1. ABORTO, segundo a Organização Mundial da Saúde é a interrupção da gestação
antes de 20–22 semanas ou com peso fetal inferior a 500g. É dito precoce quando ocorre
até 12 semanas e tardio entre 13 e 20 – 22 semanas de gestação.
2. INCIDÊNCIA: Mais frequente complicação da gestação precoce. A incidência diminui
à medida que avança a idade gestacional. Entre 8% e 20% das gestações clinicamente
reconhecidas serão perdidas, sendo que 80% das perdas ocorrem até 12 semanas de
gravidez. Se considerados os abortos subclínicos a incidência se eleva para 13% a 26% das
gestações.
3. IMPORTÂNCIA: Uma das principais questões de saúde pública pela alta incidência,
inclusive na adolescência. Apesar da falta de dados confiáveis, existe alta morbimortalidade
quando o aborto é provocado, sendo realizado de forma insegura, clandestinamente.
4. ETIOLOGIA
4.1. Anormalidades do desenvolvimento do zigoto.
- As anomalias cromossômicas causam pelo menos metade dos abortamentos. Em
gestações anembrionadas o percentual chega a 90%. Em abortos entre oito e onze
semanas é de 50%, diminuindo para 38% entre 16 e 19 semanas. As mais frequentes
alterações detectadas são: trissomias autossômicas - 52% (16 [mais frequente], 13, 15, 21,
22), monossomia X -19%, poliploidias - 22%, outras - 7%.
4.2. Fatores maternos
- Mais comuns a partir da 13ª semana.
- Infecções: Toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, parvovírus B19.
- Doenças sistêmicas: Diabetes, lúpus eritematoso sistêmico.
- Alterações hormonais: Hipo e hipertireoidismo, insuficiência do corpo lúteo
(deficiência de
progesterona).
- Uso abusivo do fumo e álcool.
- Intoxicação: Chumbo, arsênio, benzeno, etc.
- Drogas teratogênicas: Talidomida, antiblásticos, antagonistas do ácido fólico, etc.
- Fatores imunológicos: Trombofilias adquiridas (síndrome do anticorpo
antifosfolípede) e hereditárias.
- Procedimentos invasivos: Biópsia de vilo corial, amniocentese.
- Anormalidades uterinas:
- Adquiridas: Miomas, sinéquias, incompetência istmo-cervical (IIC).
- Congênitas: Útero unicorno, bicorno, septado, IIC.
5. FATORES DE RISCO
- Idade materna avançada é o mais importante fator de risco (35 anos - 20%, 40 anos
- 40%, 45 anos - 80%).
- Paridade: 5% primíparas.
14% multíparas.
- Abortamento prévio.
- Cariótipo anormal do casal: Quando presente é o fator de risco mais importante.
- Tabagismo – alcoolismo.
- Consumo de drogas ilícitas.
- Índice de massa corpórea < 18,5 Kg/m2 ou > 25 Kg/m2.
6. FORMAS CLÍNICAS/DIAGNÓSTICO/CONDUTA
6.1. Ameaça de abortamento
- Sangramento de pequena intensidade, com ou sem cólicas.
- Colo uterino impérvio, útero compatível com idade gestacional.
- Atividade cardíaca embrionária/fetal presente.
- 50% dos casos evoluem para abortamento.
- Ultrassonografia: Avaliação prognóstica
- βhCG: Dosagens seriadas (monitorizar evolução).
- Conduta: Repouso relativo, proibição do coito, apoio psicológico, analgésicos,
antiespasmódicos.
- Uso de progesterona natural: nenhum trabalho mostrou beneficio.
- Orientação sobre a inexistência de evidência científica de terapêutica eficaz.
- Solicitar: ABO/Rh, VDRL, anti–HIV.
- Administrar imunoglobulina anti-D se Rh (-), parceiro Rh (+).
6.2. Abortamento inevitável
- Sangramento mais intenso, com coágulos, cólicas mais fortes que na ameaça de
aborto.
- Útero compatível com a idade gestacional.
- Colo uterino pérvio (material ovular pode ser identificado no canal cervical).
- Diagnóstico: Essencialmente clínico (ultrassom e dosagens hormonais são
desnecessários).
- Conduta: Internamento e acesso venoso, se necessário.
- Solicitar: Hemograma completo, ABO/Rh, VDRL, anti–HIV.
- Administrar imunoglobulina anti–D se Rh (-), parceiro Rh (+).
- Gestação ≤ 12 semanas:
- Curetagem uterina cruenta ou por aspiração manual intra-uterina (AMIU).
- Gestação > 12 semanas:
- Antes da expulsão: Ocitocina em esquema de macro-infusão: 20UI em 500
ml de SG 5%, 20gts/min (ou 60 ml/h em bomba de infusão), adicionando-se 10UI de
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ocitocina para cada 100 ml infundidos ou misoprostol 200 mcg,a cada 6h, no fundo do saco
vaginal.
- Após expulsão: Curetagem uterina.
6.3. Abortamento completo
- Sangramento leve a moderado com acentuada diminuição das cólicas após expulsão
gestação.
- Útero menor que o esperado para a idade gestacional.
- Colo uterino fechado.
- Ultrassonografia: Útero vazio ou imagens sugestivas de coágulos.
- Mais comum no abortamento < 8 semanas.
- Administrar imunoglobulina anti–D se Rh (-), parceiro Rh (+).
6.4. Abortamento incompleto
- Sangramento e cólicas com intensidade variável.
- Colo uterino pérvio.
- Útero menor que o esperado para a idade gestacional.
- Ultrassonografia: Presença de restos ovulares.
- Conduta:
- ≤ 12 semanas: Curetagem uterina cruenta ou por AMIU.
- 12 semanas: Curetagem uterina cruenta.
- Conduta opcional: Misoprostol 800mcg, via vaginal, dose única.
Pode ser utilizado em qualquer idade gestacional. Confirmar esvaziamento
uterino, por ultrassom, em até sete dias.
- Administrar imunoglobulina anti–D se Rh (-), parceiro Rh (+).
6.5. Abortamento retido
- Gestação sem evolução há, pelo menos, quatro semanas.
- Sangramento discreto ou ausente.
- Colo impérvio (pode não ser precedido de ameaça).
- Útero menor que o esperado para a idade gestacional.
- Há regressão dos sinais/sintomas de gestação.
- βhCG: Níveis decrescentes
- Ultrassonografia: Embrião/feto sem vitalidade ou ausência de embrião (ovo
anembrionado).
- Risco: Desenvolvimento de coagulação intravascular disseminada.
- Conduta: Internamento e acesso venoso.
- Solicitar: ABO/Rh, VDRL, anti–HIV, hemograma completo, coagulograma.
- Administrar imunoglobulina anti–D se Rh (-), parceiro Rh (+).
- ≤ 12 semanas: Misoprostol: 200 mcg, a cada 6h, via vaginal, até presença de
cólicas uterinas e sangramento transvaginal. Neste momento, fazer
curetagem uterina cruenta ou por AMIU.
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- 12 semanas: Misoprostol: 200 mcg, a cada 6h, via vaginal ou ocitocina 20UI
em 500ml de soro glicosado a 5%. Curetagem uterina cruenta após expulsão.
- Solicitar histopatológico para descartar doença trofoblástica gestacional.
6.6. Abortamento infectado
- Geralmente após manipulação uterina com instrumentos.
- Mais frequente após abortamento incompleto.
- Pode ter a seguinte evolução, se não tratado adequadamente: endometrite
→ parametrite → peritonite → septicemia e choque séptico.
- Possibilidade de perfuração uterina e comprometimento de alças intestinais.
- Quadro clínico variável a depender da evolução: febre (geralmente > 38ºC),
calafrios, pulso acelerado, taquipnéia, sudorese, hipotensão, sangramento com odor
fétido, dor abdominal, dor à manipulação do colo uterino, colo aberto, útero amolecido,
coleção liquida em fundo de saco de Douglas, irritação peritonial.
- Etiologia: geralmente polimicrobiana (da própria flora vaginal), com
predomínio de gram negativos ou anaeróbios.
- Conduta:
- Internamento.
- Acesso venoso: restituir volemia, estabilizar paciente.
- Laboratório: Hemograma completo, ABO/Rh, VDRL, anti–HIV,
provas de função hepática e renal, coagulograma, sumário de urina.
- Hemocultura, cultura de secreção vaginal e de material
endometrial, especialmente em casos com resposta inadequada.
- Raio X de tórax e abdome.
- Ultrassonografia pélvica.
- Hemotransfusão, se hemoglobina menor 8g%.
- Antibioticoterapia com cobertura adequada para anaeróbios e gram negativos.
- 1ª escolha: Clindamicina 900mg, EV, 8/8h, associada à Gentamicina 1,5mg/Kg,
EV, em dose única (não ultrapassar 240mg). Se não houver resposta adequada
associar Ampicilina 2g, EV, 6/6h.
- 2ª escolha: Ampicilina 2g, EV, 6/6h, associada à Gentamicina 1,5mg/Kg, EV,
em dose única (não ultrapassar 240mg), associada ao Metronidazol 500mg,
EV, 8/8h.
- Esvaziamento uterino após início da antibioticoterapia.
- Útero propenso à perfuração: Fazer ocitocina durante a curetagem uterina
- Gestação < 12 semanas: Curetagem pode ser por AMIU, se não houver suspeita de
perfuração uterina.
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- Tratamento deverá ser continuado até que a paciente esteja clinicamente
bem e afebril por 24 a 48 horas. Não é necessária a manutenção da
antibioticoterapia, por via oral, exceto em infecções estafilocócicas ou se
presente hemocultura positiva. Neste caso, completar sete dias de
tratamento.
- Fazer imunoglobulina anti–D se Rh (-), parceiro Rh (+).
- Bom estado geral: Alta hospitalar
- Não há necessidade de manutenção da antibioticoterapia oral após alta
hospitalar.
- Manutenção ou piora do quadro clínico, deve-se investigar:
- Persistência de restos ovulares
- Abscesso pélvico
- Outro sítio infeccioso
- Tromboflebite séptica
- Choque séptico: Lembrar da etiologia por E. coli, bacteróides,
Clostridium (este pode levar a quadro de anemia hemolítica fulminante e
insuficiência renal).
- Falência de melhora com antibioticoterapia e esvaziamento
uterino: Considerar laparotomia e histerectomia, se afastada outras causas.
6.7. Abortamento habitual
- Conceito: Presença de três ou mais abortos consecutivos.
- Risco após três perdas consecutivas: 30% a 45%.
- Incidência: 0,5% a 3% dos casais.
- Etiologia:
- Só é encontrado um diagnóstico em 50% dos casos.
- Fatores genéticos
Cerca de 3% a 8% dos casais possuem anomalias cromossômicas identificáveis.
Cariótipo do produto da concepção: Orienta futuras gestações.
Em geral, abortos precoces.
- Fatores anatômicos
9% a 16% dos casos.
Final do 1º e início do 2º trimestre: Sinéquias, septos, útero unicorno, bicorno,
didelfo.
- Incompetência istmo-cervical
Abortos tardios.
Idade gestacional progressivamente menor.
Sangramento variável, em geral, discreto.
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Cólicas leves ou ausentes.
Feto vivo.
Precedido frequentemente de ruptura prematura das membranas.
Etiologia: Idopática
Malformação uterina
Cirurgias prévias do colo uterino (conização, Manchester)
Manobras tocúrgicas intempestivas
Diagnóstico:
História clinica
Fora da gestação: Dilatação cervical diagnosticada através da histeroscopia,
histerossalpingrafia ou pela permeabilidade do colo com a vela de Hegar nº
08.
Durante a gestação: Suspeita com ultrassonografia com medida longitudinal
do colo uterino < 2,5cm.
Outras alterações mais tardias: Afunilamento do colo uterino, imagem em
dedo de luva (membranas ovulares herniadas).
História clínica sugestiva, sem diagnóstico prévio e com ultrassonografia
normal: Fazer ultrassonografia seriada com objetivo de evidenciar encurtamento do colo.
Conduta: Circlagem uterina (técnica de McDonald).
Época ideal: 14 a 16 semanas de gestação. Se diagnosticada em idade
gestacional mais tardia (até 28 semanas), o procedimento pode ser tentado.
- Fatores Endócrinos:
- Insuficiência fase lútea
Muitas vezes associada à hiperprolactinemia, endometriose, hipotireoidismo,
defeitos anatômicos do útero.
Abortamentos precoces (entre a 4ª e 8ª semanas).
Progesterona: sem beneficio comprovado.
- Diabetes, hipotireoidismo: Somente formas sintomáticas aumentam o
risco.
- Fatores Imunológicos
Síndrome do anticorpo antifosfolípede (SAAF): 15% a 20%. Diagnóstico e
tratamento em capítulo específico.
- Fatores Infecciosos:
Não são incluídos nas causas do abortamento habitual.
- Idiopático:
Não se define a causa em cerca de 50% dos casais.
6.7. Abortamento provocado
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- Ilegal no Brasil, exceto em duas situações: Gestação decorrente de estupro ou por
risco materno.
- Quando realizado clandestinamente é alta a morbimortalidade materna por
perfuração uterina e de vísceras abdominais, hemorragia, infecção localizada ou
sistêmica, choque séptico. È causa frequente de esterilidade.
6.7. 1. Abortamento legal por risco materno
- Laudo de dois obstetras e um especialista na patologia que motiva a
interrupção.
- Consentimento informado da gestante e familiares.
- Não é necessário comunicar ao CRM.
- É necessária a notificação à comissão de ética do hospital.
- Fazer imunoglobulina anti-D se Rh (-), parceiro Rh (+).
6.7. 2. Abortamento legal após estupro
- Atendimento por equipe habilitada ou por serviço de referência.
- Decisão formal por interrupção.
- Não é necessário laudo de IML ou autorização judicial
- Solicitar: VDRL, anti–HIV, HbsAg, ABO/Rh.
- Assinar consentimento informado (se < 14 anos: Pais ou responsável legal)
- Material deve ser acondicionado em freezer para DNA se a justiça solicitar.
- Fazer imunoglobulina anti-D se Rh (-), parceiro Rh (+).
6.7. 2. Abortamento legal com malformação incompatível com a vida
- Jurisprudência: Interrupções realizadas com autorização judicial (Ministério
Público)
- Após confirmação diagnóstica, deve-se entrar com processo junto ao
Ministério Público, com laudo médico ultrassonográfico assinado por três
profissionais do serviço de Medicina Fetal e com autorização familiar para
realizar a interrupção da gestação. Aguardar parecer da Justiça. Interrupção
somente diante de parecer favorável.
(meac.ufc/obstetricia/manual_meac/abortamento)
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