela Cordilheira dos Andes (com elevações de até 6000 m), à norte pelo Planalto das Guianas (com picos montanhosos de até 3000 m), ao sul pelo Planalto Central (altitudes típicas de 1200 m) e à leste pelo Oceano Atlântico, por onde toda a água captada na bacia escoa para o mar. Segundo o IBGE, a área da Amazônia Legal no Brasil é de 5032925 km2, compreendidos pelos estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre e Amapá e parte dos estados do Tocantins, Mato Grosso e Maranhão. Imagens de satélites analisadas pelo INPE estimam em 126.000 km2 a área já desmatada até 1991, com uma taxa de desmatamento anual de 21000 km2.ano-1, durante o período de 1978-1989, decrescendo este valor para 11.130 km2.ano-1 durante os anos de 1990-1991 (INPE, 1992). As regiões que mais sofreram com o desmatamento são as partes Sul e Leste do Pará (após a construção da rodovia Belém-Brasília) e as partes Norte do Mato Grosso e Sul de Rondônia (devido à rodovia Cuiabá-Porto Velho).
A convecção na região Amazônica é um importante mecanismo de aquecimento da atmosfera tropical e suas variações, em termos de intensidade e posição, possue um papel importante na determinação do tempo e clima desta região. A liberação de calor durante a época chuvosa é tipicamente de 2,5 K.dia-1 (Figueroa e Nobre, 1990), o equivalente à uma precipitação de 10 mm.dia-1.
Molion (1987, 1993) estuda as circulações de macro e meso-escala que atuam na Amazônia e os processos dinâmicos que organizam e promovem a precipitação naquela área.
Segundo este autor, os mecanismos que provocam chuva na Amazônia podem ser agrupados em 3 tipos:
a) convecção diurna resultante do aquecimento da superfície e condições de larga-escala favoráveis;
b) linhas de instabilidade originadas na costa N-NE do litoral do Atlântico;
c) aglomerados convectivos de meso e larga escala, associados com a penetração de sistemas frontais na região S/SE do Brasil e interagindo com a região Amazônica;
Este trabalho abordará vários aspectos que caracterizam e determinam o clima da região Amazônica. Na seção 1, descreve-se o paleoclima amazônico com base em dados obtidos por estudos geomorfológicos e palinológicos. A descrição geral do clima é realizada no ítem 2, ao passo que os principais sistemas e fenômenos meteorológicos atuantes nesta região são analisados na seção 3 e uma resumo dos principais resultados micrometeorológicos de áreas de floresta e desmatadas (pastagens) são apresentados na seção 4, sendo que resultados de simulações climáticas do efeito do desmatamento encontram-se no ítem 5. Uma descrição suscinta dos principais experimentos realizados a partir dos anos 80 (ítem 6). Este trabalho busca apresentar, de uma maneira compacta, os principais resultados científicos já alcançados pela comunidade brasileira e regional sobre pesquisas naAmazônia.
2. PALEOCLIMATOLOGIA
A Amazônia situa-se na região equatorial e possui um clima quente e úmido, embora este comportamento não tenha sido uma constância durante os últimos 15.000 anos. Alterações da relação Terra-Sol provocaram mudanças significativas na quantidade de energia solar recebida pelo planeta Terra, modificando a composição dos sistemas atmosféricos predominantes e, consequentemente, o clima. A menor insolação provocou movimentos do anti-ciclone do Atlântico Sul e correntes oceânicas frias (corrente das Malvinas) em direção ao equador. Com o resfriamento da temperatura do oceano Atlântico, os ventos alíseos penetraram no continente com menos umidade, provocando um aumento da região de aridez. As principais mudanças climáticas e fitográficas ocorridas durante o período quaternário foram resultados de frequentes alterações interglaciais e glaciais, os quais produziam mudanças bruscas, tais como a troca de vegetação predominante de floresta para savanas, durante períodos de clima mais frio e seco (glacial).
Observações de pólen (Absy, 1985) encontradas em sedimentos indicam que, durante parte do Holoceno (entre 5.000 e 3.000 anos passados), grandes áreas de savanas existiam na Amazônia, aonde atualmente existia floresta. Associado à este resfriamento, ocorreram um abaixamento do nível dos mares, com consequências na quantidade de água na Bacia Amazônica. Diagramas de pólen indicam que também não havia floresta ao final do Pleistoceno (aproximadamente 11.500 anos passados). Entre os anos de 4.000 e 2.100 antes do presente e ao redor do ano de 700 (1200 DC), Absy (1985) sugere que ocorreu grandes variações de precipitação na região Amazônica, causando o abaixamento (e em alguns casos secamento) de rios amazônicos, com mudanças significativas na fauna e flora.
3. CLIMATOLOGIA
O clima atual da região Amazônica é uma combinação de vários fatores, sendo que o mais importante é a disponibilidade de energia solar, através do balanço de energia. A Amazônia, situada na região entre 5 N e 10 S recebe no topo da atmosfera um valor máximo de 36,7 MJ.m-2.dia-1 em Dezembro/Janeiro e um valor mínimo de 30,7 MJ.m-2.dia-1 em Junho/Julho (Salati e Marques, 1984). Estes valores são reduzidos pela transmissão atmoférica mas são, em média, da ordem de 15 MJ.m-2.dia-1. Medidas realizadas na Amazônia Central (Manaus-AM) indicam que os maiores totais de radiação que chegam na superfície ocorrem nos meses de Setembro/Outubro, sendo que os mínimos são nos meses de Dezembro à Fevereiro. Esta distribuição é controlada pela nebulosidade advinda da migração SE/NW da convecção amazônica (Horel et al., 1989).
Devida aos altos valores de energia que incide na superfície, o comportamento da temperatura do ar mostra uma pequena variação ao longo do ano, com excessão da parte mais ao sul (Rondônia e Mato Grosso), que inclusive sofrem a ação de sistemas frontais (denominados localmente por Friagens - veja ítem 3.3). A amplitude térmica sazonal é da ordem de 1-2 C, sendo que os valores médios situam-se entre 24 e 26 C. Especificamente, Belém (PA) apresenta a temperatura média mensal máxima de 26,5 C em Novembro e a mínima temperatura de 25,4 C em Março. Manaus (AM), por outro lado, possui seus extremos de temperatura nos meses de Setembro (27,9 C) e Abril (25,8 C). Salati e Marques (1984) apresentam as médias mensais de 48 estações meteorológicas espalhadas pela Amazônia.
A energia que atinge a superfície terrestre é devolvida para a atmosfera na forma de fluxo de calor sensível (aquecimento) e latente (evapotranspiração). Desta forma, o balanço de energia e umidade interagem, sendo que o saldo de radiação é particionado em termos de calor sensível e/ou latente, dependendo das condições ambientais e de água no solo.
A região Amazônica possui uma precipitação média de aproximadamente 2300 mm.ano-1, embora tenham regiões (na fronteira entre Brasil e Colômbia e Venezuela) em que o total anual atinge 3500 mm. Nestas regiões não existe período de seca. Estes valores de precipitação elevada próximo à Cordilheira dos Andes deve-se à ascenção orográfica da umidade transportada pelos ventos alíseos de leste da Zona de Convergencia Intertropical (ZCIT). Na região costeira (no litoral do Pará ao Amapá), a precipitação também é alta e sem período de seca definido, devido a influência das linhas de instabilidade que se formam ao longo da costa litorânea durante o período da tarde e que são forçadas pela brisa marítima. A distribuição espacial e temporal das chuvas na Amazônia foi detalhadamente estudada por Figueroa e Nobre (1990), utilizando-se de 226 estações pluviométricas, e por Marengo (1995), que usou dados de convecção (Radiação de Ondas Longas) do International Satellite Cloud Climatology Project (ISCCP). O máximo da chuva na região central da Amazônia (próximo de 5 S), pode estar associada com a penetração de sistemas frontais da região sul, interagindo e organizando a convecção local. A distribuição espacial e temporal da precipitação derivada por Figueroa e Nobre (1990) é apresentada na Figura 1 . O período de chuvas ou forte atividade convectiva na região Amazônica é compreendido entre Novembro e Março, sendo que o período de seca (sem grande atividade convectiva) é entre os meses de Maio e Setembro. Os meses de Abril e Outubro são meses de transição entre um regime e outro. A distribuição de chuva no trimestre Dezembro-Janeiro-Fevereiro (DJF) apresenta uma região de precipitação alta (superior a 900 mm) situada na parte oeste e central da Amazônia, em conexão com a posição geográfica da Alta da Bolívia. Por outro lado, no trimestre Junho-Julho-Agosto (JJA), o centro de máxima precipitação deslocou-se para o norte e situa-se sobre a América Central. A região Amazônica, principalmente na parte central, está sobre o domínio do ramo descendente da Célula de Hadley, induzindo um período de seca bem característico. Este comportamente está completamente de acordo com o ciclo anual da atividade convectiva na região, conforme demonstrado por Horel et al. (1989).
Um estudo climatológico da circulação troposférica sobre a região Amazônica foi efetuado por Kousky e Kagano (1981). Usando radiossondagens realizadas na Amazônia Central (Manaus, AM) e Oriental (Belém, PA) durante o período de 1968-1976, os autores encontraram que o vento em altos níveis (200 hPa) é de oeste durante os meses de inverno (junho à agosto) nas duas localidades, embora a intensidade e ocorrência sejam variáveis. Este autores também sugerem, que a distribuição de chuvas na Amazônia esteja relacionada com a posição da Alta da Bolívia. Em relação à água precipitável, esta é aproximadamente constante ao longo do ano, com pequeno decréscimo nos meses de sêca. Salati e Marques (1984) apresentam que o valor médio de água precipitável para Belém (PA) e Manaus (AM) são de 4,2 e 4,4 g.cm-2, com amplitude anual de 1,1 e 0,9 cm, respectivamente.
O balanço hídrico na região Amazônica é difícil de ser calculado, devido a falta de continuidade espacial e temporal das medidas da precipitação, inexistência de medidas simultâneas de vazões fluviais, desconhecimento do armazenamento de água no solo, etc. Entretanto, algumas tentativas de se entender melhor o regime hídrico dentro da bacia hidrográfica tem sido realizadas, através de várias técnicas, tais como o método climatonônico (Molion, 1975), balanço hídrico (Villa Nova et al., 1976), e aerológico ( Salati et al., 1979; Rocha, 1991). Através do balanço de vapor d'água em toda a região Amazônica, Salati et al. (1979) determinou que a precipitação na região é uma composição da quantidade de água evaporada localmente (evapotranspiração) adicionada de uma contribuição de água advinda do Oceano Atlântico. Desta maneira, pode-se estimar que 50 % do vapor d'água que precipita pelas chuvas é gerado localmente (pela evapotranspiração), sendo o restante importado para a região pela fluxo atmosférico proveniente do Oceano Atlântico. Marques et al. (1980) estimou o balanço de água na Amazônia usando a divergência do fluxo de vapor d; água. Em média, a precipitação da bacia é 11,9 x 1012 m3.ano-1 (Villa Nova et al., 1976), sendo que a descarga fluvia do Rio Amazonas no Estreito de Óbidos é 5,5 x 1012 m3.ano-1 (Oltman, 1967). A estimativa da evapotranspiração (método de Penman) foi estimada por Marques et al. (1980), obtendo um valor de 6,4 x 1012 m3.ano-1 . Estes valores são totalmente coincidentes entre si, embora tenham sido obtidos por métodos e fontes diferentes. O balanço hídrico da região também foi estudada por Matsuyama (1992) utilizando-se dados em pontos de grade do ECMWF obtidos durante o período do FGGE. Em seus cálculos para um ciclo sazonal completo, Matsuyama (1992) encontrou uma evapotranspiração (calculada pelo balanço hídrico) de 1139,1 mm, que representa 53% da precipitação de 2152,6 mm. O escoamento superficial foi calculado em 1013,5 mm, sendo a contribuição do fluxo atmosférico de 737,3 mm.
A evapotranspiração da floresta na região Amazônica tem sido objeto de vários estudos (Villa Nova et al., 1976, Marques et al., 1980, Shuttleworth et al., 1987, entre outros), principalmente em casos da evapotranspiração potencial. As estimativas são de que a evapotranspiração potencial média seja de 4,0 mm.dia-1, com variações sazonais decorrentes da existência ou não de chuvas. Entretanto, poucas são as medidas ou estimativas da evapotranspiração real. Marques Filho et al. (1986) e Fisch (1990) realizaram estudos comparativos entre medidas da evapotranspiração real (medida com aparelhos de vórtices turbulentos) e estimativas da evapotranspiração potencial e, utilizando de métodos diferentes (Penman-Monteith no caso de Fisch (1990) e teoria da similaridade para Marques Filho et al. (1986)), chegaram a valores entre a razão das evapotranspirações real e potencial de 0,30 para Fisch (1990) e 0,4 para Marques Filho et al. (1986). Estes valores são típicos para a estação seca, sendo que, na época chuvosa, Shuttleworth et al. (1987) sugere que a evapotranspiração real seja igual a potencial, uma vez que o solo possui muita umidade.
3. SISTEMAS ATMOSFÉRICOS ATUANTES NA REGIÃO AMAZÔNICA
3.1 - Circulação Geral e Alta da Bolívia
A circulação geral da alta troposfera sobre a América do Sul tem sido bastante estudada nos últimos anos (entre outros Santos, 1986; Carvalho, 1989). Esta região possui uma característica muito particular de apresentar o desenvolvimento de um anti-ciclone em altos níveis (200 hPa), durante os meses de verão, associado com a forte convecção da região Amazônica. Este anti-ciclone foi denominado de Alta da Bolívia (AB), pois situa-se sobre a região do altiplano boliviano. Durante a época de inverno, ocorre a desintensificação da AB, com o seu completo desaparecimento. A localização geográfica da AB possui variação intra-sazonal e inter-anual, associado com a convecção na Amazônia. Santos (1986) observou que, durante anos menos chuvosos na região Amazônica, os centros da AB eram menos intensos. Analisando anos de ocorrência de El-Niño, Jones e Horel (1989) reportam que, a AB localiza-se, em geral, à oeste de sua posição climatológica. Também foi observado por Carvalho (1989) que, para o evento do ENOS 82-83, a atividade convectiva e precipitação na Amazônia diminuiu (veja ítem 3.2), com a desintensificação da AB. A manutenção deste centro quente anti-ciclonônico é devido à convergência, em baixos níveis da umidade que vem de nordeste e de leste. Esta convergência provoca forte convecção, condensação e liberação de calor latente na média/alta troposfera, associada à atividade convectiva. Entretanto, esta atividade convectiva possui um ciclo anual de migração SE/NW, partindo da região Amazônica durante o trimestre DJF e deslocando-se até a América Central (trimestre JJA). A investigação deste fenômeno pode ser efetuada pelas observações pluviométricas (Marengo, 1992) ou pela radiação de ondas longas (ROL), emitida pelo topo de nuvens e aglomerados convectivos (Horel et al., 1989, Marengo e Hastenrath, 1993) e medidos por satélites meteorológicos de órbita polar. Já foi demonstrado que as observações de ROL é um estimador conveniente da precipitação tropical (Carvalho, 1989). Segundo os resultados de Horel et al. (1989), a atividade convectiva sobre a América Tropical possui um deslocamento sazonal ao longo do eixo SE/NW, permanecendo aproximadamente 5 meses em cada hemisfério.
3.2 - El - Niño
O evento do El Niño/Oscilação Sul (ENOS) de 1982-1983 foi um dos mais intensos e afetou o tempo e clima da América do Sul de várias maneiras (Kayano e Moura, 1986). No caso da região Amazônica, este episódeo provocou um período extremamente seco (janeiro/fevereiro) durante a estação chuvosa na Amazônica Central. O desvio da precipitação neste período (valor climatológico menos o valor observado de 82/83), apresentou valores de até - 70% na área de Manaus (AM), com um valor menor na parte mais próxima do Oceano Atlântico ( -20 % em Belém). Este comportamento foi devido ao ramo descendente da célula de Walker deslocar-se para a região sobre a Amazônia, inibindo a formação de atividades convectivas (Nobre e Rennó, 1985; Nobre e Oliveira, 1986). Este período (Janeiro/Fevereiro 82/83) foi caracterizado por possuir o menor índice pluviométrico nos últimos 50 anos. Em Manaus (AM), por exemplo, o total mensal de precipitação foi nulo, época em que a normal climatológica apresenta um valor superior à 300 mm (Nobre e Oliveira, 1986). Em um estudo complementar à este, Kayano e Moura (1986) analisaram a precipitação na América do Sul durante todo o evento do El Niño (junho de 1982 à agosto de 1983), indicando que a Amazônia sofreu uma seca durante todo este período, com total de chuva de aproximadamente 0,5 desvio normalizado menor. Devido a natureza heterogenea da precipitação e da localização de pluviometros/pluviografos (Molion e Dallarosa, 1990), a medida da vazão de rios é uma medida robusta do ciclo hidrológico na área da Bacia. Neste sentido, Molion e Carvalho (1987) analisaram a descarga fluvial de rios na Amazônia e correlacionaram suas vazões com o evento ENOS 82/83. Os resultados obtidos para os Rios Trombetas e Ji-Paraná indicaram que as correlações são positivas, sugerindo que o índice de oscilação sul possa ser um preditor da variabilidade de chuva nesta região. Richey et al. (1989) também mostraram que variabilidade inter-anual do regime de precipitação e descarga fluvial dos rios está associada com eventos de ENOS e possue escala de tempo de 2-3 anos.
Uma série de outros estudos também demonstraram os efeitos do evento ENOS na hidrologia da Amazônia. Aceituno (1988) mostrou uma tendência da diminuição de chuva na Amazonia do Norte, durante anos de El-Niño. Marengo (1991, 1992) mostrou que em anos de El-Niño muito intenso, como foram os anos de 1925-26, 1976-76 ou 1982-83, a precipitação do verão foi mais baixa que nos anos normais sobre a Amazônia do Norte, resultado este que também se observa nos níveis de água anormalmente baixos dos Rios Negro e Amazonas. Um estudo recente de Marengo (1996) para a Amazônia Peruana mostra que os níveis de água do Rio Solimões em Iquitos e as chuvas registradas mostram anomalias negativas durante anos de El-Niño muito intenso. Estudos observacionais realizados por Marengo e Hastenrath (1993), e que foram comprovados por estudos de modelagem do clima de Marengo et al. (1993), mostram que, durante anos de grande aquecimento das águas do Pacifico equatorial central (fenômeno do El-Niño), a ZCIT situa-se anômalamente mais ao norte do que sua posição normal sobre o Atlântico tropical. Consequentemente os ventos alíseos de NE são mais fracos, reduzindo a umidade que penetra no interior da região Amazônica. Sobre o lado oeste do Andes, a convecção que produce chuvas abundantes ao norte do Peru, provoca, por sua vez, movimentos de ar de subsidncia compensatória no lado este, contribuindo para uma menor quantidade de chuva na parte oeste da Amazonia.
3.3 - Friagens
Embora a região Amazônica situa-se geograficamente próxima ao Equador, a parte meridional sofre, eventualmente, da ação de sistemas frontais, provocando o fenômeno localmente denominado de Friagem. O efeito destas invasões de ar polar na Amazôniatem sido pouco estudado e apenas os estudos de Brinkman e Ribeiro (1972), Hamilton e Tarifa (1978), Fisch (1996) e Marengo et al. (1996) detalharam estes efeitos. Fisch (1996) realizou uma estatística simples do número de eventos de Friagem na região do Sul do Pará durante os anos de 1992 e 1993 e obteve uma frequência de ocorrência de 7 casos por ano, durante os meses de maio à agosto. Brinkman e Ribeiro (1972) citam que, no caso da Amazônia Central, ocorrem de 2 a 3 Friagens por ano, durante os meses de seca (junho a outubro). Analisando o evento de uma Friagem que atingiu a região de Manaus (julho de 1969), Brinkman e Ribeiro (1972) mostraram que a temperatura mínima naquele evento foi 12 C menor do que a média climatológica, provocando ventos intensos. No caso das variações dos elementos climáticos, Hamilton e Tarifa (1978) analisaram a penetração de uma intensa frente fria (ocorrida em 1972), que provocou decréscimos na temperatura do ar em Cuiabá (MT) de até 13 C. Outras observações importantes são a de que ocorre uma mudança de direção do vento (de Norte para Sul), a cobertura de nuvens é total e que o evento se extende até 700 hPa (aproximadamente 3000 m), prolongando-se por 3 dias. Ainda com relação às características meteorológicas da superfície, Marengo et al. (1996) analisaram a extensão espacial das modificações causadas por duas Friagens moderadas ocorridas em 1994, observando que os efeitos mais pronunciados foram obtidos na região do sul de Rondônia (Ji-Paraná), na qual a temperatura do ar atinge valores de 10 C, aproximadamente 8 C abaixo da média climatológica. Nas regiões central e oeste da Amazônia (Manaus - AM e Marabá - PA, respectivamente), o decréscimo da temperatura do ar não foi tão grande, embora a quantidade de umidade atmosférica também tenha diminuído, induzindo que ocorreu a invasão de ar polar (frio e seco). As modificações na estrutura vertical da atmosfera foram estudadas por Fisch (1996a), que observou um aumento intenso da velocidade do vento (principalmente na componente meridional do vento), associado com um forte resfriamento (ao redor de 15 C na camada limite atmosférica). Estas informações foram coletadas em julho de 1993, durante a realização do experimento de campo do RBLE.
3.4 - Linhas de Instabilidade
As Linhas de Instabilidade (LIs) que ocorrem na Amazônia são responsáveis pela formação de chuvas próximo à costa litorânea dos estados do Pará e Amapá, bem como de precipitação na Amazônia Central, durante a estação seca. Estudos preliminares (Coehn et al., 1989) mostraram que estas LIs são um dos sistemas atmosféricos atuantes na área leste do Pará e que contribuem com 45 % da chuva que cai durante o período chuvoso. Estas linhas são caracterizadas por possuir grandes conglomerados de nuvens cumulonimbus e são formadas devido à circulação de brisa marítima, podendo-se prolongar para o interior do continente (denominadas LIP) ou não (LIC). Devido a suas dimensões, estas LIs são facilmente observadas por imagens de satélites. De acordo com Coehn et al. (1989), as LICs constituem 62 % dos casos observados, sendo o restante (38 %) compreendido de LIPs. Cavalcanti (1982) realizou um estudo climatológico e observou que a formação destas linhas posiciona-se ao sul da Zona de Convergência Inter-Tropical (ZCIT), sendo o período de maior frequência na época em que a ZCIT está mais organizada.
Molion (1987) descreve a influência destas LIs na distribuição de chuva da Amazônia Central, observando que, durante à noite e devido à diminuição do contraste térmico oceano-continente, estas LIs praticamente se dissipam, para revigorarem-se no dia seguinte, com o aquecimento da superfície. Os aspectos climatológicos destas LIs na Amazônia foram estudadas observacionalmente por Coehn et al. (1989).
Os resultados obtidos foram de que estas LIs podem atingir o extremo oeste da Amazônia, com velocidade de deslocamento entre 12 e 15 m.s-1 (aproximadamente 13 graus de longitude por dia). O comprimento e a largura médios destas LIs é de aproximadamente 1500 km e 170 km, respectivamente, sendo que os meses com maior frequência de ocorrência é entre abril e agosto (Coehn et al., 1989). Por outro lado, Coehn et al. (1995) estudaram a penetração de Linhas de Instabilidade na região Amazônia Central, durante o experimento ABLE-2B (Garstang et al., 1994) nos meses de Abril-Maio de 1987.
Neste período as LIC compreenderam 23 % dos casos, sendo o restante de LIPs. Em um estudo de caso de uma LIP intensa ocorrida no início de maio, observou-se que foram 2 mecanismos que provavelmente originaram e propagaram esta LIP: ventos de leste intensos em baixos níveis (entre 900 e 650 hPa) e presença de uma fonte de calor a oeste da Amazônia.
Os autores concluem que as LIs que se propagam na Amazônia são mecanismos complexos, em que ocorre interação entre escalas: larga, meso e micro-escala, sendo esta última provocada por circulações entre nuvens e o ambiente adjacente.
3.5 - Brisa Fluvial
A precipitação é um dos elementos climáticos mais importantes a ser analisado na região tropical, pois induz as características e comportamento dos outros, tais como temperatura, umidade relativa, ventos, etc. Entretanto, a despeito da simplicidade de sua medida, é uma das variáveis meteorológicas mais dificies de ser medida, uma vez que possue erros instrumental, de exposição e mesmo de localização (Molion e Dallarosa, 1990). A brisa fluvial é um mecanísmo físico no qual o ar, devido ao contraste térmico entre água-terra, move-se em direção do continente durante o dia e vice-versa à noite. Imagens de satélites mostram que as nuvens formam-se preferencialmente sobre o continente durante o dia, com movimentos de subsidência na área dos rios. Oliveira e Fitzjarrald (1993) comprovam a existência desta circulação fluvial nos baixos níveis (até 1500-2000 m), possuindo o sentido floresta/rio durante à noite e início da manhã, revertendo o sentido (rio/floresta) durante a tarde e início da noite. Observações radiométricas feitas por avião durante o experimento ABLE observou um gradiente térmico enter rio/floresta de -3 C durante o dia e +6 C à noite (Oliveira e Fitzjarrald, 1993). Certamente estas influências são mais intensas nas regiões em que a largura do rio é considerável, tais como próximo `a Manaus (confluência os Rios Negro e Solimões), Santarém (Rios Tapajós e Amazonas) e Belém (Rios Tocantins e parte sul da Foz do Rio Amazonas). Molion e Dallarosa (1990) mostraram que, considerando-se 4 postos pluviométricos (1978-1988) próximos à Manaus, o menor índice anual (1843 mm) foi o da estação instalada em uma ilha no Rio Negro, sendo o maior indíce (2303 mm) na localidade distante cerca de 100 km.
3.6 - Penetração de Sistemas Frontais e organização da convecção na Amazônia.
Oliveira (1986) realizou um estudo climatológico sobre a interação desta convecção tropical e a penetração de sistemas frontais na região SE do Brasil, utilizando de 5 anos (1977/1981) de imagens de satélites meteorológicos. Estes sistemas frontais provocam a organização e formação de uma banda de nuvens orientada no sentido NW/SE (referenciar a ZCAS), que possue sua máxima intensidade nos meses de verão, aumentando o regime de precipitação da região (época chuvosa). Este aumento de convecção está relacionado com a intensificação do cavado em altos níveis, que é gerado pela penetração da frente.
4 - SIMULAÇÕES CLIMÁTICAS DO DESMATAMENTO DA FLORESTA TROPICAL
Na última década, a Amazônia tem sido foco de atenção mundial devido à sua riqueza mineral, à sua grande biodiversidade de espécies florestais e também pelos efeitos que o desmatamento em grande escala pode provocar no clima regional e global.
Com relação à associação floresta-clima, o desenvolvimento da informática facilitou a utilização de modelos numéricos de Circulação Geral da Atmosfera (MCGAs) para se estudar o efeito das trocas de energia entre a superfície e a atmosfera. Como ferramenta de análise da problemática do desmatamento, vários estudos de simulação numérica do clima em situações de floresta e desmatamento (troca de superfícies vegetadas de floresta po pastagens) já foram realizados (por exemplo Dickinson e Henderson-Sellers, 1988; Lean e Warrilow, 1989, Nobre et al., 1991; Henderson-Sellers et al., 1993; Lean e Rowtree, 1993; Manzi, 1993, Lean et al., 1996). De modo geral, os resultados obtidos convergem em que ocorrerá um aumento de temperatura do ar próximo à superfície (variando de 0,6 à 2,0 C), uma redução nos totais de precipitação e evaporação (de 20 a 30% do valor de floresta) e uma estação seca mais prolongada. Estas modificações certamente acarretarão implicações ecológicias gravíssimas. Em um estudo preliminar, Nobre et al. (1989) estudaram os impactos climáticos devido ao desmatamento e obtiveram um aumento da temperatura do ar de 1,3 C. Este aquecimento relativo da superfície de terra desmatada e do ar imediatamente acima é consistente com reduções na evapotranspiração e no fluxo de calor latente, uma vez que uma maior fração de energia radiativa está disponível para aquecer a superfície terrestre e o ar acima. Além disso, a redução no comprimento de rugosidade diminui a eficiência dos processos de troca turbulenta, contribuindo para um aumento de calor na superfície e na camada próxima à ela. No caso do balanço de energia à superfície (média espacial da área considerada) mostra que a radiação solar absorvida pela superfície é menor no caso desmatado (186 W.m-2) do que na área de floresta (204 W.m-2), devido às variações do albedo: aumentou de 12,5 % no caso floresta para 21,6 % no cenário pastagem.
O estudo efetuado por Lean et al. (1996) representa as condições de fronteira e inicial mais realistas do cenário da Amazônia, uma vez que os parâmetros de controle (por exemplo fração da vegetação coberta, tipo de solo, difusividade hidraúlica, etc) e de superfície (albedo, comprimento de rugosidade, índice de área foliar, etc) foram extraídos do conjunto de dados do ABRACOS. Os resultados obtidos foram coincidentes com os descritos por Nobre et al. (1989) com redução na evaporação e precipitação e aumento da temperatura do ar na superfície.
A diferença mais notável foi que a redução na evaporação de 0,81 mm.dia-1 (do cenário de floresta (4,32 mm.dia-1) para pastagem (3,51 mm.dia-1)) foi parcialmente compensada por um aumento de convergência de umidade, resultando em uma redução de precipitação menor (redução de 7 % do caso floresta para pastagem). Também ocorrem diferenças regionais (Amazônia Sul e Norte): no caso da precipitação, por exemplo, ocorrem uma redução em todos os meses da parte sul, embora existam meses com redução e outros meses com aumento na parte norte. Para a temperatura do ar, o valor global na pastagem foi a de um aumento de 2,3 , devido à um crescimento do fluxo de calor sensível (+ 30 % do caso de floresta).
Estes dois artigos supra citados abordaram as modificações climáticas a nível regional. Por outro lado, Fisch et al. (1996c) analisaram com detalhes o comportamento de variáveis meteorológicas na região específica de Ji-Paraná (RO) em áreas de floresta e pastagem, utilizando-se de resultados gerados por Lean at al. (1996). Nestas análises usou-se um conjunto de dados (valores horários durante um período de 15 meses) gerados após 5 anos de integração. De modo geral, a substituição de floresta por pastagem provoca, a nível sazonal, uma redução no saldo de radiação de ondas curtas (8%) e total (3 %), um aumento na temperatura média do ar (0,9 C), uma redução pequena na umidade específica do ar, um aumento da velocidade do vento, uma redução na evaporação e precipitação (de 20 % e 14 %, respectivamente) e um período de seca mais prolongado (a época seca (total mensal inferior a 50 mm) estende-se de junho-julho no cenário floresta para maio à agosto no caso pastagem. Com a escolha de um mês tipicamente úmido (janeiro) e um mês ao final da época seca (setembro), analisou-se o comportamento horário dos fluxos de energia e dos elementos climáticos. O saldo de radiação (ondas curtas e total) é superior na floresta em relação à pastagem, em ambas as estações. A razão de Bowen é tipicamente de +0,3 durante a época chuvosa, aumentando para valores entre 1,0 e 3,0 durante a estação seca. No caso da temperatura do ar, a floresta apresenta um valor máximo maior do que de pastagem (1,2 C) durante o período das chuvas e é inferior ao mínimo da temperatura da pastagem na estação seca (-2,5 C) . Obteve-se valores de umidade específica similares na floresta e pastagem durante a estação chuvosa (típicamente 16 g.kg-1), embora diferentes (floresta 16 g.kg-1 e pastagem 10 g.kg-1) na época seca. A velocidade do vento é mais intensa na pastagem em relação à floresta, sendo que no período seco a pastagem apresenta ventos de até 3,5 m.s-1.
Comprovando estes resultados, Paiva e Clarke (1995) analisaram estatísticamente as séries temporais de 48 postos pluviométricos na Amazônia e encontraram que, embora haja tendências estatísticas sobre as anomalias positivas ou negativas, há indícios de que tendências negativas são mais comuns de ocorrerem do que as positivas, sendo também mais frequentes nas partes da Amazônia Central e Oeste. A parte leste possui mais tendências positivas, provavelmente em função da proximadade do Oceano Atlântico e brisa marítima. Ressalta-se que, neste estudo, algumas séries temporais continham apenas 15 anos ou menos. Outros estudos que demonstram a variabilidade da precipitação são os de Rocha et al. (1989) e Chu e Hastenrath (1994).
5 - MICROMETEOROLOGIA DE FLORESTA
A seguir, descrever-se-á os principais resultados de micrometeorologia de floresta e pastagem, obtidos pelo Projeto ABRACOS e que foram extraídos de Nobre et al. (1996).
Em média os sítios experimentais de floresta absorveram 11% mais radiação do que as pastagens. Isto advém do fato de que a floresta reflete menos radiação solar e emite menos radiação de ondas longas. O albedo médio da floresta foi de 0,13, ligeiramente mais alto do que o valor usualmente utilizado em simulações numéricas de desmatamento, enquanto que o albedo médio da pastagem foi de 0,18, ligeiramente menor que os valores habitualmente utilizados. Surpreendentemente as gramíneas das pastagens não apresentaram uma forte sazonalidade do albedo, ao passo que o albedo da floresta mostrou uma variação sazonal bem definida, que não ocorre devido aos efeitos de variações do ângulo de elevação solar ou as variações de nebulosidade, mas está correlacionado com a umidade do solo. Embora o albedo dos sítios de pastagem não tenha mostrado uma clara tendência sazonal, variações de mês a mês foram observadas, estando associadas ao índice de área foliar. Em Ji-Paraná, diferenças sistemáticas na radiação solar incidente entre os sítios experimentais de floresta e pastagem foram observadas durante a estação seca. Estas diferenças podem estar relacionadas com o aumento de nebulosidade sobre a pastagem durante aquela época do ano, fato este evidenciado por Cutrim et al. (1995). Em se confirmando essas observações, é um resultado importante na medida que indica um efeito direto da mudança de cobertura vegetal em um fenômeno atmosférico de mesoescala.
As pastagens apresentaram temperaturas máximas durante o dia mais altas e amplitudes de temperatura também mais altas. Geralmente o mínimo de temperatura foi menor à noite para a pastagem. Este resultado está associado provavelmente as baixas velocidades do vento próximo à superfície para as pastagens à noite, o que pode levar à redução dos processos turbulentos de mistura na vertical e maior estabilidade atmosférica. A temperatura durante o dia na área urbana de Manaus foi sistematicamente mais alta que aquela nas duas áreas rurais (pastagem e floresta), mas as temperaturas na cidade à noite foram similares aquelas sobre a floresta. Há pequena variação sazonal de temperatura em Manaus ou Marabá, porém há um resfriamento considerável durante a estação seca em Ji-Paraná, associada à advecção de ar frio de latitudes extratropicais no Hemisfério Sul, devido à passagem de sistemas frontais. Um marcante ciclo anual de umidade foi observado em Ji-Paraná e Marabá, mas não foi observado em Manaus. Valores mais baixos de umidade durante a estação seca estão associados à subsidência de grande escala, que é predominante próximo às fronteiras do domínio florestal (como nas regiões de Marabá e Ji-Paraná no sudeste e sudoeste daAmazônia, respectivamente).
A umidade do solo estudada continuamente durante todo o projeto ABRACOS mostrou que, durante a estação seca, houve sistematicamente maior extração de água no solo sob a floresta, resultando em perfis mais secos ao final da época seca. Há claras indicações de que a floresta está extraindo água a profundidade maiores que 3,6 m (profundidade máxima das medidas de umidade do solo). Estas indicações encontram suporte nas medidas de variações máximas de armazenamento registradas para cada um dos sítios experimentais. O termo de armazenamento do balanço de água não foi nulo ao final do ciclo anual e, se esses resultados fossem extrapolados para a escala regional, a diferença entre a precipitação e vazão fluvial não resultariam na evaporação média anual de grande escala. O quadro geral de água no solo mostra que existem grandes diferenças nas variações sazonais de conteúdo de água no solo, tanto entre floresta e pastagem como entre os sítios experimentais. Essas diferenças ocorrem como resultado dos diferentes regimes de precipitação, combinados com as diferenças propriedades do solo, comportamento do lençol freático e profundidade das raízes das florestas e gramíneas.
Nos quatros anos de medidas de campo do Projeto ABRACOS houve 7 campanhas intensivas de monitoramento do clima. O objetivo dessas campanhas de campo foi o de avaliar os parâmetros físicos que descrevem a micrometeorologia dos sítios experimentais e fornecer estimativas de todas as componentes do balanço de energia, incluindo evaporação, a qual pode ser utilizada para calibrar modelos da superfície vegetada. Durante a estação chuvosa, a partição de energia para evaporação foi similar para floresta e pastagem, mas a evaporação total da pastagem nesta estação foi tipicamente 10 a 15 % menor em comparação com a floresta devido a reduzida energia disponível na pastagem e as rugosidades aerodinâmicas mais suavizadas. Durante a estação seca, as pastagens, que tem raízes mais rasas, foram todas afetadas pela diminuição das reservas de água no solo, apesar que com intensidades variadas dependendo do tipo de solo e precipitação. Nos solos argilosos de Manaus, a transpiração das pastagens declinou rapidamente depois de somente 10 dias sem chuvas. Em contraste, nenhuma atenuação significativa em transpiração foi observada em qualquer dos sítios de floresta durante os períodos secos, inclusive durante as estações secas mais longas em Marabá e Ji-Paraná.
Medições dos fluxos turbulentos de CO2 sobre a floresta da Reserva Jaru mostraram que ocorreu um acúmulo de carbono pela vegetação, que é o resultado do balanço entre a quantidade de carbono absorvida durante a fotossínte e liberada pela respiração. Se for extrapolado para toda a região, estas estimativas significam que a Amazônia seria um sorvedouro de aproximadamente 0,5 Gtoneladas de carbono por ano e teria um papel importante no efeito estufa, se todo este carbono fosse liberado instantâneamente para a atmosfera..
A camada limite atmosférica durante o dia atingiu altura de 700 a 1000 m mais alta sobre áreas com desmatamento do que sobre áreas de florestas na região de Ji-Paraná, o que mostrou-se consistente com as observações de aumento do fluxo de calor sensível à superfície e diminuição da evaporação sobre pastagens em comparação com a floresta. Observou-se também uma pequena diminuição da quantidade total de vapor d'água sobre a pastagem e relação de floresta. A arquitetura de faixas de floresta inseridas em grandes extensões de áreas de pastagem é tal que a justaposição destes dois tipos de superfície (floresta fria e úmida e pastagem quente e seca) pode provocar movimentos de mesoescala (circulação térmica), auxiliando a erosão da camada limite noturna na pastagem. Também ocorre advecção de energia nesta situação.
Estes resultados foram baseados em observações e dados coletados nos três pontos experimentais do projeto ABRACOS. Como consequência da coleta dos dados e do melhor entendimento dos processos físicos envolvidos no efeito do desmatamento, pretende-se utilizar estes resultados para melhorar as previsões numéricas de tempo, principalmente nesta região.
6 - EXPERIMENTOS METEOROLóGICOS REALIZADOS NA REGIãO AMAZôNICA
Nas últimas 2 décadas, vários experimentos micrometeorológicos integrados (veja resumo na Tabela 1 ) foram realizados na região Amazônica, com o objetivo de aumentar os conhecimentos relativos à interação entre floresta tropical e a atmosfera. Individualmente, vários estudos foram feitos por pesquisadores do INPA, Museu Emílio Gueldi e Universidade Federal do Pará (entre outros), sobre estas interações. O experimento ARME (Amazonian Research Micrometeorological Experiment) teve como objetivo a coleta de dados micrometeorológicos da partição de energia pela floresta amazônica e estimativas de evapotranspiração. Vários resultados científicos foram encontrados, dentro dos quais ressalta-se o fato de que a floresta tropical não sofre o efeito do estress hídrico provocado pela falta de chuvas, evapotranspirando na taxa potencial ao longo do ano ( Shuttleworth et al., 1987). Posteriormente, o experimento ABLE (Amazonian Boundary Layer Experiment) foi realizado com o intuito de coletar dados da estrutura da atmosfera da região Amazônica para estudar liberação e ciclos de gases e aerossóis. Os principais resultados científicos estão compilados em dois números especiais (ABLE-2A, 1988 e ABLE-2B, 1990) e em Garstang et al. (1990). O balanço hídrico em larga-escala durante este experimento foi analisado por Souza (1991). Este mesmo assunto foi objeto de um outro experimento científico realizado em novembro e dezembro de 1989 e denominado FLUAMAZON (Fluxo de Umidade na região Amazônica). O objetivo deste experimento foi o de coletar dados de ar superior (radiossondagem) para realizar balanço de umidade na Amazônia, juntamente com medidas isotópicas do vapor d'água e seus resultados foram analisados por Rocha (1991).
Com o intuito de coletar dados dos fluxos de energia e dos elementos climáticos sobre as superfícies de floresta tropical e de pastagem em três localidades distintas da Amazônia, iniciou-se o projeto ABRACOS (Anglo Brazilian Amazonian Climate Observational Study), que teve a realização de missões de coleta de dados em épocas sêcas e úmidas, durante os anos de 1991-1995. Vários resultados científicos importantes foram alcançados, dentre os quais destaca-se a sazonalidade do albedo de floresta tropical (Culf et al., 1995), a sazonalidade da evapotranpiração na área de pastagem, mas não na floresta (Wright et al., 1992), etc.
Estes resultados estão compilados em um livro ("Amazonian Climate and Deforestation" Gash, Nobre, Roberts e Victoria (eds.), 1996). Os conhecimentos científicos sobre a influência do desmatamento no clima na estrutura da camada limite atmosférica foram aumentados com a realização do experimento RBLE (Rondônia Boundary Layer Experiment), com 3 campanhas de coleta de dados durante época seca, em regiões de floresta e pastagem em Ji-Paraná (RO).
As campanhas de coleta de dados foram realizadas em simultâneo com medidas do Projeto ABRACOS. Os principais resultados estão compilados em Fisch (1996a) e mostram que a camada limite convectiva sobre a área de pastagem é muito mais desenvolvida do que sobre floresta, sendo esta diferença (em torno de 1000 metros mais profunda) devido à maneira como é feito a partição de energia na pastagem: o fluxo de calor sensível é praticamente igual ao de calor latente. Por outro lado, durante as condições noturnas, a camada limite noturna é mais profunda na floresta (350 m de altura) do que na pastagem (230 m), pois a turbulência mecânica (ventos) auxilia o transporte de energia na floresta.
A descontinuidade térmica na pastagem é superior a da floresta. Lyra et al. (1994) mostram que a estrutura da camada limite atmosférica (CLA) sobre a região de floresta em Ji-Paraná apresenta-se compatível com as observações realizadas na floresta tropical do Congo, ressaltando que a CLA sobre a área de pastagem é, em média, 66 % superior do que no caso floresta, além de não entrar em colapso ao final da tarde/início da noite, mantendo um aspecto estacionário durante todo o período noturno. O papel da vegetação de floresta tropical na liberação/absorção de CO2 atmosférico está sendo estudado, com a realização de uma campanha de coleta de dados do MACOE (Manaus Atmospheric CO2 Experiment), realizado em novembro de 1995, na região de Manaus (AM). O objetivo deste experimento foi o de coletar dados do perfil de CO2 na camada limite noturna em regiões de floresta tropical.
Os dados coletados ainda passam pela fase de consistência e análises (Fisch e Culf, 1996b). Finalmente, em um futuro bastante próximo, será realizado um grande experimento internacional (LBA - Large Scale Biosphere-Atmosphere Experiment in Amazonia) na região Amazônica, que visa integrar todos estes resultados já obtidos, além de tentar entender como a Amazônia funciona atualmente como uma entidade regional, bem como as mudanças nos usos da terra e no clima que irão afetar o funcionamento biológico, químico e físico da Amazônia, incluindo a sustentabilidade do desenvolvimento na região e sua influência no clima. O experimento LBA será uma colaboração internacional, envolvendo Brasil, Estados Unidos e Europa (Reino Unido, Holanda, Alemanha, França, entre outros). O período de coleta de dados está planejado para ocorrer entre 1998-1999, com as análises estendendo-se até o ano 2002.
Com excessão dos dados coletados durante o MACOE, o restante dos dados já coletado na Amazônia encontra-se disponível e fará parte de um grande banco de dados a ser preparado antes do LBA, na forma de CD-ROM.
7 - AGRADECIMENTOS
Os autores desejam expressar seus agradecimentos à todos aqueles que, direta ou indiretamente, realizam pesquisas na Amazônia, tentando compreender melhor a influência da floresta na determinação e caracterização do clima da região. Estes conhecimentos visam melhorar as condições de vida dos Amazônidas.
FONTE
www.r7.com/
FOTOS ILUSTRATIVAS
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