sábado, 16 de maio de 2015

Os escândalos do padre golpista

Líder de uma das paróquias mais populares do Brasil, pe. Osvaldo é investigado por desviar cerca de R$ 2 milhões dos fieis, comprou uma cobertura duplex em condomínio de luxo, é dono de um empório e de uma pizzaria e casado com uma empresária
O encontro foi marcado para as 13h50 da quarta-feira 13. No local combinado, um senhor alto, de cabelos grisalhos e com as pontas escuras por causa da tintura antiga desce de um carro branco da marca Mitsubishi. Ele caminha até a frente do prédio, abre a porta de aço, liga as luzes e já começa a mostrar seu imóvel, à venda por R$ 2,5 milhões. O térreo é um mini-mercado com caixas registradoras, freezers e prateleiras com algumas mercadorias que haviam sobrado da época do fechamento, no final de fevereiro. A maioria produtos importados, como vinhos e frios, de muita qualidade e preços altos. Afinal, apesar de estar localizado no bairro São Lourenço, em Bertioga, a 120 km de São Paulo, o comércio fica a metros da Riviera de São Lourenço, condomínio conhecido por reunir veranistas de alto poder aquisitivo. No segundo andar, uma sala onde funcionava uma pizzaria tem 15 mesas empilhadas, balcão com as louças usadas no restaurante, cozinha equipada e uma máquina de fabricação de massa de pizza. “As vendas foram boas, mas não tive lucro. Investi muito mais dinheiro do que o valor que estou pedindo”, diz o proprietário, que desistiu do empreendimento, administrado por sua esposa, segundo ele próprio, por não levar jeito como empresário. “Penso em sair do Brasil”, diz. Aos corretores, pede que divulguem o preço do imóvel como sendo de R$ 4 milhões. O comprador se mostra interessado, mas combina de retornar em breve com uma resposta.


À PAISANA


Pe. Osvaldo Palópito atualmente, em seu mini mercado:
um homem de negócios

Esse poderia ser o início de uma transação de compra e venda de um imóvel não fosse o dono do empreendimento o padre Osvaldo Palópito, 60 anos, que ficou conhecido no início deste ano ao ser afastado da igreja de Santo Expedito, em São Paulo, uma das mais visitadas do País, por ter desviado ao menos R$ 2 milhões de sua paróquia. E o candidato a comprador a reportagem de ISTOÉ simulando interesse no negócio. O desvio milionário é o golpe conhecido, mas está longe de ser o único, uma vez que, como sacerdote, Palópito fez voto de pobreza e castidade e não poderia ter bens, nem manter relação amorosa com uma mulher. ISTOÉ descobriu que o sacerdote possui, além do empório e da pizzaria, uma cobertura duplex na Riviera de São Lourenço, anda em carros importados e leva vida de casado. Mais magro, com a barba por fazer e um pouco abatido, Palópito ainda mantém a postura simpática, a extroversão e o carisma que o tornaram um padre querido pelos devotos do santo das causas urgentes. Ele também conquistou os fiéis vendendo seus CDs – tem seis – e fazendo shows pelo País. Desde 2003 à frente da paróquia, que chega a receber 250 mil pessoas no dia do padroeiro, em 19 de abril, o sacerdote tinha funções pastoral e administrativa e lidava diretamente com dízimos e doações, fonte majoritária de renda para a manutenção da igreja. Após receber denúncias de pessoas que trabalharam com ele, a corregedoria da Polícia Militar – Palópito é capelão militar e, por isso, está submetido às regras da corporação – iniciou uma investigação em setembro de 2014 na qual identificou “indícios de desproporção entre o patrimônio do capelão e seus vencimentos”. A investigação foi finalizada com indicativo de acusação por crime de peculato, no qual um servidor público se apropria de dinheiro ou qualquer bem a que tenha acesso em razão do cargo, e encaminhada à Justiça Militar, que deverá julgar o processo. O sacerdote ingressou na corporação por meio de concurso e ocupava também o posto de tenente-coronel. Em 31 de janeiro, ele pediu sua transferência para a reserva, como se chama a aposentadoria dentro da PM. Essa manobra lhe garante que, mesmo que seja considerado culpado e perca a patente, mantenha alguns benefícios.

NEGÓCIO


Fachada do empório e pizzaria registrados em nome de Isabel


Firmino, apresentada pelo padre como sua mulher

Depois de o escândalo vir à tona neste ano, a luxuosa cobertura duplex na Riviera de São Lourenço foi colocada à venda por R$ 2,65 milhões. Em conversa com a reportagem, a corretora responsável pelo imóvel afirmou que a negociação foi fechada no início de maio pelo valor R$ 2,3 milhões “porque o proprietário estava envolvido em um escândalo e precisava do dinheiro rapidamente”. Um documento no rack da sala de estar com informações sobre retirada de equipamento da TV por assinatura confirma o nome do assinante: Osvaldo Palópito. O apartamento foi vendido com permuta por outro na Riviera no valor de R$ 1,6 milhão. O restante foi pago em dinheiro, à vista. A cobertura duplex tem 325,07m², vista para o mar e piscina. Todos os eletrodomésticos são de última geração.


O mercado está registrado no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) em nome de Isabel Cristina Firmino. Segundo moradores de São Lourenço confirmaram à reportagem, entre eles uma ex-funcionária do empório, Isabel era apresentada pelo padre como sendo sua esposa. O próprio Palópito confirmou, na quarta-feira 13, enquanto mostrava seu estabelecimento, que “dona Isabel”, nome que aparecia em cartazes pedindo organização na cozinha da pizzaria, era sua mulher. No mesmo CNPJ, o e-mail de Palópito consta no campo “endereço eletrônico”. Ainda de acordo com os moradores da região, o casal era conhecido por ostentar. Eles circulavam pelo condomínio de luxo com dois carros da marca Mitsubishi e não hesitavam em dar detalhes sobre suas compras e viagens. À reportagem, o padre chegou a afirmar que queria trocar seu automóvel por uma BMW e citou um tour feito em uma vinícola em Santiago, no Chile. Muitos moradores nem sabiam que o dono do empório e da cobertura duplex era o líder de um dos pontos de peregrinação católicos mais frequentados do Estado e tomaram conhecimento de sua vida dupla apenas quando as notícias sobre o inquérito da PM vieram à tona.


Acima, celebração do dia de Santo Expedito, em 19 de abril. Estimativa
é que capelania receba centenas de milhares de pessoas na data.
Abaixo, padre Palópito durante missa

Um dia depois do encontro com Palópito, ISTOÉ entrou em contato por telefone com ele e informou sobre o real objetivo da visita ao imóvel e sobre a publicação desta reportagem. Ao ser questionado sobre o tempo em que estava casado, já que havia dito um dia antes que “dona Isabel” era sua esposa, o capelão negou ter uma companheira. “Nunca fui casado. A gente é amigo. Ela é proprietária.” Ao final da ligação, Palópito, tranquilo, perguntou se, por causa da visita, havia de fato interesse na compra do imóvel. Mostrou-se desapontado com a resposta negativa e agradeceu o contato. Sobre o patrimônio, Paulo Ornellas, seu advogado, afirma que o cliente trabalha há 30 anos e que não tem onde gastar seus rendimentos – só se esqueceu que sacerdócio não é trabalho e que os padres têm apenas uma ajuda de custo, chamada côngrua, no valor médio de dois salários mínimos. No momento adequado, após a abertura do processo, ele irá justificar seus bens perante a Justiça, disse o advogado. “O inquérito corre em segredo de Justiça, estou esperando a tramitação para falar sobre o caso.” 
A paróquia de Santo Expedito é uma capelania militar. Por isso, Palópito responde tanto à Igreja Católica quanto à corporação. Assim, se for considerado culpado pelo crime pelo qual foi investigado, será afastado definitivamente da Polícia Militar. Segundo a secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o padre também terá de responder criminalmente. De acordo com o Ordinariado Militar, espécie de arquidiocese para as Forças Armadas e polícia, Palópito está afastado do ministério sacerdotal enquanto tramita o inquérito. Desde que o escândalo veio à tona, não houve nenhum contato entre o padre e seus superiores.


No âmbito eclesiástico, se provado o fato de Palópito ter uma companheira, a punição mais dura seria o afastamento do exercício do ministério por concubinato, como explica o padre Edson Chagas Pacondes, professor da Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo, ligada à Arquidiocese de São Paulo. “Em relação à questão financeira, a pena seria o ressarcimento”, afirma. “Já a excomunhão é um caso mais esporádico e só aplicado quando há relação com questões religiosas, como negar a própria fé.” Se pensarmos em fé como um compromisso com a caridade, a humildade e a justiça, usar as doações e o dízimo dos fieis para enriquecimento próprio não é também uma maneira de negá-la? 



ISTO ÉINDEPENDENTE

Nenhum comentário:

Postar um comentário