Neste fim de semana estive num lugar que me fez refletir sobre a capacidade de o homem criar possibilidades bem singulares para viver (não sobreviver) num mundo que já está sofrendo os revezes da escassez de recursos. Na comunidade onde me hospedei, na Região Serrana do Rio de Janeiro, ainda um território cercado de plantas e bichos, o respeito com o ambiente do entorno se reflete no alimento que se come – só vegetais, frutas, cereais – no cuidado com os animais que fornecem ovos e leite, nas plantações. E o resultado disso é o que a natureza dá em troca e que se traduz em saúde para as pessoas que ali estão. Uma relação baseada no respeito.
Na volta de lá, resolvi pegar a Avenida Brasil. O primeiro choque com a civilização urbana é sentido logo, pelo barulho. Já repararam como, ao sair de um lugar mais protegido, nossos ouvidos custam a se acostumar à agressão provocada pela zoeira de carros?Passando pelo território que foi tomado por viciados em crack, não vi mais por ali os pobres farrapos humanos em que essas pessoas se transformam, mas está claro que, se não tiver a força do estado para dar limites, eles vão retornar. É que o entorno está mal cuidado, não ajuda em nada para criar uma nova forma de ocupação.
Andando mais um pouco, foi hora de enfrentar o engarrafamento provocado pela quantidade de pessoas que, legitimamente, querem assistir ao acender das luzes de uma árvore de Natal gigante, instalada na Lagoa, que já se tornou símbolo dessa época do ano. Mas o desconforto que se enfrenta para chegar lá é de tirar o ânimo.
Pela primeira vez na história da humanidade, segundo o site da ONU, mais da metade da população mundial vive em centros urbanos. E é nos países mais desenvolvidos e nos da América Latina que as cidades atraem mais as pessoas. Levando em conta os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta segunda-feira (1º), aqui no Brasil estamos vivendo mais. Vamos ter mesmo que criar meios para que a convivência nas cidades não fique mais desconfortável à medida que o tempo passa. E à medida que a Terra aquece...
Hortas
Nesse sentido, as hortas urbanas são um alento. Aqui perto de casa mesmo está florescendo uma, com a solidariedade dos vizinhos. É um jeito bem saudável de ocupar o espaço de terrenos baldios sem criar conflitos, mas gerenciando relações. O alemão Manfred Bert, um paisagista, liderou o movimento, reuniu alguns moradores mais ativistas e tem dado certo. De vez em quando, dentro das minhas possibilidades de tempo, passo por lá e deixo um lixo orgânico, mexo numa terrinha. Essas microssoluções têm, para mim, papel fundamental num cotidiano de macroproblemas.
Mas há quem esteja tentando reunir as microssoluções num único espaço – o que pode resultar em troca de informações e ser muito bom para replicar exemplos. Em Sydney, na Austrália, aconteceu de 12 a 19 de novembro um Congresso Mundial de Parques, que reuniu mais de seis mil participantes de 170 países e lançou o documento "The Promise of Sydney", que destaca a necessidade de revigorar esforços para proteger áreas naturais (veja, em inglês) . O subtítulo do encontro é motivador: "Os parques, o planeta e nós: fontes de inspiração e de soluções".
Pensei sobre o encontro australiano nesse fim de semana que passei numa área protegida não pelo estado, mas por pessoas. Para os especialistas que ficaram reunidos em Sydney, a governança é o ponto de partida, que vai nos levar às soluções pretendidas. Mas não é qualquer governança. O documento final alerta para o fato de que a prioridade não está em “quem toma as decisões”, mas sim em “como se tomam as decisões”.
“Falamos de qualidade de governança (ou boa governança) quando se tomam decisões de forma legítima, justa, com visão, responsabilidade e prestação de contas e respeito de todos os direitos”, diz o documento escrito ao final do encontro.
Parece bem de acordo uma discussão como essa, sobretudo porque o encontro foi no país que tem um primeiro-ministro (Tony Abbott) polêmico por não se mostrar interessado em colaborar globalmente em um acordo entre países para baixar as emissões.
Uma dimensão da boa governança é a diversidade, mostra o documento. Um sistema de áreas protegidas diverso inclui uma ampla gama de tipos de governança, e é preciso chamar para a mesa de negociação os povos indígenas, tradicionais, comunidades locais, entidades privadas, governos nacionais e locais.
No texto final, os congressistas se comprometem a examinar exemplos de diversidade, qualidade e vitalidade de governança de áreas protegidas no mundo, ilustrando casos positivos e emblemáticos que possam contribuir para a execução dos compromissos firmados em Aichi, no Japão, uma das ferramentas daConvenção Mundial sobre a Diversidade Biológica (CDB) firmada em 1992 (veja aqui) .
Nesse sentido, o Brasil já está um passo adiante. No próximo fim de semana, os habitantes do Arquipélago de Bailique, conjunto de oito ilhas na região amazônica, estarão reunidos novamente para continuar o duro trabalho que vai resultar num Protocolo Comunitário do local. A iniciativa é da rede Grupo de Trabalho Amazônico e o objetivo é, justamente, seguir o texto da CDB e criar uma governança local para organizar uma forma sustentável de exploração dos seus próprios recursos. Em conversa com o presidente do GTA, Rubens Gomes, ele me disse que está impressionado com o nível de participação das unidades familiares do Bailique.
Leio no site do Congresso em Sydney que um dos projetos apresentados pelos participantes é o de capacitar a comunidade das Ilhas Salomão, no Pacífico, no sentido de ajudá-la a resgatar sua cultura e se tornar menos vulnerável às investidas do mercado corporativo. Algo bem parecido com o que fazem os técnicos do GTA no Bailique.
Outro exemplo bom que vem aqui das terras brasileiras é o Seminário de Manejo Florestal Comunitário e de Pequena Escala que aconteceu em setembro em Lábrea, na região Amazônica (veja aqui), promovido pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).
São iniciativas que podem dar certo. E seguimos apostando também na reunião que começa nesta segunda em Lima que tem como objetivo principal traçar rumos para se conseguir um acordo global em Paris no ano que vem. Não gosto muito dessa expectativa com um tempo no futuro que parece desfocar o olhar do presente. Mas é assim que são feitas as negociações globais.
Bom mesmo é pensar que cada vez mais teremos iniciativas locais de sucesso e que o mega-acordo só vai se juntar para dar frutos ainda melhores.
Fotos:Horta urbana (Fernando Pilatos/TV Globo)Parque do Ibirapuera (Leonardo Neiva/G1)
http://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/pequenas-solucoes-para-grandes-problemas-o-desafio-da-humanidade.html
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