Introdução
Este trabalho aborda parte dos resultados da pesquisa de mestrado intitulada PCN de História na sala de aula: caminhos e descaminhos para a construção da cidadania; trabalho este que se encontra em desenvolvimento, e que consiste na análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), especificamente o de História e os Temas Transversais, além do estudo acerca do conceito de cidadania presente neste documento. Outro objetivo da pesquisa é verificar se o PCN de História influenciou na visão e na prática tanto dos educadores (professores de História, direção e coordenação) quanto dos alunos e das alunas, sobre a cidadania.
A pesquisa está sendo sido realizada numa Escola Estadual de tempo integral localizada na cidade de Marília/SP, mais especificamente no terceiro e quarto ciclo (de 5ª à 8ª séries). Em relação à metodologia tem sido utilizada uma abordagem de estudo de caso etnográfico, por considerar esta a melhor maneira de realizar uma análise profunda e ampla que leve em conta o contexto escolar.
O estudo está sendo realizado através de: pesquisa bibliográfica; análise de documentos elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), tais como, os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Lei de Diretrizes e Bases além da análise do Projeto Político Pedagógico da escola; de entrevistas com os/as professores/as, direção, coordenação e alunos/as e, ainda, observação do cotidiano escolar.
Parâmetros Curriculares Nacionais: algumas considerações
A partir da década de 1980, o Brasil passou por um processo de redemocratização o que contribuiu para que emergisse na educação novos enfoques que privilegiavam os direitos sociais, graças a um amplo debate sobre a necessidade de reformas dos currículos, que focalizavam a expansão da cidadania e o aprofundamento da democracia. Ao mesmo tempo, dessa década em diante, o Brasil passa por uma onda reformista voltada para o ajuste econômico, e que ganhou grande força no governo de Fernando Henrique Cardoso, segundo apontam Unbehaum e Viana (2004). O reflexo destas reformas faz-se presente no processo de elaboração e na nova LDB promulgada, o mesmo se observa com relação ao Plano Nacional de Educação e com os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Dentro deste contexto surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais, no intuito de estabelecer um referencial nacional para o Ensino Fundamental, cuja função seria não só garantir uma educação de qualidade, mas também “[...] orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações [...]” (BRASIL, 1997, p.13). Os PCN’s demonstrariam não só as discussões internas sobre a educação, mas também os acordos internacionais assumidos pelo país, como os que ocorreram na Conferencia Mundial de Educação para Todos em 1990, em que o país participou.
A produção dos PCN’s pelo MEC encaixa-se no conjunto de atitudes e estratégias do Estado brasileiro, que demonstram a reforma do Estado no campo educacional. Tais reformas atendiam, de um lado aos anseios não só dos movimentos sociais, como da sociedade brasileira, pela ampliação de vagas nas escolas e pela qualidade na educação no sentido da democratização da educação, mas, também, por outro lado, no sentido a atender às imposições organizacionais do capitalismo.
Segundo Jacomeli (2004), os PCN’s não só propõem um modelo curricular, como também apontam concepções de ensino e de aprendizagem baseado em um modelo que chamam de construtivismo, a partir do momento em que detecta os possíveis motivos do fracasso escolar e aponta como solução a necessidade de se buscar novas relações entre ensino e aprendizagem.
No entanto, cabe destacar que, apesar das críticas sobre os PCN’s, os mesmos são apenas referencias, ou seja, [...] são abertos e flexíveis, uma vez que, por sua natureza, exigem adaptações para a construção do currículo de uma Secretária ou de uma escola (BRASIL, 1997, p. 37), o que demonstra o respeito não só pelas características de cada escola (como público, aspectos regionais, entre tantos outros que permeiam a escola), mas também ao trabalho do (a) professor (a), ao não levar ao enrijecimento e à mera tecnização de sua função.
Nesta breve consideração sobre os PCN’s foi possível observar a importância de se contextualizar este documento, já que são “frutos de determinados momentos históricos e, por isso, expressam valores e costumes da sociedade ou, mais especificamente de um segmento social e cultural dominante” (UNBEHAUM e VIANA, 2004, p.81). Este processo histórico contribuiu para que o termo cidadania tornasse-se um termo recorrente, não só nos discursos oficiais sobre as finalidades da educação, mas também nos discursos dos professores. Estes discursos, assim como a política educacional, acabam por impor à escola a formação do cidadão, disseminam a idéia de que a escola deve contribuir para a formação de alunos críticos e conscientes do seu papel social.
Educação e cidadania
Ao abordar o conceito de cidadania, cumpre compreendê-lo como um conceito histórico, já que a cidadania modifica-se conforme o tempo e o espaço como observam Pinsky e Pinsky (2003). Ser cidadão no Brasil não é o mesmo que em outro Estado-nacional, pois direitos são adquiridos conforme a necessidade e a luta de distintos grupos sociais em distintas sociedades e tempos históricos.
Considerando o caráter histórico da cidadania, abordar-se-á a relação entre educação e a mesma, assim como os possíveis desafios. Já que não cabe pensar apenas nas possibilidades de escolarização do cidadão, mas também no risco de se negar a cidadania para os que não receberam o conhecimento institucionalizado. Como observa Arroyo (2007, p.36), a relação da educação e a sua atuação na formação de cidadãos, vem da própria concepção de educação na sociedade moderna.
A partir do momento, em que “essa interpretação tentou criar a imagem de que o convívio social girava basicamente em torno desses pólos: liberdade – escravidão, civilização – barbárie, república – absolutismo, racionalidade – irracionalidade, saber – ignorância, modernidade – tradição”.
Contudo, a questão torna-se mais complexa ao considerarmos a relação entre política e neoliberalismo e o mal-estar que se estabeleceu com esta relação. Por fim e não menos importante o que seria formar os cidadãos críticos, conscientes e independentes na sociedade atual globalizada e marcada pelo projeto neoliberal?
Ao considerarmos a economia clássica do século XVIII, percebe-se uma proposta que enfoca a construção de uma cidadania passiva, pois não interessa, naquele momento, a formação do sujeito político, mas apenas a adequação do trabalhador aos meios de produção, conforme observa Gohn (2005, p.59), neste pensamento político, “[...] somente os proprietários podiam ser cidadãos, na dimensão pedagógica desse mesmo pensamento, somente os bons podem ser cidadão”.
Para romper com esta visão educativa voltada para o emudecimento das tensões entre classes, cabe pensar na cidadania, mas não somente nela, como também no processo de formação do cidadão ativo, que consista em pensar no sujeito enquanto ser político e na sua relação com o Estado, para que a relação sociedade-estado seja vista como um “[...] campo de direitos da cidadania e oportunidades de convivência, como espaço de afirmação de uma polis (NOGUEIRA, 2002, p. 19)”.
Romper com a lógica neoliberal e constituir um ser político não é uma tarefa fácil, diante da desconstrução que a política vem sofrendo. Para observar as novas configurações presentes na sociedade, basta atentar-se para o mal-estar presente quando o assunto é política e as suas possibilidades. A este respeito, Nogueira (2002, p. 22) aponta, que “a idéia de que a política é um dado negativo e de que o Estado é a instância do não desejável encontra um fortíssimo estimulo neste pensamento [...]”.
Sendo assim, Nogueira (2002, p.28), baseando-se em Gramsci propõe pensar “numa ‘escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente [...] e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual’”, escola esta que lançaria os (as) jovens para a convivência e o desenvolvimento das atividades sociais. E que busque uma nova concepção de história que valorize os excluídos e que mostre as lutas cotidianas e as suas possibilidades.
Em países como o Brasil, em que a desigualdade não só está presente, como maltrata boa parte da população que não tem acesso ao mínimo para a sua sobrevivência, pensar o processo de constituição de cidadania consiste em pensar em novos espaços de convivência e interação, até porque pensar em construir a cidadania e o (a) cidadão(ã) apenas no âmbito educativo, é limitar a discussão de forma preconceituosa, além de conceber uma idéia de cidadania que favorece a exclusão.
Segundo Arroyo (2007, p. 38), na prática política persiste uma concepção em que liberdade, participação e cidadania, devem ser concedidas conforme o amadurecimento do homem e da mulher, que seria estabelecido pela sua escolarização, “já que as camadas populares ainda são consideradas bárbaras demais, por não estarem educadas para o uso racional da liberdade e da participação política”.
Para Arroyo (2007, p. 78), uma possibilidade de potencializar a relação entre educação e cidadania, é desvendar como se deu a sua construção social assim como seus antagonismos, além de levar a perceber os ideais da política vigente e também a sua construção no tempo histórico. Por fim, compreender a racionalidade popular e a sua atuação política, reconhecendo assim, a sua força de transformação, ou seja, “[...] o próprio processo político-pedagógico de construção da identidade popular que se dá no confronto povo-Estado. É aí que a democracia avança e se constrói”.
A relação entre educação e cidadania, não se mostra fechada e estática, mas um processo aberto e dinâmico que se constrói cotidianamente, através não só do consenso, mas também das tensões diárias, que permitem o avanço das mudanças. Neste sentido, focar o cotidiano escolar torna-se um meio riquíssimo para compreender as transgressões das ordens impostas, a readaptação das normas ou até mesmo os processos de consentimento. Diante da complexidade existente na escola, ou melhor, em seu mundo social, cabe fazer um pequeno recorte do que foi observado até o momento, na escola pesquisada.
O COTIDIANO ESCOLAR
Durante o ano de 2008, passei a ter presença constante na escola em que estou pesquisando, para que pudesse realizar a minha observação, não só das aulas de História, mas também das relações sociais entre atores educativos e alunos no intuito de desvendar a escola.
Na observação do cotidiano escolar, deparei-me com uma situação inusitada, a partir do momento em que pude observar a implementação na escola, da Nova Proposta Pedagógica do Estado de São Paulo. Contudo, este processo não se deu por predileção dos atores educativos, mas como a professora de História, me relatou a Secretária de Educação do Estado de São Paulo adotou uma nova política, que consistia numa Nova Proposta Curricular, que estava sendo imposta a escola. A professora durante a observação demonstrou por diversas vezes, preocupação com a nova política adotada pela Secretária de Educação do Estado de São Paulo a partir do momento em que os (as) professores (as) são obrigados a seguir o conteúdo determinado pela nova proposta, levando, desta forma, a um engessamento da prática do professor na sala de aula.
Ao analisar o material enviado às escolas pela Secretaria de Educação, pude perceber que em relação ao ensino de História o conteúdo segue uma estrutura linear, não sendo permitido aos professores fugirem do que é determinado, do que deve ser trabalhado durante os bimestres, o que demonstra o engessamento do currículo e da autonomia do professor e da professora.
Outra questão que venho focando na observação é a postura da escola em relação a democracia, no intuito de compreender como a escola caminha no sentido a estabelecer-se enquanto um espaço de defesa e prática da democracia. Sendo assim, observo uma questão essencial para a construção de uma escola democrática, ou seja, como a escola caminha no intuito a garantir a participação na tomada de decisões nas diversas esferas presentes na escola.
O relato aqui exposto é apenas um recorte do que venho observando até o momento, das tensões geradas na escola, que demonstram os reflexos das questões econômicas, sociais e políticas que se abatem tanto sobre os atores educativos como sobre os alunos e que influenciam não só a formação do cidadão e da cidadã, mas também nas possibilidades do ensino de História e a sua relação com os PCN’s.
Conclusão
Como a pesquisa encontra-se em desenvolvimento, o trabalho aqui se torna uma reflexão dos questionamentos, dúvidas e hipóteses que vêm surgindo ao longo desta pesquisa. Na breve análise dos PCN’s foi possível constatar as contradições presentes no seu processo de elaboração, já que este documento não só manifesta os acordos internacionais assinados pelo Brasil e que refletem a política neoliberal, como também o poder de reivindicação dos movimentos populares, o que contribuiu para o reconhecimento da diversidade e necessidades, em termos de direitos, presentes no país.
Sendo assim, torna-se riquíssimo adentrar a escola, no intuito de desvendar o seu cotidiano e ampliar o entendimento de algumas questões, como a participação da comunidade na escola, o processo de implantação da Nova Proposta Curricular no Estado de São Paulo, como também contribuíram para novos caminhos a serem tomados, ao lançar um olhar sobre a Nova Proposta Curricular, a partir do momento em que os PCN’s foram colocados de lado para que a escola seguisse a Nova Proposta Pedagógica que tem contribuído para a tecnização do professor e para um retrocesso da escola, no que concerne a uma escola democrática e cidadã.
Rodrigo Biagini Costa
Tânia Suely A. Marcelino Brabo
Referenciais bibliográficos
ARROYO, Miguel G. Educação e exclusão da cidadania. In: BUFFA, Ester; ARROYO, MIGUEL G.; NOSELLA, Paolo. Educação e cidadania: quem educa o cidadão?. 13ª ed. São Paulo, Cortez, 2007. BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e Educação. 6ª ed. revista – São Paulo; Cortez, 2005. JACOMELI, Mara Regina Martins. Dos estudos sociais aos temas transversais: uma abordagem histórica dos fundamentos teóricos das políticas educacionais brasileiras (1971-2000). Campinas/ SP, 2004. Tese. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas/ Unicamp/ SP, 2004. NOGUEIRA, Marco Aurélio. Administrar e dirigir: algumas questões sobre a escola educação e a cidadania. In: MACHADO, L. M; FERREIRA, Naura S. C. Política e gestão da educação: dois olhares. Rio de Janeiro: DP&, 2002. (p. 17 – 32). PINSKY, Carla Bassanezzi; PINSKY, Jaime (org). História da cidadania. São Paulo: Contexto,2003.
Fonte: www.faac.unesp.br
Cidadania
EDUCAÇÃO, POLÍTICA, CIDADANIA, GESTÃO: A CONSTRUÇÃO DE NOVOS OLHARES SABORES E SABERES
TEMÁTICA: POLÍTICAS E GESTÃO EDUCACIONAL
RESUMO
A globalização exige reestruturação na articulação das formas de produção e do trabalho para que as empresas possam se integrar na competitividade do mercado mundial, dessa forma, a aprendizagem é o resultado de um processo de construção do conhecimento por um sujeito ativo, autor que elabora e testa suas hipóteses juntamente com o professor, que media esse processo.
Nessa escola o importante é desenvolver, com qualidade e competência, o conhecimento que leve a pensar.
A participação na gestão da escola se dá de forma variada, a adoção de um estilo participativo de gestão da escola constitui uma forma concreta de contribuir para o desenvolvimento da democracia na escola e na sociedade.
Associados à idéia de democracia institucional na escola estão temas como descentralização, autonomia, participação, gestão democrática e cidadania.
Cidadania também é um processo de luta, conquistas e perdas. Exercer cidadania não é uma dádiva, é conquista, é ser íntegro, não se deixar corromper. É o exercício dos direitos e deveres. Muitas vezes, falhas são detectadas na condução da educação para a cidadania, quando se deixa de desenvolver e valorizar na criança a sensibilidade de ver o mundo, a alegria de ter amigos e a capacidade de doação, que são pré-requisitos para a formação do ser consciente e participativo numa sociedade.
A escola tem que ser consciente de seus métodos, técnicas e integrar pessoas, que além de estarem comprometidas com a educação, se permitam a ousar, experimentar, investigar, criar... construir e mediar.
Cabe à educação um comprometimento de sua ação, investindo nas forças construtivas de que faz da educação uma mediação para a cidadania. É preciso construir uma humanidade renovada, num procedimento contínuo de superação da inércia, de valorização do ser humano e de desmascaramento das imposições sócio-culturais adotadas sem reflexão da sua prática.
A educação é um constante desafio!
O mundo contemporâneo apresenta mudanças que afetam todos os setores da sociedade, inclusive a educação.
Atualmente passamos pela chamada Terceira Revolução Industrial, a revolução da microeletrônica e da informática. Nela, o mundo se sustenta na criação, processamento e transmissão da informação. A globalização exige reestruturação na articulação das formas de produção e do trabalho para que as empresas possam se integrar na competitividade do mercado mundial.
Dessa forma, a aprendizagem é o resultado de um processo de construção do conhecimento por um sujeito ativo, autor que elabora e testa suas hipóteses juntamente com o professor, que media esse processo, onde se observam categorias como "transformação, compromisso social, conscientização, totalidade, crítica social". (DAUSTER, 1996, p. 79). Nessa escola o importante é desenvolver, com qualidade e competência, o conhecimento que leve a pensar.
O professor lança aos alunos um "olhar relativizador, buscando entendêlos na positividade de seu universo cultural e não restrito a indicadores de sua privação. Os efeitos epistemológicos deste olhar conduzem a uma visão contextualizada do fenômeno educativo, a uma valorização da diversidade e da heterogeneidade cultural e a questionamentos sobre posturas etnocêntricas que contrariam a pedagogia". (DAUSTER, 1996, p. 82).
A participação na gestão da escola pode dar-se numa gama variada de possibilidades, quer no grau de integração dos grupos envolvidos quer no grau de participação de cada um destes grupos. Pais e professores podem possuir o poder de co-gestão, mas aos alunos pode ser concedido apenas o poder de consulta. A adoção de um estilo participativo de gestão da escola constitui uma forma concreta de contribuir para o desenvolvimento da democracia na escola e na sociedade. Um aprofundamento desta última temática, dos obstáculos para sua implementação e dos benefícios de sua adoção será feito a seguir.
A gestão democratizada sente a necessidade da presença do líder, do mediador, articulador das relações inter-subjetivas, das vontades e dos conflitos. Os agentes devem ser cidadãos plenos para que possam romper as amarras da servidão à manipulação e participarem nos processos de tomada de decisão.
Associados à idéia de democracia institucional na escola estão temas como descentralização, autonomia, participação, gestão democrática e cidadania.
Atualmente muito se fala em cidadania que nas palavras de Marshall (1967, p. 76)
“(...) a cidadania é um ‘status’ concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o ‘status’ são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao ‘status’. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas, as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida. A insistência em seguir o caminho assim determinado equivale a uma insistência por medida efetiva de igualdade, um enriquecimento da matéria-prima do ‘status’ e um aumento no número daqueles a quem é conferido o ‘status’. A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de idéias, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos”.
Cidadania também é um processo de luta, conquistas e perdas. Exercer cidadania não é uma dádiva, é conquista, é ser íntegro, não se deixar corromper. É o exercício dos direitos e deveres. Muitas vezes, falhas são detectadas na condução da educação para a cidadania, quando se deixa de desenvolver e valorizar na criança a sensibilidade de ver o mundo, a alegria de ter amigos e a capacidade de doação, que são pré-requisitos para a formação do ser consciente e participativo numa sociedade.
Não se pode perder a oportunidade de interagir, pois, a todo momento, se percebem alunos perdidos no seu papel de criança e pessoa. Alunos, que são frutos de uma geração que experimentou a repressão da sociedade e familiar.
Etimologicamente, cidadania vem de “cidade”. Cidade vem de civitas, para os antigos romanos, significando a sociedade política. A cidadania é a ação pela qual alguém se torna civil, habitante de uma cidade, e passa a fazer parte de uma civilização. No início da civilização grega, o conceito de cidadania ligava-se intimamente ao de cidade. As cidades gregas formavam uma organização de pessoas “cidadãos”, unidos por uma mesma história em torno do culto ao deus específico de cada localidade. (MACHADO, 1998, p. 1-3)
Pais que abrem os caminhos de seus filhos sem lhes dar as devidas direções, sem encontrar a medida certa entre o "sim" e o "não". A escola fica sobrecarregada, pois está sempre precisando rever com seus alunos conceitos que antes eram fundamentais na família e que hoje deixaram de ser valorizados.
Esses cidadãos mirins precisam experimentar o gosto da ética e cidadania, da autoridade sem autoritarismo, pois, a criança, como ser em formação, ainda não possui determinados conhecimentos e capacidades que a habilite a gerir sozinha sua vida.
A escola tem que ser consciente de seus métodos, técnicas e integrar pessoas, que além de estarem comprometidas com a educação, se permitam a ousar, experimentar, investigar, criar... construir e mediar.
Cabe à educação um comprometimento de sua ação, investindo nas forças construtivas de que faz da educação uma mediação para a cidadania. É preciso construir uma humanidade renovada, em um procedimento contínuo de superação da inércia, de valorização do ser humano e de desmascaramento das imposições sócio-culturais adotadas sem reflexão da sua prática.
A educação é um constante desafio. Formar a cidadania é vencer esse grande desafio. O aluno experimenta no ambiente escolar, como primeiro grupo social após a família, o contato consigo e com o meio social. Formar cidadão é formar um ser humano responsável por seus atos, é formar um aluno, um colaborador, um chefe, um pai, um ser humano consciente de seus direitos, mas, disposto a cumprir seu papel dentro da sociedade do século XXI.
A tarefa educacional é árdua, mas, é fundamental dentro da vida em sociedade. Se a escola formar cidadãos, significa ter cumprido o seu papel. A presença da escola só se justifica se for uma das formas de construção de mediações em busca de condições de trabalho, da sociabilidade e da cultura simbólica.
Cidadão deriva de civis, palavra latina de dois gêneros que designa os habitantes das cidades, porém não qualquer habitante, mas somente aqueles que tiveram direitos, os que participavam das atividades políticas. Civitas, civitatis referia-se à condição de cidadão. Similarmente, a palavra político advém da palavra grega pólis, que também significava cidade. Na Grécia antiga os habitantes das cidades dividiam-se em políticos e idiotas; os primeiros participavam da vida da pólis e os segundos não, sendo que o sentido de idiota, na época, traduzia o oposto da palavra político. (MACHADO, 1998, p. 1-3)
O respeito ao aluno deve ser a tônica, eles não são cobaias metodológicas, e sim, agentes de mudanças. Levar o aluno a olhar o mundo de forma questionadora é o grande desafio da educação. A escola precisa de professores acordados para viver o 3º milênio.
Para tanto é preciso vencer desafios, ousar mais, pois vivemos momentos de profundas mudanças. É preciso estar atentos a esses novos tempos atualizar teorias, propor novas práticas, e para isto, faz-se necessária à atuação do educador historicamente situado, consciente de seu papel capaz de gerar formas de intervenção e transformação da realidade educacional.
É preciso que cada professor lute pelo resgate de seu papel social, descobrindo o que o faz ser diferente e mostrando para a sociedade, que a educação sempre foi mola mestra para o desenvolvimento de um país.
Faz-se necessária a profissionalização continuada do professor, pois isso envolve compreender a flexibilidade, a informação, a desburocratização, a interdisciplinariedade, a valorização simbólica das formas passageiras, a competitividade que numa perspectiva crítica, histórica, concebe-se em três dimensões, a qualidade formal, a qualidade política e a qualidade cultural.
“Mudar é difícil, mas é possível”, Freire, (2000, p. 102), de acordo com as palavras do mesmo autor:
Daí então, que nossa presença no mundo, implicando escolha e decisão, não seja uma presença neutra. A capacidade de observar, de comparar, de avaliar para, decidindo, escolher, com o que, intervindo na vida da cidade, exercendo nossa cidadania, se exige então como uma competência fundamental. Se a minha não é presença neutra na história, devo assumir criticamente quanto possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto de mundo, devo usar toda a possibilidade que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para participar de práticas com ela coerentes. (...) E é na condição de seres transformadores que percebemos que nossa possibilidade de nos adaptar não esgota em nós o nosso estar no mundo. É porque podemos transformar o mundo que estamos com ele e com os outros. (2000, p. 33)
Escola e professor se misturam e formam um conjunto de pessoas envolvidas no processo social e que estão a favor da construção da cidadania com valores determinantes.
As estratégias individuais e coletivas de construção de uma identidade social estão estreitamente ligadas a estratégias residenciais, pois se concretizam na participação ativa na vida política e associativa local. É aí que a escola adquire uma importância fundamental na formação dos indivíduos. Na articulação de cada escola pública com a realidade local está presente toda essa rede de relações — com as diretrizes nacionais, com as orientações de cunho estadual ou municipal e, sobretudo, com as políticas de atendimento, que revelam até que ponto se prioriza o ensino fundamental, no país e no local.
Ao discutir as responsabilidades e fronteiras da escola, a destacam como transmissora de um patrimônio cultural, considerando especialmente que, na sociedade moderna, a família nuclear não instala uma cultura comum de um grupo de adultos, mas ao contrário, acaba por supervalorizar a infância.
Observam-se duas tarefas contraditórias da escola: preservar a continuidade da sociedade — e, portanto, das hierarquias e estratificações sociais —, e garantir a igualdade de todos no acesso à cultura e aos saberes sociais, correndo o risco de ameaçar assim a própria estabilidade social para cuja preservação ela pretende contribuir.
Assim concebida — com a dupla missão de coesão social e de garantia do acesso de todos, ao saber valorizado pela sociedade —, a escola torna-se um potencial portador de mudanças. Os indivíduos se constroem no social, mas aí se constroem no curso de sua história, como sujeitos singulares. O meio constitui o universo de significações a partir das quais o sujeito constituirá seu mundo. Sem dúvida, a escola desempenha um papel importante na construção dessa teia de significações. A escola é, como aponta Rodriguez (1995, p.37), o primeiro espaço de atuação pública da criança. Segundo a autora, é a primeira instituição da sociedade em que a criança atua autonomamente como ser individual e social. Durante a vida escolar, a criança forma suas primeiras idéias acerca da sociedade à qual pertence. Assim, como espaço para a formação para a vida das novas gerações, a escola é, por excelência, o espaço de construção de significados sobre o mundo à sua volta.
Com o fenômeno da industrialização, a qualificação da força do trabalho visava à produção na qual o trabalhador executava tarefas, sem refletir sobre as mesmas. Nesse contexto, a educação visava treinar indivíduos que fossem moldados a fim de corresponder a tais demandas.
Os sistemas educacionais organizam-se de acordo com as definições de ciência. Conforme o paradigma mecanicista, "entende-se por ciência (conhecimento) atividade humana que descreve e explica os diferentes campos da realidade, cuidando de descobrir as leis que ordenam o mundo, o que implica numa atitude contemplativa, tendo como objetivo fundamental à construção de teorias". (AGUERRONDO, 1996, p. 72).
A aprendizagem se opera através do processo estímulo-resposta, com um sujeito passivo, visto como uma “tabula rasa”, domesticado, que recebe grande quantidade de informação, através do saber pronto e definitivo, transmitido pelo professor.
Neste modelo de educação as relações consistem em oposições entre o educador e o educando:
"o educador sabe, os educandos não sabem; o educador pensa, o educando é pensado; o educador tem a palavra, o educando tem a escuta; o educador opta, prescreve, programa, disserta, em suma, é sujeito da ação, enquanto o educando é subordinado, submetido e objeto, em relação ao ato educacional". (DAUSTER, 1996, p. 76).
Já o conceito de escola democrática, formadora de cidadãos atuantes na sociedade, é estabelecido no contexto da década de 1980 onde as políticas públicas educacionais estão voltadas para a questão da universalização, com eqüidade da escola pública.
Essa “nova escola” procura constituir-se pela construção da sua autonomia e democracia. Isso "requer a reconstrução dos paradigmas de gestão para além da cidadania positivista, fundada na concepção iluminista que estabelece a relação linear sujeito-objeto". (BORDIGNON, 1997. p. 17).
A gestão democratizada sente a necessidade da presença do líder, do mediador, articulador das relações intersubjetivas, das vontades e dos conflitos. Os agentes devem ser cidadãos plenos para que possam romper as amarras da servidão à manipulação e participarem nos processos de tomada de decisão.
Antes das rotinas administrativas são definidos os rumos, traçados os objetivos, estabelecidas as diretrizes estratégicas numa construção coletiva, estruturada na competência técnica e nas responsabilidades.
Nessa administração não há produção em série, mas respeito ao sujeito único que constrói singularmente seu conhecimento. Dessa forma não há lugar para a medição e classificação. O processo de percepção da realidade, da construção do saber deve constituir-se em um espaço aberto para a fundamentação da democracia, logo a cidadania plena.
O homem interpreta o mundo e interage com a realidade física e social em que está inserido a partir de valores, representações e padrões de relação culturalmente assimilados.
A educação não mais pode ser vista como a mera transmissão de conhecimentos e valores, como a padronização de comportamentos ou disciplina externa. A escola não mais é concebida como uma máquina de reprodução de valores e padrões de relação. É, sobretudo, um laboratório de gestão educacional e de ensino aprendizagem onde conhecimentos, valores e relações são constantemente reconstruídos, um processo de transformação para acompanhar um mundo globalizado em constante mudança.
A educação brasileira tem um grande desafio pela frente: o de se transformar num pólo irradiador de cidadania e de vivência social democrática.
A escola de hoje forma os cidadãos de amanhã. Não querendo dizer que as crianças não são cidadãs, mas que elas serão os condutores sociais do amanhã.
A democracia, como ela é entendida hoje, pressupõe a participação de todos. Estamos retirando, mais uma vez, da democracia grega, as lições através das quais estamos reconstruindo nossa própria democracia.
Na democracia grega, o cidadão, assim como hoje, votava para escolher os políticos e dirigentes. Mas sua participação não se encerrava aí. Ele votava também, diretamente, nas questões relevantes relacionadas a polis. Os gregos tinham entranhado em sua civilização a cultura da participação. Não basta eleger os políticos e esperar que eles, apenas pelo fato de terem sido eleitos, façam alguma coisa por nós.
A cultura da participação pressupõe cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. Pessoas imbuídas de espírito crítico e solidário, participantes, questionadoras, trabalhadoras, prontas para se manifestarem contra qualquer ato autoritário, prontas para ajudar a seu semelhante, preparadas para colaborar com a construção de um mundo melhor para todos.
Estes têm que conviver respeitando seu semelhante para poderem ser respeitados. Trata-se de promover a igualdade na diferença. O ideal de antropológico, dentre outros. A escola está inserida em uma sociedade e este fato não pode ser desconsiderado.
Todas as mudanças refletem no cotidiano da escola, onde a mudança de paradigma em educação passa pelo que se entende por educação e conhecimento.
Na era do conhecimento, a pedagogia tornou-se a ciência mais importante porque ela objetiva promover a aprendizagem. A era do conhecimento é também a era da sociedade aprendente: todos tornam-se aprendizes e diante de aparentes chegadas é sempre necessário retornar a caminhada. (GADOTTI, 2000, P. 45).
STEIDEL, Rejane
VICENTINE, Claudia
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fonte: www.pucpr.br
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