terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O pequeno impacto da conferência sobre clima da ONU nos cidadãos comuns

O pequeno impacto da conferência sobre clima da ONU nos cidadãos comuns

Gosto de bater papo na rua sem compromisso, um hábito que carrego dos tempos de criança moradora de subúrbio carioca. É diferente de jogar conversa fora. Num bate-papo na esquina, com vizinhos, amigos que se encontram por acaso, nem tudo é dispensado. Às vezes surgem ideias mirabolantes que merecem, ao menos, uma gota de atenção.

Foi assim nesta quinta-feira (11) à noite, quando me deixei ficar um tempo conversando com dois vizinhos. Como eu estava presente, e eles sabem que meu foco é a sustentabilidade, a conversa girou sobre a COP-20 (reunião da ONU sobre o clima que está acontecendo em Lima), as emissões de carbono, a melhor fonte energética... Alguém sugeriu que a energia nuclear seria a melhor, mais limpa.

– É, mais quando dá defeito, causa um estrago tremendo. Além desse risco, tem o lixo nuclear. Ainda não se sabe o que fazer com ele.

– Sabe o que eu pensei? Por que eles não dão um jeito de jogar esse lixo no espaço?

– É uma ideia! Será que essas experiências espaciais todas, como a última, que conseguiu botar uma sonda num cometa em movimento, já não seriam um jeito de tentar arranjar um território extra para a Terra? Uma espécie de puxadinho... (risos). No início vão mandar o lixo nuclear para lá, depois vão começar a mandar gente mesmo, quando não couber mais ninguém aqui nesse espaço.

E assim nos despedimos. Foram pensamentos soltos, livres, sem compromisso, entre vizinhos. Mas são pessoas que acompanham as notícias e que não estão muito impressionadas com os resultados desses fóruns internacionais de negociação de regras e implementação de limites para as emissões de carbono, as COPs – conferências da ONU sobre mudanças climáticas.

Também em Lima, onde os negociadores ficaram hospedados durante duas semanas (o encontro termina nesta sexta, dia 12), a COP-20 parece estar causando pouquíssimo rebuliço entre os cidadãos comuns. De lá, uma amiga me responde à pergunta sobre a participação popular na Conferência:

“Ih, está bem lento. Poucos comentários, poucas notícias na televisão, muito pouco. Uma pena para um evento de tamanha importância e que tem tanta estrutura envolvida”.

Estive olhando os jornais locais, e o que mais chamou a atenção dos editores foi o tremendo vacilo cometido pelos ambientalistas do Greenpeace, que maculou um patrimônio cultural peruano, as Linhas de Nazca. O modelo de protesto da organização inclui sempre subir em lugares altos para pendurar suas faixas e todo mundo ver. Mas ali era proibido, e o presidente Kumi Naidoo foi a Lima e pediu desculpas pessoalmente pelo deslize.

Fora isso, o que mais me impressionou foi a declaração do secretário da Grã-Bretanha Ed Davey, nesta quinta (11), na reunião de ministros da COP-20, quando ele disse que o risco climático vai afetar o valor das participações em empresas de combustíveis fósseis. Davey falou ainda que era hora de reconhecer que as economias vão se afastar dos combustíveis fósseis se houver um acordo global para baixar as emissões de carbono e que, por isso, carvão, petróleo e gás não serão mais uma aposta financeira segura.

Sir Davey talvez não tenha se dado conta de que estava na Conferência das Partes de número 20, o que significa que há vinte anos essa conversa está girando entre os países. Seu alerta soa repetitivo e pode justificar um pouco a má vontade das pessoas com tais reuniões. Mas corrobora os dados de uma das múltiplas pesquisas e análises sobre meio ambiente que parecem brotar do chão só em época de COP. A ONG Carbon Tracker, segundo o “Valor” desta quita, fez um relatório em 2011 em que ficou claro que, se os governos realmente adotarem um acordo para baixar as emissões, o risco associado a investimentos em petróleo, carvão e gás será grande.

Por um lado, parece um disco quebrado tocando a mesma faixa várias vezes. Mas, de verdade, muita coisa já mudou desde a primeira COP, que aconteceu em Berlim, em 1995. Lá se falou pela primeira vez sobre cooperação internacional entre países ricos e países em desenvolvimento no sentido de se criar um jeito para ajudar os mais pobres a lidarem com desastres causados pelas mudanças climáticas. E aí está o Fundo Verde, que acaba de conseguir, na própria COP-20, mais US$ 230 milhões da resistente Austrália. Já há, portanto, prometidos até agora, US$ 10 bilhões dos US$ 100 bilhões que a ONU pretende arrecadar até 2020. Por enquanto, só promessas. Mas é um avanço.

O culpado
Por trás dessa iniciativa de se criar um fundo com participação de países ricos está o debate sobre quem tem a culpa nas emissões. É uma discussão que vem desde o início e está longe de ser consenso. Há quem ponha a responsabilidade integralmente sobre os ombros dos países ricos, cujas populações há muito tempo vêm se beneficiando do conforto proporcionado pelos produtos industrializados. Por outro lado, já ouvi, por exemplo, da ex-ministra da Noruega Gro Brundtland, que entrevistei quando esteve no Brasil em 2007, que os países pobres também se beneficiaram da tecnologia promovida pelos ricos. Ela é uma voz ativa que defende a participação de todos, igualmente, na luta para baixar as emissões de carbono.

Mas o debate vai continuar. Exatamente como aconteceu com a COP-15, de 2009, em Copenhague, também em Lima, na noite do último dia, surgiu um texto diferente daquele que vinha sendo meticulosamente escrito pelos negociadores há dias. Brasil, China, Índia e África do Sul convocaram uma reunião de emergência para debater a questão e, de novo, parece que estamos assistindo ao mesmo filme de seis anos atrás.

Ainda não acabou a reunião, mas pelo que li até agora nos sites, dificilmente sairá de Lima um texto-base para a negociação de um acordo global de emissões a ser assinado ano que vem em Paris, como era previsto. O mundo ainda está dividido em dois e agora o termo criado para tentar unificar essa divisão em prol de um acordo é “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Em entrevista ao “The Guardian”, jornal que cobre o evento em tempo real, a ministra do meio-ambiente da Alemanha, Barbara Hendricks, disse que ainda há muitos obstáculos no caminho até Paris (na COP-21).

“Até que ponto vamos conseguir alcançar a capacidade de vinculação legal (sobre as emissões de carbono) em Paris?”, perguntou ela.

Ninguém sabe responder. E, mais uma vez, os líderes vão ficar devendo uma negociação do clima. Ainda bem que este não é, pelo menos por enquanto, assunto que acabe em guerra – jeito que os estados têm de resolver suas diferenças. Friso: pelo menos por enquanto.

Perdoem minha reflexão pessimista, mas não sei se as próximas gerações poderão dizer o mesmo quando a água estiver, realmente, escassa em todo canto.

Mas aí, segundo meu vizinho criativo, o “puxadinho espacial” já pode ter resolvido o problema. Antevejo nos meus pensamentos soltos, aeronaves-carros-pipa trazendo água sabe-se lá de qual galáxia para a Terra. Vai custar caro, mas...





Fotos:Negociadores reunidos na COP-20. (Eduardo Carvalho/G1)Participante da COP observa mapa com a temperatura dos oceanos (UNFCCC)Representantes dos governos de Honduras e Filipinas e membros da ONG Germanwatch participam de painel na COP-20 (Eduardo Carvalho/G1)

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