Manuela* acabara de completar 9 anos quando os seios começaram a surgir. Na época, ela adorava pique-corrente e as aulas de circo, brincava o tempo todo e ainda dormia com seu ursinho. Com jeito de moleca, mostrava pouco ou nenhum interesse por meninos. Os pelos das axilas apareceram na mesma idade, assim como os do púbis. Aos 10 anos, já usava sutiã, peça que comprou junto com um grupo de amigas da escola que também viviam a mesma situação. Com 11 anos, ela menstruou.
Pode parecer pouca idade, mas esse é o padrão de amadurecimento sexual das meninas. O desenvolvimento da puberdade feminina varia dos 8 aos 13 anos e se define pelo aparecimento dos seios. “Normalmente, na menina o primeiro sinal da puberdade é a chamada telarca, o aparecimento das mamas”, diz a Dra. Flávia Conceição, que atua no Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e é professora de Endocrinologia na UFRJ.
Embora não haja pesquisa específica no Brasil, em 1997 um estudo americano em grande escala mostrou que no decorrer dos séculos a média de idade da primeira menstruação caiu gradualmente dos 17 para os 12 anos. Um estudo feito em 2009 na Dinamarca concluiu que as meninas na Europa também chegam mais cedo à puberdade. Há pesquisas que defendem a antecipação da puberdade dos meninos, mas de forma menos drástica.
Renato* entrou na puberdade antes dos amigos. Com 8 anos já tinha pelos debaixo dos braços e no púbis. Aos 10, a voz havia engrossado e ele já estava com jeito de adolescente. Exames feitos por endocrinologistas constataram que aos 9 ele tinha idade óssea de 8 anos e, aos 10, a idade óssea tinha pulado para 13 anos, quando sua altura era de apenas 1,44 m. A idade óssea corresponde à maturação dos ossos, dando uma boa noção do potencial que o paciente ainda tem para crescer, e não acompanha necessariamente a idade cronológica.
A Dra. Thereza Selma Soares, endocrinologista pediátrica do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip-PE) da Universidade Federal de Pernambuco, prescreveu injeções mensais para retardar o processo de puberdade de Renato e garantir o crescimento normal na adolescência. Hoje o garoto tem 13 anos e mede 1,57 m. A médica calcula que ele alcançará a altura final superior a 1,70 m.
Pais, médicos e a imprensa já cogitaram teorias para explicar por que as meninas, especificamente, estão amadurecendo mais cedo. Para cada menino, existem de 8 a 10 meninas com puberdade precoce. Serão os hormônios das carnes que comemos, os produtos químicos que mimetizam hormônios no organismo – como o bisfenol A, ou BFA –, a tendência crescente à obesidade infantil ou a sexualização precoce das crianças pelos meios de comunicação?
Na verdade, todas as hipóteses são possíveis, mas não há comprovação científíca de que alguma delas seja a causa real. “O estrógeno no frango poderia estimular o desenvolvimento das mamas nas crianças, ou seja, um aspecto isolado, periférico, sem influência nas demais características da puberdade”, explica o Dr. Durval Damiami, chefe da Endocrinologia Pediátrica do Instituto da Criança no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). “Existem relatos de casos de comunidades expostas a produtos químicos nas quais houve registro de puberdade precoce. Chamamos essas substâncias de endocrinedisruptors (interferentes endócrinos)”, diz ele.
As crianças estão constantemente expostas a estrógenos ambientais e a produtos químicos, encontrados em inseticidas (especialmente o DDT), maquiagem, loções e plásticos de canudinhos e mamadeira, que desorganizam o sistema endócrino. Hoje alguns rótulos de mamadeira à venda no Brasil trazem a informação “sem bisfenol”. Pesquisas mostram que estas substâncias químicas ativam os receptores de produção de estrógeno, o que pode provocar o desenvolvimento de mamas e o início da puberdade em meninas.
“Hoje existem muitos estudos sobre a influência desses agentes, mas não podemos afirmar que são o fator responsável. Mais de 90% dos casos de puberdade precoce nas meninas não têm causa identificada”, afirma o Dr. Durval. “É difícil dosar se a exposição ambiental está, de fato, induzindo à puberdade precoce das crianças. Depende do tempo de ação e da quantidade de interferente endócrino ao qual a criança foi exposta. É necessário levantar dados epidemiológicos sobre as comunidades afetadas e o grau de exposição para relacionar causa e efeito. A grande dificuldade é mensurar os efeitos.”
O vínculo entre causa e efeito fica ainda mais indistinto quando se trata do impacto da sexualidade escancarada que se vê em revistas, filmes e na televisão. Alguns pesquisadores defendem que as crianças têm sido constantemente expostas a estímulos sexuais e, de algum modo, isso pode levar o cérebro a desbloquear a puberdade, que passa a ocorrer mais cedo.
“Há uma adultificação das meninas. Muitas começam cedo demais a usar maquiagem, batom”, observa o Dr. Durval. “O estímulo visual e erógeno poderia atuar no sistema nervoso central e desencadear a puberdade precoce, mas isso não foi provado cientificamente, são apenas ideias.”
Uma das maiores preocupações dos pais é a tendência crescente de obesidade infantil e o papel que isso pode ter no início da puberdade. Algumas meninas gordas entram na puberdade mais cedo, porque o excesso de células adiposas provoca a liberação do hormônio leptina, que afeta o amadurecimento. “No entanto, as meninas obesas podem ter depósitos de gordura nas mamas sem tecido mamário e, neste caso, não se trata de puberdade. O desenvolvimento de tecido mamário independe de gordura, e a obesidade é apenas um dos vários fatores que contribuem para a antecipação da puberdade”, explica o Dr. Durval, que ressalta: “a maioria das meninas com puberdade precoce é magra”.
A boa notícia é que os pais podem relaxar. A razão mais aceita para a largada antecipada rumo à idade adulta é a melhora da nutrição, da higiene e das condições socioeconômicas. “A qualidade de vida melhorou. Temos indicadores de nutrição e crescimento mais adequados hoje. As meninas são mais altas e mais pesadas”, afirma a Dra. Thereza. Segundo ela, as meninas precisam, no mínimo, de 17% de massa de gordura no corpo para menstruar.
Na verdade, o início precoce da puberdade em meninas era considerado sinal de progresso, assim como o aumento de altura. Segundo o Dr. Durval, não é raro ver pais empolgados com o desenvolvimento antecipado dos filhos. “Mas uma menina com 9 anos e 1,25 m que já entrou na puberdade corre o risco de ser uma adulta baixa. É preciso verificar se a idade óssea está avançada para a idade cronológica”, explica ele. “A queda na idade da puberdade resultou em muitos estudos para se detectar as causas. Nos últimos dez anos, há mais pesquisas sobre a influência de questões ambientais no processo de puberdade.”
Embora não sejam claras as consequências para a saúde e ainda faltem pesquisas específicas, alguns estudos vinculam a puberdade precoce ao aumento do risco de comportamentos autodestrutivos, como uso de álcool e drogas, experiência sexual antecipada e depressão. “Muitas meninas ficam com corpo de mulher. Não acontece sistematicamente, mas tenho pacientes nesta fase com humor depressivo e comportamento bipolar encaminhados por psicólogos”, revela a Dra. Thereza.
Quando Manuela começou a desenvolver os seios, a mãe não se preocupou. “Ela ainda era muito infantil,tinha vergonha de usar sutiã e brincava com bonecas. Melhor assim”, recorda a mãe, que entrou na puberdade na mesma idade e aderiu aos produtos or
gânicos, sem hormônios, acreditando que a tática evitou que a menstruação da filha chegasse aos 10. “Eu me senti como Manuela. Tinha vergonha e resistência à ideia. Ela não gosta de chamar a atenção, sempre foi discreta.”
“Quando veio a menstruação achei muito cedo, não queria virar mocinha. Não queria ter cólica e parar de crescer”, conta Manuela, hoje com 15 anos.
Quanto a Renato, agora com 13 anos, o fato de ser o primeiro dos amigos a entrar na puberdade não o afetou muito. “Não fiquei envergonhado”, recorda ele. “Eu me senti poderoso.”
Puberdade precoce
Quando a criança chega à puberdade antes da idade normal, dizemos que há “puberdade precoce”. Em meninas, isso é definido como desenvolvimento dos seios antes dos 8 anos. Nos meninos, são sinais de puberdade antes dos 9.
Em 80% dos casos, a puberdade precoce em meninas não tem causas subjacentes graves. Ainda assim, a criança deve ser examinada para eliminar qualquer problema, como recomenda a Dra. Flávia Conceição, do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ.
“Dependendo da idade, podemos suprimir a puberdade com injeções mensais de hormônio via intramuscular”, explica ela. “Os hormônios sexuais são responsáveis pelo fechamento da cartilagem do crescimento. Por isso, após a puberdade, a criança para de crescer. Uma das razões do tratamento da puberdade precoce é garantir uma estatura final adequada.”
Em meninos, é ainda mais importante a avaliação da puberdade precoce, pois é menos comum e mais associada a problemas orgânicos. “Em até 50% dos casos pode ser causada por um tumor cerebral. Tumores nos testículos podem provocar puberdade precoce periférica, sem ativação do sistema nervoso central”, revela a Dra. Flávia. “Nestes casos, é sempre melhor procurar a causa do problema e, se for diagnosticado um tumor, tratá-lo o quanto antes.”
Aprenda a se adaptar
Qual a melhor maneira de ajudar a sua adaptação e a do seu filho? “Na puberdade, o corpo sofre uma grande modificação em um curto período de tempo. A menina ou o menino, muitas vezes, não se sente mais confortável em ocupar o lugar da criança. Muitos desafios podem marcar esse momento. A criança pode sentir inquietação e angústia”, diz a Dra. Cristiana Carneiro, coordenadora do Nipiac (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e a Adolescência Contemporânea) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Na puberdade, acontece uma mudança hormonal. Como a criança vai lidar com isso? O corpo está amadurecendo, mas o desenvolvimento não é linear. Cada um responderá de forma particular, de acordo com sua história, de acordo com a estrutura da família”, diz Cristiana. Segundo a psicanalista, os pais devem dar espaço e prestar atenção.
“É muito importante os pais estarem atentos, o que não deve ser confundido com vigilância extremada. Desenvolver uma relação de confiança é o principal. Acreditar que seu filho pode seguir sem você, ao mesmo tempo não se ausentando, estando disponível para quando precisar. Alguns pais pensam que os filhos cresceram e adotam uma postura de abandono, como se eles pudessem se virar sozinhos e pronto.”
Essa postura de atenção e presença ajudará a criança a enfrentar as mudanças corporais. E os pais devem ter em mente que puberdade e interesse sexual não caminham necessariamente juntos. Nem haverá uma súbita atração por meninos ou meninas.
“É importante a criança não ter acesso a um discurso único. O discurso do grupo de amigos e o discurso da mídia não terão tanto peso se a criança tiver acesso ao discurso dos pais e da escola. Os pais não podem se omitir”, diz a Dra. Cristiana. “Escutar, orientar e acolher são atitudes que aumentam a segurança da criança”, explica.
FONTE
www.superinteressante.com/
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