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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A busca dos portugueses por especiarias no século XVI.

Aventuras na História
No século 16, os portugueses buscaram e conquistaram as terras que alimentavam a Europa com especiarias
Fábio Marton | 13/06/2012 19h25

Em 10 de agosto de 1511, em uma península no meio do oceano Índico, a mais de 20 mil quilômetros de sua terra natal, marinheiros portugueses prenderam um junco chinês no meio de uma ponte. De lá, atiravam para as duas margens. Eram 1,2 mil, contra 20 mil nativos. E os defensores locais não eram como os que espanhóis e portugueses enfrentavam nas Américas: estavam armados de canhões e mosquetes - e contavam com elefantes de guerra.
A ponte cruzava o rio que divide a cidade de Malaca, na atual Malásia, um sultanato muçulmano comandado por Mahmud Shah (1488-1528). A cidade, um dos portos mais ricos da Ásia, recebia navios persas, árabes, chineses e japoneses. Por ali passava o comércio vindo das chamadas Ilhas das Especiarias (veja na pág. 56), que chegava ao Oriente Médio e de lá rumava para a Europa pelas mãos dos venezianos, os rivais comerciais da emergente potência portuguesa.


O ato era uma dupla vingança. Dois anos antes, os portugueses haviam tentado estabelecer relações comerciais com o sultão por meio de uma expedição saída da Índia sob o comando de Diogo Lopes de Sequeira. O sultão tentou assassiná-los, mas eles descobriram o plano e fugiram a tempo. A outra vingança era parte de uma grande estratégia contra os muçulmanos em geral, uma antipatia que remontava ao tempo da Reconquista Ibérica, no século 14. "Os portugueses vinham com a ideia de uma cruzada, acabar com o poder muçulmano não só ali c omo também na Indonésia -, afirma Geraldo Affonso Muzzi, ex-embaixador brasileiro na Malásia, autor de Os Portugueses na Malásia. "A mentalidade hispano-portuguesa era a mesma. Era, de certa forma, uma vingança.




Mapa holandês das Ilhas das Especiarias do começo do século 17: riqueza e cobiça
A má recepção malaia não era fruto apenas de diferenças religiosas. Ela dizia respeito à fama dos portugueses: com frequência, seus pedidos por contatos comerciais terminavam em desastre. Calicute, na Índia, foi contatada por Vasco da Gama em 1498. Em 1500, a esquadra de Pedro Álvares Cabral estacionou por lá como o destino final de sua viagem, que, de passagem, descobriu o Brasil.


Alegando privilégio comercial pelos acordos firmados com Vasco da Gama, Cabral tomou um navio dos comerciantes árabes, que responderam com uma revolta da população, massacrando 70 portugueses, inclusive o autor da Carta do Descobrimento do Brasil, Pero Vaz de Caminha. Cabral respondeu com um bombardeio de 24 horas, matando 600 pessoas e arruinando a cidade, ao que se seguiu uma guerra que ainda continuava quando os 1,2 mil portugueses atiravam do meio do rio naquele 11 de agosto. Outras cidades, como Mascate (Omã, 1507), Ormuz (Irã, 1507) e Goa (Índia, 1510), tiveram destino diferente. Não houve nem tentativa de diplomacia. Caíram pelo pesado braço armado da marinha portuguesa, a frota do "leão do mar - Alfonso de Albuquerque.


Era Albuquerque quem estava no meio do rio, em sua nau Frol de la Mar, com mais 17 navios. A reação dos malaios foi mandar os elefantes de guerra. Os portugueses usaram lanças para repeli-los, atingindo-os nos olhos. Os elefantes, desesperados, voltaram em estouro na direção do próprio exército, causando o caos. Os portugueses asseguraram sua posição na ponte e passariam as duas semanas seguintes estacionados lá, trocando fogo dos canhões de seus navios com os 2 mil canhões malaios nas margens do rio.


"Uma das chaves do sucesso da implantação portuguesa na Ásia foi a superioridade militar, verificável nos domínios da construção naval, das táticas de guerra marítima, qualidade da artilharia e até do recurso a armaduras pessoais -, diz a historiadora Alexandra Pelúcia, da Universidade de Lisboa. Os malaios tinham mais canhões e mosquetes, mas eram armas ultrapassadas, algumas atirando projéteis de pedra, obsoletos na Europa havia 200 anos.


Acreditando na derrota, os comerciantes de Malaca - que eram, compreensivelmente, a classe mais influente do lugar - começaram a pressionar o sultão a render-se. O soberano resistiu, mas as tropas, desmoralizadas e desorganizadas, ofereceram pouca resistência quando os portugueses partiram da ponte para os dois lados da cidade, em 24 de agosto. O sultão fugiu e a corte continuou no exílio, juntando aliados para ataques periódicos (e frustrados) aos portugueses pelo século que se seguiu.


Malaca foi saqueada. Ouro, especiarias e até um elefante branco foram embarcados para a Europa. O elefante, chamado Hanno, foi dado de presente ao papa Leão 10 em sua posse, em 1514 - o papa e os italianos adoraram o presente, mas o bicho só viveu dois anos. O saque de Malaca não foi total. A coroa portuguesa tinha planos para a cidade, e esses planos dependiam de ela não estar em ruínas. O primeiro ato dos portugueses foi construir um forte, cujo portão ainda hoje é atração turística. A seguir, enviaram uma missão diplomática ao reino de Sião (na atual Tailândia), com o que conseguiram iniciar seu projeto mais ambicioso: Sião deu aos portugueses as coordenadas e a permissão para aportarem nas Ilhas das Especiarias. Com manobras diplomáticas e militares, conquistaram ou transformaram em vassalos Ternate, Maçácar e Timor - a última permaneceu como colônia até a independência, em 2002.


As ilhas, conhecidas como "das especiarias" tanto por portugueses quanto por chineses, são o arquipélago das Molucas, situadas na atual Indonésia, a cerca de 1 000 km a leste da península malaia. Eram a única fonte mundial de noz-moscada e cravo, as especiarias mais caras entre todas.


Meio quilo de noz-moscada era capaz de comprar 7 bois na Europa. Os cravos valiam mais ou menos seu peso em ouro. Com o controle de Mascate, Ormuz, Goa, Malaca e das Ilhas das Especiarias, os portugueses esperavam dominar todo o comércio no oceano Índico, mas o plano começou a fazer água pouco depois da conquista de Malaca. O sultanato era protegido da dinastia Ming, da China. E os chineses responderam com hostilidade - mais ainda por causa de relatos de portugueses atuando como piratas ou sequestrando crianças chinesas para torná-las escravas em Malaca. Missões diplomáticas e caravanas comerciais portuguesas foram aprisionadas, torturadas e mortas. Em 1521 e 1522, nas batalhas de Tamão, juncos chineses botaram para correr as caravelas portuguesas, que haviam estabelecido um forte na região (hoje Tuen Mun, em Hong Kong). Os capturados foram usados como reféns, exigindo a reinstalação do sultão Mahmud Shah. Diante da recusa portuguesa, foram esquartejados.


Na Europa, outras más notícias: em 1522, a expedição do português Fernão de Magalhães voltou ao continente, após dar a volta ao mundo, passando pelas Ilhas das Especiarias. Magalhães, um veterano da conquista de Malaca que caiu em desgraça com os nobres portugueses, estava a serviço dos espanhóis. Sua expedição foi um desastre. Apenas 18 dos 237 homens que saíram chegaram vivos à Espanha, baixas que incluíam o próprio Magalhães, morto em combate em 27 de abril de 1521, nas Filipinas. Mas os espanhóis perceberam uma oportunidade: o Tratado de Tordesilhas (1494), pelo qual Espanha e Portugal dividiram o mundo entre si, tinha um defeito grave: não levava em conta que o mundo é redondo.


Os espanhóis clamaram para si as Molucas. Se o mundo fosse dividido em dois hemisférios a partir da linha de Tordesilhas, as ilhas estariam à leste da área portuguesa. No mesmo ano de 1522, os espanhóis instalaram um forte em Tidore. Os portugueses enviaram forças contra eles e tomaram Tidore no ano seguinte. Seguiu-se uma década de conflitos, só resolvidos no Tratado de Saragoça, de 1529, que entregou as Filipinas aos espanhóis e as Molucas à Lisboa.


Portugal conquistaria a paz com os chineses na década de 1540, ajudando-os a vencer piratas japoneses na região, o que resultou na cessão de Macau em 1557. A paz foi bem-vinda, mas as guerras e os embargos fizeram seu estrago: os árabes passaram a usar outras rotas, evitando Malaca, para levar especiarias aos parceiros venezianos. Os produtos da China, como seda e canela, ficavam vedados aos portugueses.


O plano do monopólio foi um fracasso. E o grande ardor militar português acabaria enterrado no deserto do Saara, em 1578, com o desaparecimento do rei dom Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir, que levou o país a perder sua independência para a Espanha entre 1580 e 1640. Em 1641, as combalidas forças portuguesas perderam Malaca para tropas combinadas de holandeses e do sultanato de Johor, da Malásia. Em 1824, a região passaria para os ingleses por meio de um acordo - e conquistaria sua independência, com o resto da Malásia, em 1946.

Resta uma curiosa colônia na Malásia, em um bairro português que mantém seu orgulho étnico na cidade. Os malaio-portugueses (que também têm holandeses e ingleses na mistura) são católicos, falam entre si um estranho dialeto chamado kristang, tocam músicas parecidas com o fado e sua cozinha inclui porco, proibido aos muçulmanos, o grupo dominante no país. Os malaio-portugueses já sobreviveram como pescadores pobres, mas hoje estão integrados à economia emergente do país: o CEO da Air Asia, maior companhia aérea da Malásia, chama-se Anthony Francis Fernandes.

O que eram as especiarias?


Especiarias são temperos secos, que podiam ser transportados de navio ou caravana por meses sem perder o sabor. Algumas eram conhecidas desde a Antiguidade, através de rotas comerciais que ligavam Egito, Grécia e Roma aos impérios da Índia e China. Com a queda do Império Romano, os europeus tiveram que se conformar com as ervas locais. Além da culinária e perfumaria, as especiarias eram usadas na medicina - durante a epidemia de peste bubônica (1340-1400), médicos acreditavam que uma máscara com flores, perfumes e especiarias tornaria o usuário imune à doença. A partir do século 8, as conquistas islâmicas na península Ibérica e também na Sicília reintroduziram as especiarias na Europa. Quando Jerusalém foi capturada na 1ª Cruzada (1099), nobres europeus de países do norte, que lutavam nos exércitos cristãos, acabaram tomando contato com os temperos, bem conhecidos no mundo islâmico. A partir de então, rotas comerciais começaram a suprir a Europa - mercadores asiáticos levavam as especiarias de navio, da Índia, até suas terras, pelo mar Vermelho, ou por terra, em caravanas cruzando o centro da Ásia até o mar Negro. Mercadores venezianos e genoveses compravam as especiarias em portos árabes, gregos ou turcos e as distribuíam pela Europa. Em 1453, Constantinopla foi capturada pelos turcos do Império Otomano, que continuaram a se expandir ao sul, tomando terras árabes, e tornando-se, assim, um intermediário monopolista para as rotas. Os turcos cobravam impostos exorbitantes sobre as especiarias, levando seu preço às alturas. Isso incentivou portugueses e espanhóis a buscar uma rota alternativa para o Oriente.

Pimenta-do-reino

Especiaria conhecida desde os tempos greco-romanos, perdeu importância com a descoberta da pimenta americana (Capsicum annuum), com a qual não tem parentesco
Nome científico Piper nigrum
Região Índia
Canela
Conhecida desde o Egito antigo e citada na Bíblia, era a especiaria mais comum e barata
Nomes científicos Cinnamomum zeylanicun, Cinnamomum aromaticus
Região Sri Lanka (zeylanicum), China (aromaticus)

Cravo
Extremamente valorizado, o cravo era usado em temperos, incensos, perfumes e até para o tratamento da dor de dente (para o que, de fato, funciona).

Nome científico Syzygium aromaticum
Região Molucas
Noz-moscada
A noz-moscada é a semente de uma fruta parecida com o pêssego. Duas especiarias derivam dela: a noz em si e o macis, tempero vermelho da casca da noz.
Nome científico Myristica fragrans
Região Molucas
Saiba mais
Livro
Os Portugueses na Malásia, Geraldo Affonso Muzzi, Edições Vercial, 2002


FONTE
REVISTA SADOL
FOTOS ILUSTRATIVAS


FONTE
www.superinteressante.com/
FOTOS ILUSTRATIVAS

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