Giane é tetraplégica e luta pela vida incansavelmente, como poucos na história
Foto: Rodrigo Philipps / Agencia RBS
Leandro S. Junges
Giane Samara Serpa vai fazer 18 anos em julho e está presa a uma cama de UTI desde os quatro. Ela mora na UTI Neonatal do Hospital Jaraguá há mais de 13 anos. Saiu de lá só duas vezes, rapidamente. Lá vai ficar para o resto da vida. Pode morrer hoje, amanhã, ou em 20 anos. Como qualquer um de nós. A diferença é que Giane estátetraplégica e luta pela vida incansavelmente, como poucos na história.
São raros os casos de tetraplegia provocada por trauma na coluna cervical em que a vida não se consome logo nos primeiros dias, semanas, meses após o acidente. O caso mais conhecido no mundo é o do ator Christopher Reeve, que interpretou o personagem Super-homem no cinema e viveu por nove anos lutando pela volta dos movimentos do corpo.
A semelhança do trauma sofrido pela jovem de Jaraguá do Sul e o drama do ator norte-americano é uma das primeiras explicações a que o pai dela, Moacir Serpa, e o médico pediatra Osmar César Cruz, recorrem ao tentar explicar o que mantém Giane presa à UTI.
Tudo começou num descuido infantil. A menina brincava na frente de casa com uma amiguinha, em fevereiro de 2002, no bairro Lenzi, em Jaraguá. Em um segundo de desatenção, acabou atropelada ao atravessar a rua. Quebrou as duas pernas e sofreu uma lesão grave em duas vértebras cervicais, que os médicos chamam de C1 e C2, as primeiras da cabeça em direção às costas.
Qualquer pai sabe que um trauma na coluna, por mais simples que seja, pode afetar uma vértebra e, consequentemente, causar lesões na medula espinhal. Gravíssimo só de pensar. Quanto mais alta a lesão, mais graves são os danos. Tentando deixar de lado os termos técnicos, o pediatra Osmar Cruz explica que, se uma fratura cervical já é grave, o que dizer de um trauma assim em uma criança de quatro anos.
A coluna cervical tem a função de estruturar e distribuir os impulsos nervosos que promovem a percepção, o reconhecimento e a realização das necessidades básicas do ser humano, da vontade, dos desejos, e até de movimentos involuntários, como respirar.
E é aí que está a principal explicação para que Giane tenha que morar no hospital. Sem aparelhos ligados 24 horas por dia, a adolescente morreria sem ar, em instantes. O diafragma de Giane não faz o movimento básico de expandir e comprimir os pulmões. Sem esse movimento não há como respirar.
Já existem aparelhos respiradores portáteis, como o que era usado pelo ator Christopher Reeve. Numa cadeira de rodas, ele mantinha uma parafernália de equipamentos que lhe permitiam não apenas respirar, mas se movimentar de um lado para o outro e obter, por meio de computadores, diagnósticos imediatos de sua condição de saúde. Um equipamento parecido custa quase meio milhão de reais.
O mais próximo disso, aqui no Brasil, seria levar uma UTI móvel dentro de uma ambulância, para onde o paciente for. Ou instalar todos os equipamentos espaço e transformar um quarto de casa numa UTI, por exemplo.
Com o inconveniente de não ter os cuidados profissionais que tem um hospital de verdade. Em resumo: não é uma decisão fácil para um pai manter a filha morando no hospital, longe do convívio da família.
— A gente não tem escolha. É o melhor para ela, para a saúde e o bem-estar dela — diz o pai, Moacir Serpa, que é instrumentador cirúrgico e, numa coincidência do destino, teve de ajudar os médicos que fizeram os primeiros atendimentos e as cirurgias de emergência no corpo da menina, há 13 anos.
Hoje, mesmo com tanta limitação, Giane é tratada como qualquer adolescente pela equipe hospital, pelos familiares e por alguns amigos que a visitam. Uma "adolescente às vezes rebelde", brinca o pai, lembrando o temperamento e as preferências da jovem. O dia-a-dia no hospital é cercado de cuidados. Giane assiste a programas de televisão e a DVDs de desenho animado.
Como o acidente afetou também o desenvolvimento da fala, a menina usa poucas expressões para se comunicar. "Ééé", "hunhun" e "papai" são algumas das mais usadas. O carinho e a dedicação da família, especialmente do pai, que trabalha no hospital, fazem toda a diferença.
Uma dos momentos preferidos de Giane é fazer dupla com o pai. Moacir deixou um violão perto do cama e quando começa a cantar ela esvazia os pulmões cantarolando junto. O olhar da menina brilha e ela se derrete em beijos estalados.
Não é possível saber tudo o que se passa pela cabeça da menina que cresceu e vai virar uma adulta morando na UTI do Hospital Jaraguá. Mas há uma certeza entre os que a conhecem e convivem com ela: mesmo sem movimentos, Giane é um exemplo de luta pela vida.
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