Autor: Alberto Grimm [1]
Só Existe um tipo de Mudança, a Radical, as outras são maquiagens...
Para mudar não basta ter vontade, é preciso querer, e depois agir...
Todos já haviam notado sua mudança de comportamento. Na escola o falatório era geral. A professora não se conteve e perguntou se havia algum problema.
"Não", ele respondeu sem se abalar, “é que andei pensando sobre o mundo, vi que a inconsistência das coisas é uma realidade. Resolvi então questionar os valores de cada uma delas, inclusive o modo como vivemos. Então decidi, por conta própria, a partir desse momento, mudar. Aliás, estou tomando banho todos os dias...”
Nossa. Todos escutaram sem acreditar no que acabavam de ouvir. Ele tomava banho todos os dias, e sua pele ainda estava novinha em folha, não havia descascado nadinha. Mas, e as verdades por trás das tradições? No entanto, ainda havia a possibilidade dele estar mentindo. Se não estivesse, uma tradição milenar acabava de cair por terra. E alguns se levantaram dos seus lugares, e foram lá conferir, passando os dedos sobre seus braços. E depois erguiam as mãos, em busca de um ângulo de luz mais adequado, para ver melhor se nenhuma casquinha de pele ficara em seus dedos.
Se ele estava dizendo a verdade, então era um fenômeno, pois pelo que se sabia, banho diário arrancava a pele. Era um caso que merecia uma explicação, um exame mais cuidadoso, coisa da ciência, pois para tudo deve haver uma explicação. De repente ele até podia ser uma anomalia da espécie.
E como ele falou difícil, aquilo que dissera, mais parecia assunto da aula de filosofia. A professora nem se fala. Beliscou a si mesma para certificar-se de que estava consciente, sóbria, acordada, de que aquilo não era um dos seus delírios, como aquele que a acometera, no dia em que seus sobrinhos misturaram bolinhas de naftalina, com o açúcar da casa. Com pressa procurou uma cadeira para sentar-se, ao perceber que estava tendo uma vertigem. Afinal não era para menos. Aquela sua reação não era nenhum exagero, pois estava simplesmente diante do pior aluno da sua classe, aquele que na semana passada, sequer sabia ler...
Lembrou do dia em que a mãe dele chegou na escola para justificar a semana que faltara.
"Ele comeu alguma coisa estragada. Disse que estava tudo numa sacola que encontrou na rua. Na sacola tinha um desenho de uma caveira preta, com dois ossos cruzados em forma de X. Ele pensou que era comida de metaleiro, e comeu, mas era comida envenenada...”
Além de analfabeto, era completamente burro. De longe o maior que já conhecera. Mas agora, de repente, como que surgindo do nada, como cantiga de grilo que nunca se sabe de onde vem, lá estava ele, falando bonito e difícil, e se comportando de um modo estranho. Mas o pior de tudo era seu cheiro, esse insuportável. Uma de suas colegas de classe, filha de um rico comerciante local, logo determinou consigo mesma, que aquele seria o próximo alvo a ser conquistado.
Chamou para junto de si, formando uma roda íntima, as amigas que conseguia controlar graças aos generosos presentes, que eventualmente trazia para cada uma delas. E numa espécie de imersão criativa, abriram a reunião para definir o melhor, o plano infalível, para conquistar, aquele que em poucos instantes, deixara de ser um indivíduo desprezível, para se tornar, o maior símbolo sexual da história daquela escola.
A professora não sabia o que fazer, pois a aula estava apenas começando, e sua cabeça estava completamente vazia. Lá dentro não havia nenhuma ideia, e nenhum argumento, nenhuma opção de reação de qualquer tipo, estava disponível. Até parecia a sensação que tivera, quando seus sobrinhos chegaram em casa com um bilhete da mega-sena acumulada há dois anos, dizendo que estava premiado, e que ela era a única ganhadora. Ainda lembrava do cheiro do amoníaco que lhe esfregaram no nariz, ao despertar no hospital, completamente desorientada, sem saber onde estava, sem saber quem era, sem saber sequer que sabia de alguma coisa, com seus sobrinhos ao seu lado dizendo:
"Desculpa tia, a gente não sabia que a brincadeira tinha sido tão pesada...”
A sensação que sentia agora, era a mesma. Lembrou então de um remédio especial, que sempre carregava na bolsa. Era um pequeno frasco, de um composto orgânico, a última palavra em recondicionador físico, bastava dar uma cheirada e pronto.
Depois de recomposta, sentenciou:
"Seu progresso é espantoso fulano. Admiro sua postura, e acho que a partir desse momento, tem muito para nos ensinar. Pelo menos comigo, depois que eu acordar amanhã, e tiver constatado que tudo isso realmente aconteceu, nunca mais serei a mesma. Só não posso concordar com uma coisa nisso tudo. É esse seu cheiro de sândalo, e essa sua mania de tomar banho todos os dias. Isso é um conceito novo, e como tudo que é novo, merece uma reflexão mais aprofundada. Mas, por enquanto, te digo, se não fosse essa essência fabricada com a lama concentrada do Tietê[2], que sempre trago comigo para cheirar nos momentos de emergência, não sei não. No entanto, acho que nós, as Baratas, ainda temos muito que aprender com a vida. Sinto que estamos entrando numa nova fase evolutiva...”
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