domingo, 21 de dezembro de 2014

Obesidade não é apenas estar acima do peso! Em entrevista ao iSaúde Bahia a endocrinologista Dr.ª Patrícia Salles explica com detalhes o mundo da obesidade.

Obesidade não é apenas estar acima do peso!
Em entrevista ao iSaúde Bahia a endocrinologista Dr.ª Patrícia Salles explica com detalhes o mundo da obesidade.

Você pode imaginar que já sabe tudo sobre obesidade, que basta calcular o Índice de Massa Corpórea (IMC) na internet para saber se está no peso ideal e que uma dieta simples pode resolver o problema da obesidade, mas não é bem assim, a obesidade é uma doença epidêmica de causa genética, mas que pode estar associada a outras doenças. Confira a entrevista com a endocrinologista Dra. Patrícia Salles e entenda mais sobre o assunto.

iSaúde Bahia - Comente sobre as mudanças nos hábitos alimentares da humanidade com o passar dos anos e a redução progressiva de atividade física. O que esse comportamento pode gerar?

Dra. Patrícia Salles - Estamos diante da maior epidemia de uma doença de grande importância e que os governos não estão dando a devida atenção. A obesidade é uma doença genética psíquica ambiental. A genética do mundo ocidental é de 70% da população com o gene da obesidade e, no mundo oriental, em torno de 50%.

"Ou controlamos a obesidade ou não vai haver sistema de saúde que tolere as consequências dessa grande epidemia mundial."

A obesidade é uma doença crônica e hoje, em torno de 50% das mortes, há alguma associação com a obesidade.

Ou controlamos a obesidade ou não vai haver sistema de saúde que tolere as consequências dessa grande epidemia mundial.


A humanidade está evoluindo do ponto de vista estético e de saúde de maneira muito ruim. Cada vez comemos mais calorias e fazemos menos exercícios. Nossos hábitos alimentares estão errados, principalmente entre a população de baixa renda, que está tendo maior acesso à alimentação, porém de qualidade ruim. Alimentos refinados, muito ricos em açúcares e gorduras (massas,carnes gordas, frituras, vísceras etc.).

Cada vez fazemos menos exercícios físicos, as pessoas não querem mais se mexer, praticamente passam o dia ou sentadas ou deitadas.

No Brasil, somente 10 a 15% da população faz algum exercício eficaz, a maioria não faz nada ou faz mal feito.

Está se tornando raro alguém elegante após os 40 anos de idade. Os homens estão ficando cada vez mais com gordura abdominal e as mulheres com um padrão difuso (gordura generalizada) ou ginecoide (de quadril).

iSaúde Bahia - Comente sobre o aumento na prevalência e incidência da obesidade, doenças relacionadas ao excesso de peso e os tratamentos para redução da gordura corporal.

Dra. Patrícia Salles - Não tem outra explicação: as pessoas ganham peso porque herdaram a genética para engordar, têm uma alimentação inadequada e fazem cada vez menos exercícios.

É muito importante a qualidade alimentar. Um grande prato pode ter pouca caloria, assim como um pequeno prato pode ter muita caloria. É importante saber escolher os alimentos.

As pessoas muitas vezes pensam que estão comendo pouco, porém este pouco é muito, do ponto de vista calórico.

A alimentação, no processo de perda de peso, é mais importante do que o exercício, porém, na manutenção do peso, em longo prazo, a atividade física é essencial!

Como falei, obesidade é uma doença crônica! Não existe ex-obeso. Mesmo o obeso estando magro, continua com a doença, passa a ser um obeso controlado. 

Obesidade não tem cura. Temos que fazer hoje aquilo que possamos manter por toda a vida, por isso é que a única forma de vencer a obesidade é mudarmos nossos hábitos de vida, mantermos uma alimentação sadia e exercícios físicos.

Hoje, 50% das mortes têm alguma ligação com a obesidade, por exemplo, 90% dos diabéticos tipo 2 (que é uma das maiores doenças do mundo), são desencadeados por obesidade, 26% das hipertensões, no homem e, 24% nas mulheres, são causadas pela obesidade. Os 20 principais tipos de câncer (intestino, mama, pâncreas, fígado, ovários etc.) têm ligação com obesidade e 100% dos obesos, depois de certa idade, têm artrose e apresentam altíssima incidência de doenças cardiovasculares, gastrointestinais e neurológicas.

As dietas da moda funcionam bem por um curto período de tempo. Mas em longo prazo elas se mostram ineficazes. Depois de dois anos, todas se igualam e, por isso, batemos na tecla da importância de mudar hábitos de vida. Somente 10% dos obesos conseguem mudar seus hábitos de vida e vencer a doença.

Ou mantemos um padrão alimentar sadio ou vamos passar a vida toda em busca de milagres. Obesidade é uma das mais difíceis doenças na medicina, pois não tem nenhum remédio eficaz e que possa ser mantido por toda a vida. 

Em relação à medicação, temos no mercado algumas drogas que ajudam. Na grande maioria das vezes usamos um efeito colateral de uma droga, que é o de perder apetite ou estimular a saciedade, como é o caso dos antidrepressivos e anticonvulsivantes muitos usados para tratar a obesidade. Quando bem indicadas, essas drogas têm sucesso no tratamento.

iSaúde Bahia - Quais as razões da obesidade mórbida?

Dra. Patrícia Salles - Chamamos obesidade mórbida quando uma pessoa alcança o índice de massa corpórea (IMC) maior ou igual a 40. Trata-se de uma situação muito grave. Uma pergunta que se faz sempre: "por que sou gordo?". Essa resposta temos, hoje, somente para 1% dos obesos (somente em 1% dos obesos, são portadores de uma doença que cause obesidade. Ex: Doenças endócrinas como hipotireoidismo, síndrome de cushing etc., doenças genéticas como Pradder Willy etc.). Em 99% dos obesos, a doença é a própria obesidade, doença extremamente complexa, com mais de 200 a 300 genes envolvidos.

Na realidade, ainda sabemos muito pouco sobre essa grave doença. Existe uma grande base genética, hormonal, psíquica, ambiental, porém, mesmo com essa predisposição, quem engorda é porque come mais do que deve e faz pouco exercício.

Uma lei matemática: ingere muito e gasta pouco.

Existe, em torno de 16% de obesos, que têm um defeito genético complicado, são pessoas que apresentam um gasto energético muito baixo, comem pouco, porém, gastam também muito pouco. Esse tipo de obeso é extremamente difícil.

Como já falei, obesidade é uma doença genética/psíquica/ambiental. Por baixo da obesidade mórbida existem grandes problemas emocionais, a comida passa a ser uma fuga, a própria obesidade faz com que a pessoa faça menos exercícios. É um grande círculo vicioso: mais obeso, menos capacidade de exercícios. Não sabemos muito sobre os mecanismos que estão por baixo da obesidade, suas causas, de maneira geral, e é por isso que não temos ainda remédio eficaz para a sua cura. A chance de um obeso mórbido emagrecer por meios clínicos e permanecer magro por mais de dois anos é, em torno de 1%. A obesidade mórbida, hoje, é a maior indicação para cirurgia bariátrica.


iSaúde Bahia - Comente a diferença entre obesidade e sobrepeso?

Dra. Patrícia Salles - Um dos índices mais usados para classificar obesidade é o índice de massa corpórea (IMC) o qual não é totalmente seguro, pois não afasta a massa muscular e óssea, porém é muito prático.

Muitas vezes, uma pessoa muito musculosa, tem um IMC elevado e não é obeso. IMC é o Peso/(fração da Altura)². 

O normal no homem é em torno de 19 a 24Kg/m², na mulher de 18 a 24Kg/m². Menor do que 18Kg/m² são pessoas muito magras, maior ou igual a 25Kg/m² é sobrepeso, maior ou igual a 30Kg/m² - obesidade grau 1, maior ou igual a 35Kg/m² - obesidade grau 2, maior ou igual a 40Kg/m² - obesidade grau 3, maior ou igual a 60Kg/m² - super obeso.

Uma coisa importante em relação à obesidade, é termos nosso peso-alvo, que pode se basear no IMC e não deixar passar desse peso. 

É mais fácil prevenir do que tratar depois. Por exemplo, uma pessoa com o IMC de 24Kg/m², que é o máximo do normal e com 70Kg, deve fazer de tudo para não deixar passar dos 70Kg, pois perder peso depois é muito difícil.

Temos três tipos de corpo (centrípeto, difuso ou universal e ginecoide).

O centrípeto é mais comum nos homens. Toda pessoa que tem gordura na barriga, com exceção somente de grandes atletas gordos, tem gordura visceral, ou seja, a gordura é toda para dentro, envolvendo as vísceras, coração, fígado etc. Esse tipo de gordura de barriga é a que mais mata, é a mais grave, porém é mais fácil de perder e cresce à medida que comemos, porém não se multiplica e, com a perda de peso, volta ao tamanho normal, ficando mais fácil depois de manter o peso. 

O tipo de gordura mais comum nas mulheres é o tipo difuso (gordura generalizada) ou o tipo ginecoide (de bacia). Esse tipo de gordura é para fora e não envolve vísceras. Causa menos problemas de saúde até certo ponto, porém, é muito difícil de ser perdida, pois não cresce de tamanho, ela se multiplica e teremos, então, mais células de gorduras. A célula que se multiplica não morre. Mulher que tem corpo de distribuição difusa ou ginecoide não deve engordar, porque nesse caso, perder peso é extremamente difícil e essas mulheres, por problemas hormonais femininos, depois dos 40 a 45 anos, têm altíssima incidência de obesidade.

iSaúde Bahia - Comente sobre o uso dos inibidores de apetite no tratamento da obesidade? São eficazes?

Dra. Patrícia Salles - Obesidade é a doença mais difícil que existe na medicina, pois não temos remédios eficazes, que possam ser mantidos por muito tempo.

Grande parte dos remédios que usamos para tratar obesidade se baseiam em antidrepessivos e anticonvulsivantes, que são usados, na realidade, pela ação do efeito colateral do remédio, que é o de perder apetite ou estimular a saciedade.

No mercado, temos também drogas que inibem o apetite e estimulam a saciedade, drogas baseadas nas incretinas (que são usadas para tratar diabetes e têm como efeito a perda de apetite). Foram proibidas no Brasil as drogas baseadas nas anfetaminas, que provavelmente vão ser liberadas de novo. Essas drogas bloqueiam o apetite. Outra droga com algum efeito são aquelas baseadas na diminuição da absorção de gorduras, que, se indicadas de maneira correta, ajudam no processo de perda de peso. 

O importante para o paciente obeso é entender que o sucesso do tratamento medicamentoso depende de uma alimentação adequada associada a atividade física. Ele tem que querer emagrecer e não querer ser emagrecido. 

O grande problema do obeso não é a fome e sim a saciedade.

O grande segredo é "NÃO TER E NÃO VER", ou seja, não compre (encha a geladeira de frutas e verduras) e deixe a comida na cozinha, sirva seu prato lá e traga para a mesa, para não ficar vendo a comida.

Acabou de comer, escove logo os dentes ou tome um café ou chá, para trocar o gosto da boca.

Obeso que não tem força de vontade para comida, então, é melhor não ter as tentações gordurosas em casa, pois, se vejo a comida, eu vou comer.

iSaúde Bahia - Em quais casos a cirurgia bariátrica é indicada? Quais são as orientações ao paciente pré e pós cirurgia? Existe um acompanhamento multidisciplinar?

Dra. Patrícia Salles - Indicada para obesidade grau 3 ou grau 2 (quando associada a comorbidades, ou seja, a complicações da obesidade).

Não deve ser realizada em cinco situações:

1 - Paciente que não coopere com o tratamento;

2- Pacientes com doenças gastrointestinais em atividades (doenças inflamatórias etc.)

3-Pacientes com doenças em estado final (como câncer etc.);

4-Usuários de drogas ilícitas (tóxicos, alcoólatras etc.);

5-Portadores de doenças psiquiátricas. 

É hoje a cirurgia mais realizada no mundo ocidental. Somente nos EUA são realizadas em torno de 350.000 cirurgias por ano. 

O paciente tem que ter uma avaliação clínica, nutricional e psicológica completa.Tem que ter um acompanhamento clínico e nutricional por toda a vida.

Existem vários tipo de cirurgias bariátricas, porém a mais usada atualmente é a cirurgia de Capela. 

Esses pacientes apresentam, após a cirurgia, deficiências de micronutrientes (ferro, vitamina B12 e D, folatos, cálcio e outros nutrientes), que têm que ser repostos por toda vida.

Essa cirurgia pode, até certo ponto, "curar" diabetes, hipertensão e outras doenças associadas a obesidade. Sou totalmente a favor dessa cirurgia, desde quando bem indicada, pois, muitas vezes, é a única chance de algumas pessoas voltarem a viver.

A sociedade encara o obeso muitas vezes de maneira pejorativa: é gordo porque é preguiçoso, não tem força de vontade etc. 

A coisa mais importante em obesidade é fazer a profilaxia desde quando a criança nasce. Nossas crianças estão se tornando obesas. Criança obesa vai ser adulto obeso e obesidade traz grande sofrimento emocional, além de grande número de doenças.

http://www.isaudebahia.com.br/noticias/detalhe/noticia/obesidade-nao-e-apenas-estar-acima-do-peso/

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