sábado, 5 de julho de 2014

10 mitos persistentes sobre câncer desbancados

“Não acredite em tudo que se lê na internet” é a máxima do nosso tempo.

Embora as pessoas saibam que muita besteira circula por aí, alguns fatos são apresentados tão persistente e constantemente que começam a parecer verdade. Muitos nem sequer procuram saber mais sobre o assunto – apenas o tomam como verdadeiro.

Neste artigo, queremos corrigir 10 mitos sobre câncer que aparecem regularmente no cotidiano das pessoas. Aqui, vamos nos guiar pela evidência, e não pela retórica ou anedota, para descrever o que as pesquisas realmente mostram sobre o tema:

Mito 1: O câncer é uma doença moderna
Não, o câncer não é uma doença “moderna” criada pelo homem da sociedade ocidental. Câncer existe há muito mais tempo: foi descrito milhares de anos atrás por médicos egípcios e gregos, e pesquisadores já descobriram sinais indicadores de câncer em um esqueleto de 3.000 anos de idade.
Embora seja verdade que as doenças relacionadas com o estilo de vida moderno aumentem os casos de câncer, o maior fator de risco para a condição ainda é a idade. Hoje em dia vivemos mais do que vivíamos antes, então temos mais câncer. Em outras palavras, nosso DNA sofre danos à medida que envelhecemos, e tais danos podem levar ao câncer.
Também, hoje em dia somos mais capazes de diagnosticar cânceres, graças aos avanços em imagiologia e patologia, o que pode fazer parecer que o aumento de casos é maior do que realmente é.
Em resumo: estilo de vida, dieta e outras coisas, como a poluição do ar, têm um enorme impacto sobre o nosso risco de câncer – tabagismo, por exemplo, é uma grande causa de câncer -, mas isso não é o mesmo que dizer que o câncer é uma doença do homem moderno. Há uma abundância de causas naturais para o câncer – por exemplo, um em cada seis tipos de câncer em todo o mundo é causado por vírus e bactérias.

Mito 2: Superalimentos previnem o câncer
Mirtilo, beterraba, brócolis, alho, chá verde… Apesar de milhares de sites afirmarem o contrário, não existe um “superalimento” que cura câncer.
Esse termo pode ser usado por cientistas para falar de alimentos nutritivos que podem fazer bem para sua saúde, mas no geral é usado como marketing para vender produtos sem base científica.
Claro, quanto mais alimentos saudáveis você comer, melhor. Mas nossos corpos são complexos, o câncer também, e por isso é uma simplificação grosseira dizer que qualquer alimento por si só poderia ter uma grande influência sobre a sua chance de desenvolver a doença.
O acúmulo constante de evidência ao longo de várias décadas de pesquisa aponta que a melhor maneira de reduzir seu risco de câncer é através de uma série de comportamentos saudáveis a longo prazo, como não fumar, manter-se fisicamente ativo, manter um peso saudável e evitar bebidas alcoólicas.

Mito 3: Dietas ácidas causam câncer
Aparentemente, dietas excessivamente “ácidas” tornam seu sangue muito ácido, o que pode aumentar o risco de câncer. A solução seria aumentar sua ingestão de alimentos “alcalinos” mais saudáveis, como verduras e frutas (incluindo, paradoxalmente, limões).
Isso é um absurdo biológico.
A acidose é uma condição fisiológica que ocorre quando os rins e os pulmões não podem manter o pH do seu corpo (uma medida de acidez) em equilíbrio. Muitas vezes, é o resultado de uma doença grave ou de envenenamento. Pode ser fatal e precisa de atenção médica urgente – mas não ocorre por causa de dietas excessivamente ácidas.
É verdade que as células cancerosas não podem viver em um ambiente excessivamente alcalino, mas nenhuma das outras células no seu corpo podem também.
O sangue é normalmente ligeiramente alcalino. Isso é estreitamente regulado pelos rins e não pode ser alterado por qualquer quantidade significativa de tempo pelo que você come. E, enquanto comer vegetais é certamente saudável, não é por causa de qualquer efeito na acidez ou alcalinidade de seu corpo.
Sabemos que o ambiente imediato em torno de células cancerosas pode se tornar ácido. Isto é devido a diferenças na maneira que os tumores criam energia e usam oxigênio em comparação com o tecido saudável em volta dele. Os pesquisadores estão trabalhando para entender como isso acontece, a fim de desenvolver tratamentos de câncer mais eficazes. No momento, porém, não há nenhuma evidência para provar que dieta pode manipular o pH do corpo todo, ou que tem um impacto sobre o câncer.

Mito 4: O câncer gosta de doce
Existe a ideia de que “coisas doces” alimentam o câncer e, por isso, os pacientes não podem comer nada açucarado. De novo, essa é uma simplificação grosseira.
O termo “açúcar” aqui funciona como uma pegadinha. Ele refere-se a uma variedade de moléculas, incluindo açúcares simples encontrados em plantas, como glicose e frutose. O material branco que você usa para cozinhar bolos é chamado de sacarose e é feito de glicose e frutose.
Todos os açúcares são carboidratos. E carboidratos – quer venham de um bolo ou de uma cenoura – são quebrados no nosso sistema digestivo para liberar glicose e frutose. Estes açúcares são absorvidos pela corrente sanguínea para fornecer energia para que vivamos.
Todas as nossas células, cancerosas ou não, usam glicose para produzir energia. Como as células cancerosas geralmente crescem muito rápido em comparação com as células saudáveis, têm uma demanda particularmente elevada por este combustível. Há também evidências de que células doentes usam glicose e produzem energia de uma forma diferente.
Os pesquisadores ainda estão estudando as diferenças no uso de energia em cânceres em comparação com as células saudáveis, mas, no geral, o açúcar de bolos, doces e outros alimentos açucarados não alimentam mais as células cancerosas do que qualquer outro tipo de carboidrato. As células do nosso corpo simplesmente não escolhem de quais alimentos vão pegar seu combustível. Nosso organismo converte praticamente todos os carboidratos que ingerimos em glicose, frutose e outros açúcares simples, que são usados quando qualquer célula precisa de energia.

Mito 5: O câncer é um fungo e bicarbonato de sódio é a cura
Essa “teoria” vem da observação de que “o câncer é sempre branco”. Problema: o câncer não é sempre branco.
Claro, outra dificuldade óbvia dessa ideia é que as células cancerosas claramente não têm origem fúngica. Mesmo esquecendo tal aberração, apenas alguns tumores são brancos – até uma pesquisa no Google pode mostrar isso.
Os defensores dessa teoria dizem que o câncer é causado por uma infecção do fungo Candida, e que os tumores são, na verdade, a tentativa do corpo de proteger-se da infecção.
Não há nenhuma evidência disso. Muitas pessoas perfeitamente saudáveis podem ser infectadas com Candida. Normalmente, o nosso sistema imunológico consegue controlar o fungo. Casos mais graves só ocorrem em pessoas com sistemas imunológicos comprometidos, como pessoas com HIV.
A “solução simples” de injetar bicarbonato de sódio nos tumores é absurda. Isso não é nem mesmo o tratamento utilizado para tratar infecções fúngicas comprovadas. Aliás, há boas evidências de que altas doses de bicarbonato de sódio podem levar a consequências graves, mesmo fatais, em seres humanos.
Alguns estudos sugerem que o bicarbonato de sódio pode afetar cânceres transplantados em ratos ou em células cultivadas em laboratório, através da neutralização da acidez no microambiente em torno de um tumor.
Pesquisadores americanos também estão fazendo um pequeno ensaio clínico para investigar se cápsulas de bicarbonato de sódio podem ajudar a reduzir a dor do câncer, mas somente isso.
É muito difícil que isso se torne uma cura para o câncer em humanos. Uma dose de cerca de 12 gramas de bicarbonato de sódio por dia (com base em um adulto de 65 kg) só seria capaz de neutralizar o ácido produzido por um tumor de aproximadamente um milímetro cúbico de tamanho. Doses de mais de cerca de 30 gramas por dia podem causar graves problemas de saúde.

Mito 6: Há uma cura milagrosa para o câncer
De maconha a café, a internet está repleta de vídeos e histórias pessoais sobre curas “naturais” e “milagrosas” para o câncer.
Em muitos casos, é impossível dizer se os pacientes apresentados em tais fontes foram mesmo “curados” por qualquer tratamento alternativo particular ou não. Não sabemos nada sobre o seu diagnóstico médico, fase da doença ou perspectiva de vida, ou mesmo se eles realmente tinham câncer em primeiro lugar. Também não sabemos que outros tratamentos de câncer eles já fizeram, e quais condições subjacentes podiam ter.
Além disso, só ouvimos as histórias de sucesso – o que acontece com as pessoas que tentaram e não sobreviveram? Os mortos não podem falar, e muitas vezes as pessoas que fazem afirmações ousadas de curas “milagrosas” só mostram seus melhores casos, sem apresentar as falhas do “tratamento”.
Isso destaca a importância da publicação de dados revisados, vindos de laboratórios de pesquisa científica rigorosos, com ensaios clínicos sérios. Em primeiro lugar, porque a realização de estudos clínicos adequados permite aos pesquisadores provar que um tratamento para câncer em potencial é seguro e eficaz. E em segundo lugar, porque a publicação desses dados permite que médicos de todo o mundo julguem por si mesmos os benefícios de tais opções para seus pacientes.
Este é o padrão que todos os tratamentos de câncer devem seguir.
Isso não quer dizer que o mundo natural não seja uma fonte de potenciais tratamentos, da aspirina (casca de salgueiro) à penicilina (mofo).
Por exemplo, uma droga para o câncer foi primeiro extraída a partir da casca de árvores teixo – mas isso é diferente de dizer que você deve mastigar a casca para combater um tumor. É um tratamento eficaz porque o ingrediente ativo foi purificado e testado em ensaios clínicos.

Mito 7: A indústria farmacêutica esconde a cura
De mãos dadas com a ideia de que há uma infinidade de “curas milagrosas” vai a ideia de que os governos, a indústria farmacêutica e até mesmo instituições de caridade estão conspirando para esconder a cura para o câncer porque fazem muito dinheiro com tratamentos existentes.
Seja qual for a “cura”, a lógica é geralmente a mesma: é facilmente disponível, barata e não pode ser patenteada, por isso a indústria a esconde para fazer dinheiro com outro remédio.
Não há dúvida de que a indústria farmacêutica tem uma série de problemas com transparência e ensaios clínicos. Ela precisa ser vigiada para termos certeza de que lança drogas eficazes a um preço justo no mercado.
Mas problemas com a medicina convencional não provam automaticamente que existem curas alternativas. Para usar uma metáfora, apenas porque carros às vezes falham não significa que tapetes voadores são uma opção de transporte viável e a indústria automobilística está escondendo isso.
Simplesmente não faz sentido que as empresas farmacêuticas queiram “suprimir” uma cura potencial. Encontrar uma terapia altamente eficaz garantiria vendas enormes em todo o mundo. O argumento de que os tratamentos não podem ser patenteados não se sustenta. Empresas farmacêuticas não são estúpidas, e há sempre maneiras de patentear um tratamento.
Também é importante ressaltar que instituições de caridade e cientistas financiados pelo governo podem investigar tratamentos promissores sem fins lucrativos. Por que eles, que muitas vezes prescrevem genéricos, ou seja, medicamentos sem patente, não usariam tratamentos baratos se estes existissem?
Além do mais, cientistas, membros de intuições de caridade e mesmo grandes empresários farmacêuticos também são atingidos pelo câncer, e morrem da doença. Seria meio louco pensar que eles gostam tanto de dinheiro que morrem por ele, ao invés de se curar da condição.

Mito 8: O tratamento do câncer mata mais do que cura
Quimioterapia, radioterapia ou cirurgia – o tratamento para o câncer não é fácil, não é gostoso, e às vezes não funciona.
Cirurgia ainda é o tratamento mais eficaz que temos para o câncer, desde que seja diagnosticado cedo o suficiente para uma operação ser feita. Radioterapia ajuda a curar mais pessoas do que drogas contra o câncer. A quimioterapia e outras drogas de câncer têm um papel muito importante ajudando ou a curar a doença, ou a prolongar a sobrevivência do paciente.
Apesar disso, baboseiras como a “quimioterapia é apenas 3% eficaz” ainda são lidas por aí. Claro que isso é mentira.
É importante ressaltar que, em um número crescente de casos, as drogas funcionam. Por exemplo, mais de 96% de todos os homens hoje são curados de câncer testicular, em comparação com menos de 70% na década de 1970, graças em parte a uma droga. E três quartos de crianças com câncer são curadas agora, em comparação com cerca de um quarto na década de 1960, a maioria delas diretamente graças à quimioterapia.
Sabemos que ainda temos um longo caminho a percorrer até que tenhamos tratamentos eficazes para todos os tipos de câncer. É importante que os médicos, os pacientes e suas famílias sejam realistas e honestos sobre as melhores opções de tratamento, especialmente quando o câncer está muito avançado. Mas uma coisa é certa: piorar a doença, o tratamento não vai.

Mito 9: Nós não fizemos nenhum progresso no combate ao câncer
Isso simplesmente não é verdade. Graças aos avanços na pesquisa e a melhora nas informações, houve uma redução da mortalidade do câncer por causas mal definidas no Brasil nos últimos anos, por exemplo.
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também divulgou números que compreendem o período entre 1987 e 2009 que revelam queda nas taxas de incidência e mortalidade de alguns tipos de câncer em todo o país. A maior redução no número de novos casos e óbitos aconteceu em Curitiba: 9,4% menos mortes, 7,9% menos casos.
Claro, ainda há muito o que se fazer. Existem alguns tipos de câncer onde o progresso tem sido muito mais lento, como o de pulmão, cérebro, pâncreas e esôfago. É por isso que estamos trabalhando duro para diagnosticá-los mais cedo, onde as chances de cura são maiores.

Mito 10: Tubarões não têm câncer
Há uma série de mitos por aí sobre o mundo marinho, mas, de longe, o pior é a noção de que os tubarões não desenvolvem câncer. Esta declaração simplesmente falsa levou ao abate de milhões de tubarões através da indústria de pílulas de cartilagem, que são vendidas para pacientes desesperados sob o pretexto absolutamente enganoso de que podem ajudar a reduzir ou curar sua doença.
O mito começou na década de 1970, quando Henry Brem e Judah Folkman da Universidade Johns Hopkins (EUA) disseram que a cartilagem de tubarão impedia o crescimento de novos vasos sanguíneos nos tecidos. Esta criação de um suprimento de sangue, chamada angiogênese, é uma das principais características de tumores malignos, já que células que se dividem rapidamente precisam de muitos nutrientes para continuar crescendo. Não é chocante, então, que a angiogênese seja um alvo comum de terapias contra o câncer.
Só que a cartilagem de tubarão não cura ou trata o câncer de qualquer forma, nem mesmo em ratos. Essa foi a conclusão de pelo menos três estudos aprovados pela Administração de Drogas e Alimentos americana, o último publicado em 2010. A ingestão de extrato de cartilagem de tubarão não teve absolutamente nenhum efeito positivo sobre cânceres que variavam em tipo e gravidade em todas as pesquisas.
E, no caso de não ter ficado claro, tubarões têm câncer sim. Casos da doença já foram registrados nos animais. Não há nem mesmo qualquer evidência para dizer que eles desenvolvem menos câncer que a gente, já que ninguém analisou sistematicamente as taxas da doença nessa população marinha. Assim, qualquer afirmação que sugira que os tubarões são resistentes ao câncer é mentirosa. [IFLS, MinhaVida, INCA]

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