Manter a disciplina do tratamento também é um obstáculo para reduzir danos. Remédios fornecidos pelo SUS são antigos
Silenciosa e de sintomas discretos até resultar em complicações graves, a diabetes é hoje um dos maiores problemas de saúde pública mundial: a Federação Internacional de Diabetes (IDF) estima que haja 382 milhões de pessoas com a doença no mundo, mas 46% desconhecem o diagnóstico. O Brasil figura na quarta posição do ranking mundial de países com maior número de diabéticos: 11,9 milhões – 600 mil no Paraná.
Em 2013, um levantamento do Ministério da Saúde mostrou que, apesar de discreta, a doença preocupa pelo alto índice de óbitos: cerca de 50 mil por ano – a diabete mata quatro vezes mais do que a aids e supera o número de vítimas de acidentes de trânsito. No Plano Nacional da Saúde 2012/2015, a diabete consta como a primeira causa de hospitalização do SUS, ao lado da hipertensão.
De acordo com a endocrinologista Rosângela Réa, médicos e pacientes lutam duas batalhas contra a doença: o diagnóstico tardio e a dificuldade de implementação adequada dos tratamentos. “Hoje, o maior desafio no Brasil é conhecer o paciente e desenvolver um programa terapêutico adaptado e que seja seguido. Entre 40% e 50% dos portadores desconhecem sua condição e muitos dos que sabem, ignoram ou retardam o tratamento”, observa.
A personalização do programa terapêutico também é limitada. Hoje, existe uma boa variedade de medicamentos para o tratamento que, mais modernos, minimizam os danos provocados pela doença e promovem a perda de peso e o controle da pressão arterial. No entanto, a maioria dessas novidades está disponível apenas na rede privada.
Pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são fornecidas as insulinas NPH e regular e os hipoglicemiantes (orais) básicos: metformina (age melhorando a ação da insulina no fígado); a glibenclamida e a gliclazida (estimulam o pâncreas a produzir mais insulina). Segundo Rosângela, os medicamentos disponibilizados gratuitamente são eficazes, mas antigos.
“A medicina já desenvolveu medicamentos melhores, que reduzem efeitos colaterais das drogas mais antigas e poupam mais o pâncreas. A glibenclamida pode provocar ganho de peso e há estudos que a associam ao agravamento de enfarto, por exemplo”, explica Rosângela.
O endocrinologista Márcio Krakauer, membro do Núcleo de Tecnologia em Diabetes da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), corrobora: o mercado farmacêutico brasileiro não possui defasagem em nenhum tratamento existente hoje, mas só uma minoria dos pacientes tem acesso a essas opções. “O SUS oferece as insulinas humanas e apenas três hipoglicemiantes. No entanto, a gliclazida é o único considerado um bom hipoglicemiante, mas é difícil encontrar nos postos de saúde, só alguns poucos têm estoque. Já a gliblencamida é um remédio com ação cardiovascular negativa, que a SBD não recomenda mais”, diz Krakauer.
Em relação às insulinas, Krakauer explica que as análogas apresentam menos risco de hipoglicemia e de aumento de peso – uma grande vantagem em relação às insulinas humanas disponibilizadas pelo SUS. A justificativa do MS para não incluir as insulinas análogas na política nacional de combate da diabete é de que não há evidências científicas conclusivas de que elas reduzam a mortalidade e a morbidade dos pacientes.
Segundo o MS, todos os medicamentos ofertados pelo SUS são avaliados e aprovados pela Comissão de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), de modo que sua qualidade e eficácia são garantidas pelo MS. À Conitec cabe definir a incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias de saúde disponíveis pelo SUS e quais protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas são adotados. A reportagem questionou os custos por paciente, mas o MS alegou não disponibilizar essa informação.
Pouca disciplina prejudica tratamento
Diabete é uma doença difícil. Na avaliação da endocrinologista Rosângela Réa, falta conscientização e disciplina por parte do paciente. “É uma doença de poucos sintomas iniciais e que exige muita disciplina. Isso desestimula. O tratamento está diretamente vinculado à dieta e à prática de exercícios, o que também é uma barreira”, explica a médica.
“Alguns pacientes dizem que preferem morrer a usar insulina. O tratamento existe, há uma gama enorme de terapias seguras, mas em contrapartida há uma educação deficiente do próprio paciente, que muitas vezes recusa o tratamento”, conta Adriano Mehl, médico responsável pelo Ambulatório de Feridas e Pé Diabético no Hospital Pilar.
Retardar o diagnóstico e o tratamento, no entanto, é temeroso. Quando sob controle, a convivência com a doença requer disciplina, mas não implica muitas restrições. No entanto, as complicações podem alterar drasticamente a rotina do portador: perda de visão, insuficiência renal, amputação de membros e problemas cardiovasculares (enfarto e acidente vascular cerebral) estão entre os desdobramentos mais comuns. Em menos de 10 anos as primeiras complicações podem surgir se o tratamento não for seguido à risca.
Renailda Valadares Mainardes, 47 anos, é uma exceção. Além de ter desenvolvido a doença muito jovem, com apenas 30 anos, teve o benefício dos sintomas (tontura e dores no corpo), o que agilizou o diagnóstico do diabete tipo 2. Ela faz o tratamento pelo SUS, mas tem queixas. “Tomo remédios para diabete e pressão alta, pego no SUS. Mas o tratamento é ruim. A gente chega e não medem glicose, não explicam o que pode e o que não pode, só passam os remédios. Não tem como saber se está evoluindo ou não”, reclama.
Além da desinformação comum à doença, Renailda já sofre com algumas das complicações do diabete: as feridas que não saram. As rachaduras nas mãos e braços surgem sem razão aparente, começam com coceira e muito facilmente formam-se as feridas. Mesmo com remédios e cuidados, vão-se meses até sarar; mas as cicatrizes permanecem.
TODA A REPORTAGEM ESTÁ NA GAZETA DO POVO
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