O Sonho da Liberdade
O que Significa a Liberdade para cada um de Nós?
Na orientação correta, disciplina, atenção e afeto, tudo isso já está incluído
Para quem nasce em um cativeiro com muitas janelas, liberdade significa apenas ser capaz, eventualmente, de trocar de janela.
Para nós, indivíduos sociais, de todas as nações, aprender significa ser capaz de reproduzir, gestos, vocábulos, conceitos, comportamentos. Na escola nos ensinam o significado das letras, depois para que servem no nosso dia a dia, como se pronunciam, como formam as frases que, nos livros de leitura, mais tarde, precisamos interpretar.
Há também a adequação às normas, aos costumes não aceitos e aceitos, e a tudo isso chamamos de educação, e faz parte do nosso processo cognitivo. Assim, um indivíduo que conhece e pratica as normas é considerado educado, disciplinado, formalmente enquadrado, moralmente adequado. Sobre os motivos pelos quais se deve praticar as normas, as crianças quase nunca são informadas.
Como ainda não possuem personalidade, logo, esse conjunto de normas e conceitos que são inseridos em seus cérebros, como diretrizes, protocolos, gabaritos de conduta. E tudo isso irá se transformar em comportamentos. Está criada sua identidade individual. Então, ela, a criança, pode afirmar: “agora eu sou alguém”.
Disciplina quer dizer, seguir à risca o que foi estabelecido como regra. Acrescenta-se à essa base a experiência de vida, e aos poucos, o indivíduo, ganha em definitivo uma personalidade, que o representará como gente no meio onde vive. Terá um nome, funções a exercer, um posicionamento mental, ideais e ideias, acreditará que é único em suas conclusões e preferências, e acreditará que é original e inteiramente livre para decidir o que deve fazer da sua vida.
Terá consigo o ideal de que o mundo seria melhor, se psicologicamente, fosse igual a ele. Terá um conjunto de crenças, manias, desejos que julga serem coisas absolutamente necessárias e indispensáveis ao seu viver. Acreditará que um dia se realizará como pessoa, tudo isso, se conseguir conquistar cada item, que a sociedade decretou, como requisitos, prerrogativas, imprescindíveis para sua felicidade e plenitude existencial.
E existem as obrigações. Afinal de contas, como uma entidade atuante, e com uma função, qualquer que seja, dentro do meio onde está inserido, se vê, como singular em importância, como merecedor de todas as prendas, que, de acordo com suas crenças, sejam capazes de lhe proporcionar algum tipo de satisfação pessoal. Pode ser uma viagem mágica, a degustação de uma iguaria exótica, um relacionamento amoroso dos contos de fadas, o reconhecimento público do seu valor, como profissional, como qualquer outra coisa.
Felicidade que se Compra é Felicidade que se Desgasta
Descobrir se existe algum significado para o viver torna-se a cada dia coisa sem valor
Não percebe o quanto está comprometido em conquistar, a qualquer custo, o ideal de felicidade que lhe prescreve o meio social, onde quer que viva. Há objetivos bem definidos que precisa cumprir. Deve se destacar em sua profissão, em suas relações pessoais, como multiplicador de costumes rotulados como edificantes, como defensor dos tabus e crenças, coisas com as quais têm empatia, que regem seu comportamento, suas emoções, todo seu modo de pensar, sentir e agir.
Condicionado por tudo isso, acredita agora que é importante, que é merecedor de alguma coisa mais, embora não saiba claramente qual é essa coisa. Por isso espera que outros lhe digam do que se trata. Limitado pela individualidade, não consegue enxergar no outro ao seu lado, que são iguais, em conflitos, em aflições, em desejos, etc. Ao contrário, aprendeu desde cedo, que seu semelhante é também seu concorrente, alguém que, de alguma forma, está em permanente estado de competição, com ele.
Ele aprendeu isso, desde os primeiros passos, na escola, em casa, em sua crença religiosa exclusiva, em todos os lugares onde foi capaz de por os pés, olhos e ouvidos. Precisa chegar primeiro, aprender mais rápido, obter mais reconhecimento público, e como obstáculo para todas suas conquistas, os demais indivíduos à sua volta, o são.
Aprendeu assim, ensinará isso aos seus herdeiros, e embora infeliz e com medo do fim iminente, não tem coragem de refletir, e questionar, porque não pode ser livre para pensar, para caminhar, para errar, para sentir. Livre de dogmas, sem a esmagadora influência dos condutores, autoridades, que acabaram por direcionar e atrofiar quase todas suas emoções. E embora não saiba do que se trata, fala em liberdade. E vê na aposentadoria por tempo de serviço, esse ideal, que também faz parte da mesma cartilha que o domesticou, que o doutrinou, que o criou como personagem.
Não percebe que o tempo, que usa para estudar, trabalhar, conseguir alcançar seus objetivos, lhe toma toda a vida. Não há espaço para mais nada. Logo uma conquista é substituída por outra, e outra, a assim passa todo seu viver ocupado, sonhando com o dia onde terá longas horas de absoluta ociosidade, onde finalmente poderá sentar-se confortavelmente, à frente de sua televisão, e deixar-se levar pela fantasia alheia. Mas, não é exatamente isso que já faz, nas lacunas e intervalos do escasso tempo livre, quando retorna do trabalho, da escola, do lazer, ou simplesmente quando se julga ocioso?
Não há espaços para questionamentos, todas as horas dos seus dias estão repletas de atividades, de compromissos, de diversão, de objetivos que precisam a todo custo serem alcançados. Sua vida se torna mecânica, um ritual diário, regido pelos dias da semana, pelo relógio. O meio lhe diz o que fazer, porque deve fazer, quando o deve. Enquanto isso, no fundo, ainda não sabe que o tempo perdido não poderá jamais ser recuperado. Não consegue enxergar esse fato, pois está ocupado demais na ânsia de atingir as metas que julga necessárias à sua felicidade, e liberdade existencial.
A Liberdade que é Comprada Precisa ser Paga para Sempre
Somos condicionados a aceitar que das autoridades regentes virão todas as soluções para nossos problemas
Assim, é conduzido por um ideal, tendo toda sua vida regida por protocolos estabelecidos pela tradição, que assegura ser tudo isso coisa necessária, onde há a obrigação de trabalhar sem parar, enquanto força tiver, de manter-se ocupado durante toda sua juventude, até que suas forças declinem. Agrilhoado por tudo isso, como poderá enxergar o óbvio, de que, ao se aposentar, não será mais jovem, não mais terá a mesma disposição de antes, de que o tempo lhe será o bem mais precioso, e que agora, infelizmente, este já não o possui, como antes?
Não terá mais tempo, e agora vem o fato mais dramático: não se sente mais motivado, nem tem a força que na juventude usou para conquistar sua independência, ou suposta liberdade. Perceberá que ainda não é livre, nunca o foi, jamais o será. Sua fisiologia mudou, suas forças físicas e mentais declinaram, sua motivação não é mais a mesma, será agora cativo de si mesmo, de suas limitações. Sonhará com um mundo melhor, não porque não viveu bons momentos, mas, porque continua pensando em liberdade, a mesma liberdade que um dia a sociedade prometeu, que teria, caso trabalhasse com afinco, até o esgotamento de suas forças.
A angústia até que poderá esconder dos outros, mas jamais de si mesmo. Saberá com clareza que não é feliz, não o pode ser, pois muita coisa que a “cartilha” estabelecia como necessária para se conquistar tal atributo ou prenda, se perdeu pelo caminho. Publicamente, por uma questão de fidelidade com seu Ego, que teima em sentir-se importante, destacado, superior aos demais, jamais admitirá que não teve uma vida plena de felizes experiências. E dirá que está pronto para ir-se, seja para onde seu imaginário, carregado de ilusões, o conduza. Poderá admitir-se realizado, tendo atingido o ponto mais alto de sua plenitude existencial. É, no entanto, incapaz de perceber, que as ilusões restantes, sinalizam claramente que ainda é infeliz.
Sendo esse o possível roteiro existencial de todos nós, resta-nos questionarmos o porquê deve ser sempre assim, geração após geração, como uma carga genética indelével, uma maldição impossível de ser quebrada, que se herda dos antecessores.
Como podemos ser livres, se a simples menção de um objetivo, a realização de um desejo, a simples busca por uma permanente satisfação, ainda são nossos cativeiros? Há espaço para manobras, quando se nasce com tudo já programado, metas, pensamentos, crenças, emoções, tudo organizado e homologado pela tradição dos meios onde vivermos?
Enfim, de que serve ser bem sucedido no fim da vida, quando ainda esperam-se dias melhores num idealizado paraíso? Eis, objetivamente, o nosso corrente sonho de felicidade, e suposta liberdade. Vale refletir sobre o assunto.
FONTE:
Notas sobre a Autora:
[1] Anne Marie Lucille - Franco-brasileira, pesquisadora na área da Psicopedagogia.
É também Antropóloga e Mestra em Psicologia.
Mais artigos da autora em: http://www.sitededicas.com.br