Evitar o uso excessivo de analgésicos é principal desafio dos pesquisadores
Um dia estressante, uma noite maldormida, um conflito na família e lá está ela. A dor de cabeça aparece para muita gente e talvez seja impossível encontrar alguém que não tenha convivido com esse problema em algum momento da vida. Pudera: de acordo com estudos da Sociedade Internacional de Cefaleia e da Sociedade Brasileira de Cefaleia, existem mais de 200 tipos de dor de cabeça identificados.
Entre todos eles, um dos mais comuns e também mais conhecidos é a enxaqueca. Apesar de frequentemente confundida com outras cefaleias, ela tem características bem específicas: a dor ocorre de um lado só da cabeça, tem intensidade moderada a intensa, normalmente é pulsante, dura entre quatro e 72 horas e costuma ser acompanhada de outros sintomas como náusea, vômito, tontura, sensibilidade à luz e ao barulho.
Encontrar tratamentos para evitar as crises de enxaqueca e o uso excessivo de analgésicos entre as pessoas que sofrem com a doença é um dos grandes desafios da área médica e um dos temas do 29º Congresso Brasileiro de Cefaleia, que termina neste sábado em Curitiba, no Paraná. Para quem convive com o problema, uma boa notícia: as novidades apresentadas são animadoras.
A enxaqueca afeta cerca de 15% da população brasileira, o que significa que pelo menos 20 milhões de pessoas convivem com essa dor incapacitante. Entre as mulheres, o problema é ainda maior: a prevalência chega a cerca de 25% no Brasil, um número até três vezes maior do que o dos homens.
Um dos erros mais comuns de quem sofre com a enxaqueca é a automedicação. O uso excessivo de analgésicos provoca um aumento na frequência e na intensidade da dor, agravando a situação. Portanto, quem toma mais de dois comprimidos por semana precisa ficar atento.
— Funciona como um processo de dependência em que seu organismo vai pedir cada vez mais, e a forma que o corpo encontra de pedir analgésico é com a dor. Quanto mais você toma, mais vai precisar e mais dor você vai ter. Isso dificulta muito, exigindo o uso de doses mais altas e drogas mais fortes — alerta o neurologista Murilo Schaefer, membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia, da Sociedade Internacional de Cefaleia e da Associação Americana para Estudos da Dor de Cabeça.
A busca da ciência por tratamentos que possam diminuir o consumo de analgésicos tem encontrado bons resultados. Alternativas como a neuroestimulação e o uso da toxina botulínica são formas eficientes e cada vez mais comuns de ajudar quem sofre com as dores. Conheça algumas delas:
Neuroestimulação
Uma das mais promissoras novidades no combate à enxaqueca são os tratamentos à base de neuroestimulação. Trata-se de uma técnica que estimula diversos nervos cranianos por meio de aparelhos, tornando o paciente mais resistente às crises.
Desde março deste ano, está disponível no Brasil um dos aparelhos mais acessíveis para aplicar a neuroestimulação. É uma espécie de tiara, usada na parte frontal da cabeça.
– Ela faz a estimulação de um ramo do nervo trigêmeo, que é acionado na crise da enxaqueca. É um tratamento que pode ser usado tanto para evitar as dores quanto nos momentos de crise – explica a neurologista Liselotte Menke Barea, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e coordenadora do ambulatório de dor de cabeça da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Como forma preventiva, o uso do aparelho deve ser diário, com sessões de cerca de 20 minutos. Os efeitos são sentidos cerca de um ou dois meses depois. Seu uso só deve ser feito com acompanhamento médico.
– A neuroestimulação tem boa indicação principalmente para os pacientes com enxaqueca crônica e que fazem uso excessivo de medicamentos analgésicos – complementa Liselotte.
Novo medicamento
Depois de cerca de 10 anos sem descobertas importantes para o tratamento preventivo da enxaqueca, as pesquisas sobre um novo medicamento têm animado a comunidade médica. Em fase adiantada de estudos, a droga é aplicada por meio de injeções e inibe a ação do CGRP, um peptídeo liberado durante a crise de enxaqueca.
— A droga é um anticorpo que age contra os receptores do CGRP prevenindo as dores. Os primeiros estudos tiveram um bom resultado e, agora, devem começar pesquisas com um número maior de pacientes para testar a segurança e a eficácia, além de estabelecer com mais clareza os efeitos colaterais — afirma Marcelo Ciciarelli, doutor em neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
Três medicamentos com a mesma ação estão sendo estudados, mas ainda não há uma previsão oficial de quando eles estarão disponíveis no mercado. Ciciarelli acredita que o processo deve levar de três a cinco anos para ser concluído.
Toxina botulínica
Conhecida por seu uso estético, a toxina botulínica é uma importante aliada no tratamento da enxaqueca. Indicada para pessoas que sofrem com dores crônicas, em crises que surgem mais de 15 ou 20 vezes por mês, a toxina evita o uso excessivo de medicamentos orais e analgésicos.
— Ela atua inibindo a atuação de substâncias responsáveis pelo processo inflamatório das artérias que causa a dor. A aplicação é feita em 31 pontos da cabeça e da nuca, cercando a dor como se fosse uma coroa — explica o neurologista Marcelo Ciciarelli.
De acordo com o neurologista Murilo Schaefer, o tratamento com a toxina botulínica costuma trazer bons resultados. As aplicações são realizadas em média a cada três meses, por um período que varia para cada paciente.
Estilo de vida e prevenção
A incidência da enxaqueca é determinada pela genética, mas manter um estilo de vida saudável pode ajudar a diminuir as crises. Fazer atividades físicas aeróbicas regularmente, dormir bem, tomar bastante água, alimentar-se a cada três horas e evitar o estresse são atitudes que trazem grandes benefícios.
Alguns alimentos como o vinho tinto, os queijos curados e os embutidos são conhecidos por desencadear a dor de cabeça, mas os especialistas alertam que nada pode ser levado ao pé da letra.
— Isso é muito relativo. Muita gente tem enxaqueca e consome esses alimentos sem problema algum. Em geral, os gatilhos são múltiplos. A crise provavelmente vai aparecer no dia em que a pessoa que já é predisposta trabalhou mais, ficou mais cansada, dormiu menos e se estressou — pondera a neurologista Liselotte Barea.
Fonte: DIÁRIO CATARINENSE
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