terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Os US$ 9 bilhões dos países ricos para o Fundo Verde serão suficientes?


A estimativa em 2009, durante a Conferência do Clima em Copenhague (COP-15), era de que seriam necessários US$ 200 bilhões por ano para ajudar os países pobres a reduzir os danos causados pelas mudanças climáticas ou se adaptarem para resistirem mais. Ali foi lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a pedra fundamental do Fundo Verde para o Clima. Na última quinta-feira (20), a instituição surpreendeu o mundo com a notícia de que já recebeu promessa de contribuições de 22 países. O anúncio ocorreu durante a primeira conferência de doadores para o mecanismo, realizada em Berlim. Por enquanto, o Green Climate Fund (GCF) tem prometidos US$ 9,3 bilhões.

Mesmo sendo apenas promessas e num valor bem distante do estabelecido há seis anos, a notícia já é considerada uma vitória, sobretudo para o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, que, verdade seja dita, está incansavelmente tentando reunir os países no caminho de menos emissões de carbono. Neste domingo (23), o executivo recebeu mais um apoio, com a divulgação do relatório do Banco Mundial. O texto diz que o desastre causado pelas mudanças climáticas já pode ser considerado inevitável e sugere algumas ações, sobretudo para ajudar os países mais pobres a se adaptarem aos eventos extremos que se tornarão cada vez mais frequentes.

Dos US$ 9 bilhões prometidos no Fundo Verde para esse fim, US$ 3 bilhões já tinham sido anunciados pelo presidente Obama em Brisbane, na Austrália, na reunião do G20. Poucos dias antes, Obama já havia formalizado umacordo com a China, número um em emissões de gases de efeito estufa, para baixar suas emissões e esse anúncio, provavelmente, impulsionou a oficialização do Fundo Verde.

Segundo o jornal britânico “The Guardian”, o segundo maior doador para o Fundo foi o Japão, quinto maior emissor do mundo, que prometeu US$ 1,5 bilhão. Logo depois dele, o Reino Unido oferece US$ 1,13 bilhão. Os outros doadores são: Alemanha, França, Suécia, Itália, Suíça, Coreia do Sul, Holanda, Finlândia, Dinamarca, Espanha, México, Luxemburgo, República Checa, Nova Zelândia, Noruega, Panamá, Monaco, Indonesia e Mongolia. Quase todos já tinham anunciado uma quantia para o Fundo durante a Conferência do Clima que Ban Ki Moon realizou em setembro em Nova York. A Austrália, cujo primeiro-ministro Tony Abbott tirou a questão climática da agenda do G20, se nega a contribuir, mas justifica sua posição dizendo que já está investindo US$ 2,5 bilhões em ações domésticas contra as mudanças climáticas.

Num artigo publicado no jornal britânico, a deputada sueca Isabella Lövin, membro do Partido Verde no parlamento europeu, lembra que o dinheiro do Fundo Verde não pode ser encarado como caridade. Trata-se, na prática, de um investimento num futuro melhor para todos. Lövin afirma que a mudança climática descontrolada constitui ameaça, inclusive, à segurança nacional. Um estudo publicado no ano passado pela União Geofísica Americana mostrou que uma seca severa pode ter sido o estopim para a guerra civil na Síria, por exemplo.

“Em fevereiro deste ano, o secretário de estado John Kerry disse que as mudanças climáticas são uma arma, talvez a mais temível, de destruição em massa”, escreveu a deputada.

Politicamente, o anúncio do Fundo está sendo visto como um passo a favor de um acordo mundial de emissões ano que vem, durante a COP-21 que vai acontecer em Paris. Mas, pelos comentários no site do jornal ao artigo da deputada, dá para perceber que as doações estão longe de ser um consenso para a população que mora nos países doadores. Uma das críticas diz que esse dinheiro deve ser encarado não como um investimento, como disse a deputada Lövin, mas como uma espécie de suborno aos países pobres para calarem a boca enquanto os ricos continuariam a emitir todos os gases como sempre fizeram.

Há também quem entenda que esse Fundo, em vez de ser fundamental na dinâmica internacional das mudanças climáticas, vai surtir um efeito contrário. Obrigar os países ricos a subsidiarem os pobres pode vir a ser, numa leitura cética, o caminho mais curto para torpedear de vez as conversações, já que leva o assunto para o delicado setor das finanças, acreditam os críticos. O Brasil, como não está na classificação de “país desenvolvido”, não está sendo chamado a ajudar. Mas fico pensando se nosso governo decidisse doar algum dinheiro para o Fundo Verde, qual seria a reação das pessoas...

De fato, não dá para ser ingênuo. A frase popularizada pelo economista liberal Milton Friedman nos anos 70, “não existe almoço grátis”, é perfeita para ser aplicada aqui. A chave para o sucesso desse Fundo, que vai ter sede na Coreia do Sul, tem que ser a transparência. É preciso deixar bem claro onde vai ser aplicado o dinheiro, e como. Tem que acordar, também, a influência dos doadores na gestão desse montante. A deputada sueca está bastante otimista, acredita que o Fundo Verde vai ajudar a criar muitos empregos e um novo desenvolvimento, verdadeiramente sustentável.

Fato é que há evidências demais de que a humanidade está acelerando, em vez de controlar, as mudanças climáticas. Alguns cientistas já falam que 2015 pode ser o ano mais quente da história da Terra por causa de um fenômeno El Niño (quando as águas do Pacífico Oriental se aquecem e criam turbulências climáticas mundiais) de enormes proporções. Secas, tempestades, incêndios e ondas de calor tornam a nossa vida bem desagradável, sem falar nos danos à economia e sem mencionar as mortes que esses eventos causam.

E, como sempre, a corda vai arrebentar mesmo é, justamente, do lado dos mais pobres. No encontro em Berlim, segundo reportagem publicada pela agência Reuters, a presidente da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, Marlene Moses, que representa a República de Nauru na ONU, se queixou, dizendo que as promessas ficaram muito aquém do alvo. Há 22 países africanos na lista dos que estão mais expostos aos riscos que virão com as mudanças climáticas.

Segundo o relatório do Banco Mundial, América Latina, Oriente Médio e Europa Oriental são as regiões que serão mais afetadas. Só para se ter uma ideia do que os especialistas estão dizendo quando falam sobre danos, o estudo mostra que o rendimento dos cultivos de soja, por exemplo, podem cair de 30% a 70% no Brasil, enquanto metade das plantações de trigo na América Central e na Tunísia pode desaparecer. 

Se o dinheiro do Fundo Verde servir para ajudar os mais pobres sem que deles sejam exigidas contrapartidas que comprometam sua cultura ou regime político, muito bom. Mas tem que vir junto com um acordo e com a perspectiva de mudanças radicais. Vai ser preciso cobrar inovações nas indústrias – o setor que mais emite carbono em todo o mundo –, para tornar sua produção mais limpa, por exemplo, além de tornar o transporte público viável para todos. E, não custa lembrar: diminuir a desigualdade social pode ser ainda mais efetivo para tornar os pobres mais autônomos e menos vulneráveis aos sistemas climático e econômico.

Serão novos tempos que vão precisar de uma governança (local e global) também renovada e de uma mudança de hábitos. A governança global está se mexendo, emitindo bons sinais. O auge será se em 2015 realmente for firmado um acordo de baixas emissões. Daí a impactar os hábitos locais, os microcosmos, é outro caminho. Talvez ainda mais difícil de ser percorrido.



*Fotos: 
- Seca no rio Jacareí, em Piracaia, em SP (Nelson Almeida/AFP)
- Obama discursa na Universidade de Queensland sobre mudanças climáticas (Mandel Ngan/ AFP)
- Uma refugiada síria curda cobre o rosto durante tempestade de areia na fronteira da Síria com a Turquia, perto de Suruc (Murad Sezer/Reuters)
- Zona industrial em Kawasaki, cidade ao sul de Tóquio (Toru Hanai/Reuters)

http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/os-us-9-bilhoes-dos-paises-ricos-para-o-fundo-verde-serao-suficientes.html

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