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PENSE NISSO:

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sábado, 11 de dezembro de 2010

 Água Doce.

"Não houve mudança no teor de umidade na Terra. A água que os dinossauros bebiam há milhões de anos é a mesma que hoje vem como chuva. Mas vai existir água suficiente em um mundo cada vez mais populoso?"

Por Barbara Kingsolver
Foto de Jim Brandenburg, Minden Pictures

Toda manhã, quando minha filha e eu percorremos o caminho desde a nossa casa de fazenda até a parada do ônibus escolar, ficamos com os olhos bem atentos para alguma maravilha. Quase sempre que topamos com uma, ela reflete a magia da água, como uma teia de aranha com gotas de orvalho formando um colar de cristais translúcidos. Ou uma garça cor de chuva alçando voo desde a beira do riacho. Em uma manhã assombrosa, o caminho foi invadido pelas rãs. Dezenas delas pulavam na relva diante de nós, lançando-se em arcos saltitantes com suas barrigas brancas - mais parecia que havíamos sido surpreendidas por uma tempestade de anfíbios. Em outra ocasião, cruzamos com uma tartaruga-mordedora, com sua primitiva carapaça cor de oliva. Normalmente, ela é uma criatura que se restringe às lagoas, mas algum impulso obscuro levou esse espécime até o nosso caminho de cascalho, usando a semana chuvosa como passaporte para deixar a nossa fazenda e passear.
Outro motivo de encanto permanente para nós é o riachinho sem nome que corre através do vale. Antes de mudarmos para o sul da região de Appalachia, vivemos por muitos anos no Arizona, onde um córrego permanente como esse merece tornar-se reserva natural. No Arizona, o estado do Grand Canyon, lembramos que a água é capaz de transformar a superfície da terra, rasgando o deserto rochoso como se fosse um pêssego, em fendas com 1,5 mil metros de profundidade. Ali as cidades funcionam como estações espaciais, obrigadas a trazer de remotos rios e aquíferos cada gota de água doce. Tão forte é a propensão humana a considerar a água como um direito de nascença que ainda são comuns fontes públicas borbulhantes nas praças das cidades do Arizona, assim como fazendeiros empenhados em cultivar safras sedentas. Porém, a verdade se insinua em todas essas fantasias quando os moradores do deserto passam meses esperando pela chuva, vendo os cactos apertarem os cintos e as aves papa-léguas disputarem as preciosas gotas que pingam de uma torneira de jardim. Sem água não há vida. Ela é o caldo salgado de onde surgimos, o sistema circulatório do mundo, uma franja molecular na qual podemos sobreviver. Até dois terços de nossos corpos são constituídos de água, tal como nos mapas-múndi; nossos fluidos vitais são salgados, tal como a água dos oceanos. Tal pai, tal filho.

Mesmo enquanto damos como líquida e certa a presença da Mãe Água, nós, seres humanos, sabemos que, no fundo, é ela quem manda. Estabelecemos nossas civilizações nos litorais e junto aos grandes rios. Nosso maior temor é a ameaça de escassez - ou excesso - de água. Nos últimos tempos aumentamos a temperatura média do planeta em 0,74oC, um número que parece insignificante. Mas a água é a face visível do clima e, portanto, das mudanças climáticas. A alteração nos padrões de precipitação provoca inundações em algumas regiões e secas em outras, enquanto a natureza nos demonstra uma importante lição da física: a de que o ar quente contém mais moléculas de água que o ar frio.
Bem longe do recanto encharcado em que vivo, o vale do Bajo Piura é uma imensa área recoberta pelas mais secas areias que já pisei. Estendendo-se desde a costa noroeste do Peru até o sul do Equador, o deserto de Piura, com 36 mil quilômetros quadrados, abriga muitas formas de vida espinhosas e endêmicas. Essa ecorregião costuma ser classificada como seca e muito seca, e a borda sul do Bajo Piura seria considerada por qualquer pessoa como o lugar mais seco de todos. Entre janeiro e março, ali caem apenas 2,5 centímetros de chuva, dependendo dos caprichos de El Niño, segundo explicou o meu motorista enquanto seguíamos pelo esburacado leito do rio Piura. Durante horas atravessamos campos esturricados, arruinados por anos de irrigação, e passamos por vales escaldantes cujas condições são intoleráveis para qualquer coisa além de uma algarobeira de raízes profundas, a Prosopis pallida, a árvore mais adaptável a terrenos áridos. E também, surpreendentemente, algumas famílias dispersas do Homo sapiens.

Eles são refugiados econômicos, em busca de terras que não custam nada. Isso não implica que a sobrevivência no Bajo Piura não tenha outros custos, pois o frágil ecossistema também paga um preço à medida que as pessoas ampliam a desertificação ao transformarem em lenha o que resta de vegetação. O que me leva ali, como jornalista, é um inovador projeto de reflorestamento. Conservacionistas peruanos, em parceria com uma organização não governamental, a Heifer International, estão convencendo os moradores a criar cabras e bodes, pois eles se alimentam das vagens ricas em proteínas das algarobeiras e depois dispersam as sementes pelo deserto. À sombra de um precário abrigo, uma jovem mãe coloca sua panela amassada sobre um fogo alimentado por excrementos secos e mostra como deixava coalhar o leite de cabra para fazer queijo. Mas é difícil encontrar tempo para tirar o leite das cabras, pois ela, tal como as outras mulheres que conhece, todos os dias precisa caminhar oito horas para buscar água.

Os maridos dessas mulheres estão cavando um poço ali perto. Trabalham com colheres de pedreiro, uma forma de compensado para revestir de cimento a parede do poço, avançando centímetro por centímetro, e usam uma robusta manivela improvisada para descer um homem até o fundo e de lá retirar baldes de areia. Uma dezena de homens esperançosos, com chapéus de palha sujos, afasta-se para que eu possa examinar o trabalho, que até então havia resultado apenas em um monte de areia completamente desprovido de umidade. Espio no fundo daquele buraco escuro e então me viro e subo no topo do monte de areia para esconder lágrimas pouco profissionais. Para mim era difícil compreender esse tipo de perseverança. Eles ainda estão lá, escavando a areia ressequida e sobrevivendo a duras penas, como um microcosmo da vida neste planeta. Não há saída. Quarenta por cento dos lares na África subsaariana estão situados a mais de meia hora de uma fonte de água, e essa distância só aumenta.

Os fazendeiros australianos não podem mais acompanhar a mudança nos padrões de precipitação, pois ela se deslocou para o sul e as chuvas caem sobre o oceano. Todos estamos na mesma situação, e ela requer o máximo de nós.
Desde pequena ouvi dizer que, quando se está no fundo de um poço, dá para ver as estrelas, mesmo à luz do dia. Aristóteles falou disso, assim como Charles Dickens. Em muitas noites escuras, a imagem daquele trecho arredondado do céu repleto de estrelas me proporcionou conforto. Só que há um problema: isso não é verdade. A civilização ocidental não se mostrou muito disposta a descartar essa imagem folclórica.

Os astrônomos acreditaram nela por séculos, até que alguns deles resolveram verificar - bastou uma observação para que ruíssem as ilusões. Do mesmo modo, nossa civilização reluta em se desfazer de outro mito: o da infinita generosidade do planeta Terra. Recusando a ver os claros indícios em contrário, continuamos acreditando nisso. Bombeamos a água dos aquíferos e desviamos o curso dos rios, confiando em duas estrelas-guia: a irrestrita expansão humana e o suprimento infinito de água. Agora os lençóis freáticos estão se esgotando em países que abrigam metade da população mundial. É como se todos nós tivéssemos estourado, de maneira espetacular, nossas contas bancárias.

Em 1968, o ecologista Garrett Hardin publicou um ensaio com o título The Tragedy of the Commons (“A Tragédia dos Recursos Comuns”), que desde então virou leitura obrigatória para os estudantes de biologia. Ele trata dos problemas que somente podem ser resolvidos por meio de “uma mudança nos valores humanos ou nas ideias de moralidade”, naquelas situações em que a busca racional do interesse individual conduz à ruína coletiva. Criadores de gado que dividem pastagens comunitárias, por exemplo, vão progressivamente aumentando seus rebanhos até que o pasto é destruído pelo uso excessivo. Em vez disso, a aceitação de limites autoimpostos, algo no início inconcebível, passa a ser a única saída. Enquanto nossas leis supõem um critério moral fixo, Hardin sustenta que “a moralidade de um ato é função da condição do sistema no momento em que tal ato se realiza”. No passado, com certeza não era nenhum pecado abater pombos e comê-los em tortas.
 água é o mais fundamental dos recursos comuns. Os cursos d’água antes pareciam tão abundantes quanto os pombos, e a noção de preservar a água era tão ridícula quanto a de engarrafá-la. Mas as regras mudam. Incontáveis vezes os países estudaram os sistemas aquáticos e redefiniram os critérios de uso mais sensato. Agora o Equador se tornou a primeira nação do planeta a incluir os direitos da natureza em sua Constituição, de modo que rios e florestas não sejam simplesmente propriedade, mas desfrutem de um direito próprio de prosperar. Sob tal legislação, um cidadão pode abrir um processo em favor de uma bacia hidrográfica ameaçada, reconhecendo que a saúde dela é crucial para o bem comum. Outros países talvez sigam os passos do Equador. Do mesmo modo que, no passado, o sistema legal hesitou em reconhecer os direitos das mulheres e dos ex-escravos, hoje as faculdades de direito nos Estados Unidos vêm reformulando seus currículos visando compreender e reconhecer os direitos da natureza.

Sobre a minha mesa, um copo com água reflete a luz do entardecer, e continuo atenta às maravilhas naturais. Quem é dono dessa água? Como posso considerá-la minha se o destino dela é circular por rios e corpos vivos, tantos já passados e outros tantos no futuro? Ela é antes uma antiga e deslumbrante relíquia, esperando para retornar aos seus, esperando para mover montanhas. Ela é o padrão do meio circulante biológico, e a boa nova é que há incontáveis maneiras de preservá-la. Além disso, ao contrário do petróleo, a água sempre vai fazer parte de nossas vidas. Nossa confiança na generosidade da Terra tinha em parte razão de ser, uma vez que toda gota de chuva acaba no oceano, e o oceano chega ao firmamento. E em parte era infundada, porque não somos indispensáveis para a água. É bem o oposto. Nossa missão é descobrir maneiras razoáveis de sobreviver no interior dos limites dela. Faríamos bem em fixar a vista em novas estrelas-guia. O suave estímulo das evidências, a orientação da ciência e um coração empenhado em proteger os recursos comuns: esses são os instrumentos de um novo século. Contemplar com assombro um planeta repleto de água é a nossa maneira de ver o que está em jogo e de conhecer melhor o nosso lugar.

FONTE
MUNDO ESTRANHO
FOTOS ILUSTRATIVAS

FONTE
www.superinteressante.com/
FOTOS ILUSTRATIVAS

VIDA ANIMAL: MORCEGOS.

Colapso
A lesão é visível na membrana da asa de um morcego-castanho-pequeno que morreu de uma doença misteriosa.

Os morcegos são cruciais para os ecossistemas - devorando insetos, dispersando sementes e polinizando flores. Mas nos Estados Unidos um novo e insidioso inimigo vem dizimando esses animais.

Por David Quammen
Foto de Stephen Alvarez
Nas proximidades da cidade de Madison, no estado americano de Wisconsin, há um edifício baixo de alvenaria equipado com filtros de ventilação e rodeado por uma cerca alta de arame. Ali está instalado o Tight Isolation Building, a unidade de isolamento do National Wildlife Health Center (NWHC, Centro Nacional de Saúde da Fauna Silvestre), um órgão federal de pesquisa administrado pelo U.S. Geological Survey. No interior do prédio, um corredor com paredes de blocos de concreto circunda a Ala de Isolamento Animal e é ladeado por uma sequência de laboratórios hermeticamente fechados, cada qual visível através de uma janela de vidro espesso. Numa dessas salas, o piso está recoberto de serragem e conta com tubos imitando covas, de modo a reproduzir o habitat dos cães-da-pradaria em um teste de vacinação contra a Yersinia pestis, a bactéria causadora da peste. Em outra sala, pássaros-mandarim engaiolados estão sendo usados em pesquisas para a elaboração de uma vacina contra o vírus do Nilo Ocidental. Dois outros laboratórios estão às escuras, pois ali vivem morcegos em hibernação. O primeiro contém os indivíduos saudáveis de Myotis lucifugus, o morcego-castanho-pequeno, que formam o grupo de controle. A segunda sala escurecida abriga os morcegos-castanhos expostos ao Geomyces destructans, um fungo branco filamentoso de origem desconhecida e cuja presença nos morcegos norte-americanos foi constatada pela primeira vez em 2006. Em apenas quatro anos, esse fungo devastou as populações de morcegos que hibernavam em Nova York, Vermont e uma quantidade crescente de estados americanos e províncias canadenses, exibindo uma força letal maior até mesmo que a da Yersinia pestis entre os camponeses da França medieval.
O microbiologista David S. Blehert, do NWHC, é o responsável pelas pesquisas laboratoriais desse fungo abominável. Para entrar na segunda sala escurecida, ele veste um macacão de Tyvek, botas e luvas de borracha, uma lanterna de cabeça com filtro vermelho e um respirador. Movendo-se em silêncio para não desperdar os animais, ele se aproxima de um armário envidraçado, no qual há uma gaiola pequena e entelada com alguns morcegos. O armário com porta de vidro é um refrigerador de floricultura, usado por Blehert porque os morcegos em hibernação, tal como os lírios cortados, sobrevivem melhor em condições de temperatura baixa e muita umidade. Blehert espia o conteúdo do refrigerador, examinando os morcegos em busca de indícios de formações fúngicas nos focinhos ou nas asas. Uma mancha branca nas narinas, que lembra o gelo acumulado na barba de um esquiador, é sinal de que o morcego pode estar infectado; também é a origem do nome dessa doença, a "síndrome do nariz branco".

Nenhuma alteração notável, diz Blehert quando voltamos ao vestiário. Até agora, nenhum caso fatal e nenhum fungo visível. Mas o experimento ainda está em sua etapa inicial.
Como esse fungo mata os morcegos? "Ainda não sabemos", diz ele. "Essa é, até onde sei, a primeira doença que se caracteriza especificamente por afetar animais em hibernação." Por isso, a sua forma de letalidade pode ser diferente de tudo o que os cientistas conhecem. E este é apenas um de seus aspectos intrigantes.
O próprio fungo parece ter chegado há pouco na América do Norte. Sua presença foi registrada pela primeira vez - ainda que então não tivesse sido identificado - em uma foto feita em fevereiro de 2006, na gruta Howes, a oeste da cidade de Albany, em Nova York. Um ano depois, as pessoas começaram a relatar algo esquisito: morcegos-castanhos voando fora das grutas vizinhas em pleno inverno. Os Myotis lucifugus são criaturas muito pequenas, menores do que um polegar humano, e dependem dos dois gramas de gordura que armazenam nos corpos para sobreviver à estação mais fria do ano. A hibernação é essencial para o pleno aproveitamento dessa reserva de energia; cada vez que despertam no meio do inverno acabam consumindo gordura equivalente a um mês de hibernação. Quando uma equipe do Departamento de Conservação Ambiental do estado de Nova York fez uma inspeção anual de rotina na gruta Hayles, outro local de hibernação nas proximidades, ela topou com milhares de morcegos mortos, dispersos por toda a caverna, em várias fases de liquefação e apodrecimento. "Foi uma carnificina", comenta Al Hicks, um especialista em mamíferos do departamento.
Desde então o problema se alastrou com rapidez e por uma área extensa. Segundo estimativas dos biólogos, cerca de um milhão de animais morreram em três anos, e em alguns locais as populações foram completamente aniquiladas. Seis espécies foram afetadas pela doença, uma das quais já era considerada ameaçada bem antes da chegada da síndrome do nariz branco: o Myotis sodalis, ou morcego-de-indiana. Três outras correm um risco elevado, entre as quais o morcego-cinzento (Myotis grisescens), também ameaçado de extinção. O pior é que, nos últimos anos, grandes progressos foram alcançados na recuperação das populações de morcegos-cinzentos. "Nós nos empenhamos muito para isso", diz Merlin Tuttle, o fundador da organização Bat Conservation International. "E agora tudo esse esforço pode ser desfeito em alguns anos."

Não dá para prever até quando o Geomyces destructans vai provocar danos, mas não é improvável que acabe por infectar todas as populações de morcegos em hibernação na América do Norte.
A hibernação é o elemento crucial do problema. Em geral, os fungos não provocam doenças graves em animais de sangue quente (ninguém morre por causa de uma frieira), pois a temperatura alta do organismo impede a proliferação descontrolada dos fungos. Já a hibernação implica a redução da temperatura corporal, assim como de outros parâmetros do metabolismo, como os ritmos respiratório e cardíaco. Das 45 espécies de morcegos existentes nos Estados Unidos e no Canadá, cerca de duas dúzias hibernam. Esses morcegos se agrupam em cavernas, galerias de minas e até mesmo prédios, cada local escolhido de acordo com a tolerância à variação de temperatura e umidade de cada espécie. Os morcegos-castanhos-pequenos preferem temperaturas entre 4ºC e 7ºC e umidade em torno de 90%. E estas também são as condições mais favoráveis para o Geomyces destructans, como David Blehert comprovou ao cultivar o fungo em laboratório.

No entanto, além de ambiente favorável, o fungo também precisa de nutrição. E seu alimento provém de outras criaturas. Normalmente, o sistema imune de qualquer mamífero entra em ação para combater um parasita fúngico. Porém, nem sempre isto ocorre quando o animal está hibernando. Pesquisas realizadas no laboratório de Tom Kunz, um especialista em morcegos da Universidade de Boston, mostram que um dos efeitos colaterais da hibernação - quando há desaceleração no metabolismo do morcego - poderia ser exatamente a desativação de suas reações imunes. Para a bióloga Marianne Moore, que faz parte da equipe de Kunz, talvez essa supressão da reação imunológica, em condições de temperatura baixa, seja o fator que permite ao Geomyces destructans proliferar tão agressivamente nos morcegos durante o inverno. (Os seres humanos não são afetados.) Esses novos integrantes do gênero Geomyces parecem ter topado com o grupo de mamíferos com menos condições de se defender deles.
Mas de onde veio esse novo fungo? Ninguém sabe. O mesmo fungo já identificado em morcegos na Europa, mas ali não foram constatados danos ou mortes significativas. Em outros termos, o fungo está presente ali, mas não a síndrome. Esta não provoca apenas as manchas brancas nos focinhos, mas também lesões esbranquiçadas e corrosivas nas asas, e ainda o despertar anormal da hibernação, possivelmente porque a substância branca é irritante, sufocante ou provoca coceiras. As lesões na asa também prejudicam a capacidade de voar; o despertar anormal leva ao consumo das preciosas reservas de gordura, expondo os morcegos à fome ou ao congelamento, quer abandonem ou não as grutas em uma busca desesperada e vã por alimentos. Em que momento, e por que motivo, uma incômoda infecção fúngica se transforma plenamente na síndrome do nariz branco? Mais uma vez, ninguém sabe.
Como os morcegos não conseguem cruzar o Atlântico, se o Geomyces destructans chegou à gruta Howes vindo da Europa, provavelmente foi levado até lá por um ser humano - talvez um turista com sapatos sujos ou um explorador de grutas com macacão salpicado de fungos. De tal perspectiva, o fungo é apenas a última de uma longa série de espécies invasoras destrutivas. Um século atrás, o culpado foi outro fungo, o Cryphonectria parasitica, mais conhecido como praga das castanheiras. Antes de sua chegada, as florestas americanas de madeira-de-lei estavam repletas de castanheiras altas e imponentes; em 1940, porém, essas árvores haviam praticamente desaparecido.
"Essa é a praga-da-castanheira dos morcegos", diz Jim Kennedy, enquanto seguimos de carro até a gruta Hubbard, um local de hibernação dos morcegos-cinzentos na região central do Tennessee. Biólogo e explorador de cavernas, Kennedy trabalha para a Bat Conservation International. Entre suas funções está a de ensinar biólogos e espeleólogos a fazer, da maneira menos perturbadora possível, o censo de populações de morcegos em hibernação e, com isso, tornando possível o mapeamento da difusão da síndrome do nariz branco. Ele pensa como ecologista, preocupando-se não só com os morcegos, mas também com os ecossistemas dos quais eles participam - grutas, florestas, áreas cultivadas. Segundo uma estimativa, os morcegos até agora dizimados pela síndrome do nariz branco - cerca de um milhão - estariam consumindo, caso continuassem vivos, cerca de 700 toneladas de insetos por ano. "É possível que ocorram alterações significativas, bem significativas", acrescenta Kennedy. "E não há como prever isso."

Além das dúvidas que pairam em relação à doença, há outra questão importante: o que aconteceria se a América do Norte perdesse todos os morcegos que hibernam?
A gruta Hubbard, administrada pela organização Nature Conservancy, está naturalmente escondida no fim de uma estrada montanhosa. Um riacho desce por uma ravina com mato denso, e depois despenca em cascata num sumidouro, em cuja borda inferior existem três entradas de gruta, que se estendem profundamente no calcário esburacado. Todas as entradas estão bloqueadas por enormes grades de aço que permitem a passagem dos morcegos, mas impedem a entrada não autorizada de seres humanos. Descemos no sumidouro por uma escada de alumínio. Então, nosso anfitrião da Nature Conservancy destranca um painel metálico numa das entradas, e oito de nós - contadores de morcegos e outros - nos esgueiramos para dentro da gruta. Cada item do nosso equipamento, incluindo meu computador portátil impermeável, será acondicionado em sacos plásticos quando sairmos e mais tarde desinfetado. Desse modo, se o fungo chegou a essa caverna, Jim Kennedy e seus colegas não vão levá-lo para outro lugar.
  Divulgação
Percorremos várias galerias em meio a milhares de morcegos-cinzentos em hibernação, nenhum dos quais - até onde pudemos ver - tinha o focinho esbranquiçado. E também não topamos com massas apodrecidas de morcegos mortos no piso da gruta. Ou seja, havíamos chegado ali antes do fungo. Mas isto não era motivo de animação para Kennedy. "A questão não é se ele vai chegar aqui. É quando vai chegar. Já estamos nos preparando para isso", diz ele. "Afinal, só nessa gruta há cerca de meio milhão de morcegos."
  Divulgação
Enquanto Kennedy e os outros fazem o levantamento daquela população, eu me detenho diante de algo assombroso. Na parede de calcário ocre em uma das câmaras, debilmente iluminada pela luz ricocheteante de nossas lanternas de cabeça, escorre uma densa e isolada massa de pêlos cinzentos. É um amontoado confortável e inerte de corpos vivos de morcegos, amontoados um ao lado do outro em camadas duplas ou triplas, com as garras das pequenas patas presas à rocha porosa e vertical. Formam uma mancha sólida e irregular, tão grande quanto o tapete de uma enorme sala de estar. Esse único agrupamento, me disseram, pode conter cerca de 300 mil morcegos. Sua aparência é a de um tapete de pele de animal. Ou de uma enorme ameba escura. Mas também me lembra uma mancha do teste de Rorschach, estimulando nossas visões do futuro.

National Geographic Brasil