À medida que envelhecemos, começamos a perder as chamadas células sensoriais auditivas. Mas, para evitar que isso aconteça, precisamos aprender a proteger nossos ouvidos desde já. A receita é conhecida. Um estudo da Universidade de São Paulo comparou a audição de índios guaranis que viviam perto da civilização, em São Sebastião (SP), com a de outros índios mais retirados (aldeia de Ubatuba, SP) e a de moradores das cidades vizinhas. Os índios que viviam longe dos ruídos do ambiente urbano captavam os sons com muito mais facilidade do que os seus pares da periferia da cidade e do que os citadinos.
As dificuldades auditivas não são apenas um fenômeno natural, mas também uma consequência do estilo de vida que adotamos. “Há várias formas de proteger a audição”, diz a fonoaudióloga Keila Knobel, de Campinas (SP). “Os ouvidos refletem a saúde geral do corpo. Má alimentação, falta de atividade física, índices elevados de pressão arterial e colesterol, além da exposição a sons intensos, conduzem a uma predisposição maior aos problemas auditivos.” É claro que os ouvidos são atacados por patologias que estão além de nossa esfera de influência. Mas, se no meio da confusão sonora, tomarmos certos cuidados, já estaremos fazendo a nossa parte.
Ouvidos sob pressão. Obrigado a constantes deslocamentos de avião, o advogado Marco Aurélio Brasil, 37 anos, descreve assim o sofrimento de uma aterrissagem quando está gripado: “Sinto uma pressão na cabeça como se alguém estivesse com um torniquete no meu ouvido, apertando sem dó.”
A culpa é do chamado barotrauma, problema no ouvido médio provocado por uma mudança súbita no equilíbrio entre a pressão interna e a externa, que acontece durante as decolagens e, principalmente, nas aterrissagens de aviões. Neste último caso, a pressão dentro da tuba auditiva se torna menor do que a do ambiente com muita rapidez, o que castiga os tímpanos. Quando se está resfriado, o inchaço da tuba auditiva, ligada ao nariz, dificulta a ventilação do ouvido, piorando o efeito. “A pressão sobre o tímpano provoca dores fortes e pode levar ao rompimento da membrana, com alguma perda auditiva”, diz Iêda Chaves Pacheco Russo, professora titular da PUC-SP e ex-presidente da Sociedade Internacional de Audiologia.
Em casos normais, as consequências não são graves e a dor provocada pela diferença de pressão vai diminuindo enquanto o avião taxia. Se durar mais de um dia, já se deve buscar ajuda médica. “Bocejar, mascar chicletes, abrir a boca, mastigar o ar... tudo isso estimula o ouvido a recompor o equilíbrio da pressão”, diz Iêda. Para quem está resfriado, a especialista, que assumirá a presidência da Academia Brasileira de Audiologia em 2011, tem uma recomendação simples: “Uma inalação com soro caseiro, antes de ir para o aeroporto, pode evitar maiores problemas.”
Infecções. De repente, você começa a sentir dores fortes no ouvido e, sem perceber, passa a falar mais baixo. É sinal de que uma bactéria está provocando o quadro clássico da otite média aguda. “Trata-se de uma infecção que, de simples, não tem nada. Pode conduzir a uma meningite ou encefalite”, alerta a Dra. Iêda. Da luta do organismo contra a infecção, pode ocorrer otorreia. “O pus que é produzido pode empurrar o tímpano para fora e rompê-lo”, diz a especialista. “É preciso ir a um otorrinolaringologista imediatamente”, aconselha Iêda, lembrando que as crianças, principalmente as de menos de 6 anos, são mais suscetíveis.
As otites costumam surgir após gripes e resfriados. Caso um episódio agudo em que houve rompimento da membrana do tímpano não seja totalmente curado, a infecção pode evoluir para um quadro crônico, com duração de alguns meses e perda da audição.
Zumbido. Há seis anos, Armindo Kubiack, então com 65 anos, acordou para mais um dia de trabalho com máquinas pesadas na construção civil. Ao ir ao banheiro, percebeu um zumbido na cabeça que o deixou assustado. Ao longo do dia e no seguinte, o ruído só fez aumentar. “Ali começou uma peregrinação de um ano, de médico em médico, exames e remédios sem que ninguém conseguisse me dizer o que eu tinha. O barulho continuava, noite e dia”, conta Armindo, que vive em Curitiba (PR).
A dificuldade no diagnóstico do zumbido, também conhecido por tinnitus ou acuofênio, tem uma explicação: ele não é uma doença e, sim, um sintoma, que atinge cerca de 15% da população. “Existem quase duas centenas de causas para o zumbido. Vários motivos, vários tratamentos – entre eles terapia, medicamentos (muitas vezes à base de cortisona) ou mesmo intervenções cirúrgicas”, diz Keila, que pesquisa e faz palestras sobre o tema há anos.
No caso de Armindo, o zumbido foi deflagrado pela ingestão de antibióticos após um acidente de trabalho. Pressão alta, tensão excessiva no maxilar, exposição excessiva ao barulho e ansiedade também estão entre os gatilhos mais identificados. É comum que duas causas se combinem no surgimento do zumbido, que se manifesta na forma de sons como o de uma campainha ininterrupta, uma cachoeira, um ronco ou o chiado de um disco antigo, entre outros.
“O zumbido assusta. A pessoa não tem ideia do que o tenha provocado e começa a fantasiar”, explica Rita de Cássia Guimarães, coordenadora do Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido (Gapz), de Curitiba. “Quem começa a ouvir um barulho no ouvido acha que tem um tumor na cabeça, que vai ficar surdo ou que o ruído nunca mais vai sumir.”
Armindo passou a frequentar o Gapz e aderiu a um tratamento conhecido como Terapia de Habituação do Zumbido (TRT, na sigla em inglês). “A TRT propõe que a pessoa deixe de se incomodar com o ruído”, explica Keila. Além disso, sob orientação dos especialistas, Armindo lançou mão de um CD que reproduzia continuamente o som da chuva, em volume mais baixo que o do zumbido. “A ideia é modificar a percepção do paciente, para que o zumbido se torne algo como um som natural”, explica Keila.
Depois de um tempo, o zumbido passa a ser menos notado. No caso de Armindo, a TRT, cujos procedimentos ele seguiu por dois anos (em geral, o acompanhamento leva em torno de 18 meses), associada a medicação e mudanças no estilo de vida, levou a uma virtual cura.
Surdez súbita. Rosa Seixas* estava digitando no computador do escritório da transportadora em que trabalha, em Salvador, quando escutou um “som indescritível” e depois “uma ausência”. “Perguntei às pessoas em volta ‘Vocês ouviram?’ Todos disseram que não. Aí, percebi que não estava escutando nada no meu ouvido direito.”
O marido de Rosa achou que havia entrado água no ouvido da esposa, a médica da emergência que ela procurou no dia seguinte apostou em cera e muitos especialistas falaram em infecções ligadas a uma suposta gripe. Até hoje, Rosa não sabe, ao certo, a causa do seu problema. Especialistas admitem que as causas da surdez súbita ainda não estão totalmente esclarecidas. Os sintomas podem desaparecer em poucos dias, mas não se deve esperar para buscar auxílio médico, pois danos permanentes podem ocorrer.
Na maioria dos casos, a origem dos episódios de surdez súbita está ligada, assim como o tinnitus, aos desequilíbrios causados pelo estresse. Após três anos convivendo com a perda auditiva, Rosa tem isso como a única coisa clara em seu problema: “Sempre fui muito exigente comigo mesma e, quando aconteceu o episódio, eu vivia uma fase de mudanças muito estressante no trabalho.” Hoje, ela recuperou 15% da audição e segue com acompanhamento médico. “Sinto-me como uma equilibrista. Deixei cair a bolinha da saúde, mas serviu para eu aprender. Estou bem mais tranquila, consciente de que não vale a pena me prejudicar”, garante.
Parar o barulho. O equilíbrio interno é, de fato, um dos pilares da saúde auditiva. O outro é a proteção contra agressões exteriores. O barulho afeta as células receptoras no interior do ouvido. Quando o nível de ruído e o tempo de exposição superam o limite de tolerância, as células sofrem lesões que podem se tornar permanentes, mesmo em pessoas mais jovens. “Os aparelhos de MP3, usados em volume inadequado, são grandes vilões, além dos shows e discotecas”, diz o otorrinolaringologista Luiz César Nakao Iha, que atua na Campanha de Saúde Auditiva, da Sociedade Brasileira de Otologia (SBOT).
Os tocadores de MP3 podem atingir 120 decibéis. Para se ter uma ideia, uma exposição ao nível de 85 dB é considerada limítrofe pela SBOT e só pode ser realizada pelo tempo máximo de oito horas diárias. “Mantenha o MP3 na metade do volume. Se for a um show ou a uma casa noturna, atente para qualquer dor ou desconforto no ouvido. Se acontecer, é a prova de que alguma lesão está ocorrendo. Mude de lugar imediatamente”, aconselha o Dr. Luiz.
Perda auditiva. Você está começando a perder parte das conversas nas reuniões em família? É sinal de que está na hora de procurar o otorrino, que vai lhe recomendar uma audiometria, o exame básico para medir a sua capacidade auditiva. É bom saber que você não está sozinho: 280 milhões de pessoas têm alguma perda auditiva no mundo. Só que menos de 10% a tratam adequadamente. Resultado? “A tendência é o isolamento. A pessoa deixa de realizar atividades cotidianas por conta do problema”, diz Renata Coelho Scharlach, especialista em seleção e adaptação de aparelhos auditivos do Núcleo de Estudos Fonoaudiológicos (Nesf), em São Paulo.
Após a audiometria e outros exames, o mais provável é que o especialista indique um aparelho auditivo. O problema é que a resistência a esses aparelhos ainda é forte. “Existe um estigma por parte do paciente e da família. Mas, hoje, o processamento de sinal é muito mais sofisticado. A tecnologia digital possibilitou a miniaturização dos circuitos e a diminuição do tamanho. Os aparelhos estão mais anatômicos e melhores”, diz Renata.
Adiar o uso do aparelho não vai piorar a sua audição, mas prejudica a forma como você se comunica com os outros. “Isso pode acarretar uma piora do reconhecimento dos sons da fala, por causa da falta de estimulação auditiva”, diz Karin Ziliotto Dias, também do Nesf. Ou seja, se você não ouvir bem, o seu cérebro vai desaprender a entender o que as outras pessoas falam.
Quanto antes se recorrer aos aparelhos, encontrados com preços variados e até fornecidos em versões de ótima qualidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS), melhor. O aposentado Ayrton Villela, hoje com 75 anos, começou a usá-los há seis anos e é um entusiasta. “Eu era uma pessoa desligada do mundo. Hoje, ouço de novo com perfeição.” Villela, que mora em Florianópolis (SC) e tem deficiência acentuada na audição, garante que o medo do aparelho some quando se passa a escutar “um passarinho, e até uma mosca”. E atesta: “Antes, vivia no silêncio. Hoje, sou muito mais feliz!”
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MUNDO ESTRANHO
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www.superinteressante.com/
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