POR: Nemésio Heusi
A situação calamitosa dos vienenses, em 1875, atingiu Hartha,prejudicando comerciantes e industriais, direta e indiretamente.
A firma dos “Irmãos Hering”, em Hartha, Saxônia, lutou muito para que a sua casa de varejo e atacado (“Engros & Detail”) não fosse levada à ruína.
Firmas menores faliram. E, por não poderem cumprir os seus compromissos, arrastaram muitas outras maiores à perda total.
Foi exatamente nesta época difícil que Weise chegou a Hartha,e, em conversa com uns e outros, acabou por encontrarHermann Hering, que se interessou pela conversa de Weise sobre a Colônia do Dr. Blumenau e indagou, curioso:
- Mas, Sr. Weise, e o clima da Colônia?
- Clima tropical. Quente no verão, muito frio no inverno, bastante chuvoso e por vezes úmido. Um rio maravilhoso ligando a Colônia ao Oceano Atlântico. Florestas com muita madeira, riachos e ribeirões ricos em quedas d’água. Terra fértil, enfim, um lugar ideal para se viver, trabalhar e progredir.
- Sr. Hering, os senhores são descendentes de tecelões, não é?
- Desde os nossos antepassados até nós, sempre trabalhamos como tecelões. Mas, Sr. Weise, o Sr. Acha possível, no interior do Brasil. Como disse há pouco, em plena mata virgem como é esta sua Colônia, se implantar uma indústria Têxtil?
No Brasil já existe indústria têxtil nos grandes centros, como na Corte e em São Paulo.
- Bem, Sr. Weise, em principio é um caso a ser estudado. Tudo vai depender de uma reunião em família, para que possamos resolver.
Feita essa reunião em família, ficou resolvido que Hermann Hering, viajaria para o Brasil, a fim de estudar as possibilidades da Colônia do Dr. Blumenau.
Deixando a sua família com o seu irmão Bruno, seu ex-sócio, embarcou para o Brasil, em 1878.
O Dr. Blumenau (Foto) recebeu Hermann Hering com muita satisfação e tudo fez para que ele começasse a sua vida na Colônia como tecelão.
- D. Blumenau, não será fácil tecer sem tear e sem matéria prima!
- Eu sei muito bem, Sr. Hermann, mas vamos procurar onde encontrar esses elementos básicos. O que desejo é que o Sr. comece já a pensar em implantar, embora modestamente, uma indústria de tecelagem
- E não se desvie deste princípio, que é de suma importância para a nossa Colônia.
- Muito bem Dr. Blumenau, eu preciso, porém, sobreviver até que encontremos os nossos teares e a matéria prima, que são os fios. Até lá, para não se consumirem as minhas economias, vou trabalhar como guarda-livros para alguns comerciantes.
- Muito bem, Sr. Hering. Eu vou me corresponder com várias colônias, até encontrar o que necessitamos para tecer. Estamos entendidos, Sr. Hermann?
- Se encontrar tear e fios, já é um bom começo, Dr. Blumenau!
- Vou acabar encontrando, Sr. Hermann!
- O Sr., Dr. Blumenau, é persistente, heim?
- Foi assim teimando, querendo, lutando, que eu consegui realizar o que realizei até aqui em nossa Colônia.
- O que estou vendo e sentindo já é, Dr. Blumenau, uma esplêndida realidade: a sua magnífica Colônia!
- Quer dizer que não está pensando em voltar para a Saxônia, Sr. Hering?
- Não, Dr. Blumenau. Espero aqui ficar definitivamente!
- Já é um bom começo, Sr. Hering.
Mas as coisas demoraram e Hermann Hering teve que expandir os seus negócios, já que só de escritas não dava para conservar as suas economias. Acabou comprando um botequim e foi lá que o Dr. Blumenau o encontrou, mostrando-lhe radiante uma carta que recebera da Colônia Dona Francisca.
- Veja, Sr. Hermann – disse-lhe Blumenau, contente com a carta na mão - leia, Sr. Hering. É a oferta de um tear e uma caixa de fios!
Curioso, Hermann Hering leu a carta enquanto o Dr. Blumenau nervoso, o aconselhava:
- Vá, vá logo, Sr. Hering, a Joinville. Eu financio a viagem e até mesmo a compra.
- Calma Dr. Blumenau. Farei a viagem e vou primeiro examinar o que lhe oferecem. Irei o mais breve possível.
Alguns dias depois, voltava Hermann Hering de Joinville.
- Pronto, Dr. Blumenau, aqui estão o tear e a caixa de fios!
- Ótimo! Ótimo, Sr. Hering!
- Mas, Dr. Blumenau, um tear circular é bem diferente de um simples tear de tecelagem. Há muito ainda a se fazer para chegarmos até lá, Dr. Blumenau.
- Mas, é o começo, Sr. Hering, e como todo começo é difícil.
- É claro, Dr. Blumenau, que não vim para a sua Colônia a fim de ficar atrás deste balcão e de braços cruzados assistir ao esgotamento de minhas economias, pouco a pouco, sem reposições. Agora, porém, surgem novos horizontes, novos rumos.
O fato é que aquele tear e aquela caixa de fios, trazidas por Hermann Hering de Joinville, despertaram nele o sangue de seus antepassados, os quais foram, desde o ano de 1688, sem exceções, tecelões e mestres de tecelagem.
Renascia no ânimo do Dr. Blumenau a vontade de transformarHermann Hering no primeiro tecelão de sua Colônia, já que a sua primeira tentativa, alguns anos atrás, fracassara completamente. Agora revivia no colonizador a forte esperança de ver implantada em sua nascente Colônia, a indústria têxtil, tão necessária ao desenvolvimento industrial diversificado do seu empreendimento.
O Dr. Blumenau, melhor do que ninguém sabia que em Hermann Hering estava bem viva a velha tradição de seus ancestrais. Todos, sem distinção, foram tecelões ou mestres de tecelagem e malharia, que agora acordava para novos rumos realizadores em terras brasileiras.
E foi assim que, auxiliado por um colono um tanto curioso e experimentado na construção de máquinas, conseguiu, Hermann Hering, montar o tear circular e realizar, sob grande expectativa, as primeiras experiências, com as quais tanto sonhara o colonizador que assistia nervoso, todo o trabalho.
- Como é, Hermann, vai funcionar?
- Tenho muita esperança, Dr. Blumenau!
Sob sorrisos e muita alegria, o tear funcionou satisfatoriamente!
- Pronto, Dr. Blumenau, aí está o começo de tudo. Podemos tomar uma cerveja para comemorar - disse Hermann Hering, exultando de alegria e satisfação.
- Agora, Sr. Hermann cabe multiplicar este tear por muitos e muitos outros.
- Sem dúvida, Dr. Blumenau, é o que faremos se a Providência nos ajudar!
Tudo começou a caminhar bem enquanto surgiu a possibilidade de se produzir artigos melhores, Hermann Hering escreveu à esposa, pedindo-lhe para mandar Paul e Elise, seus filhos mais velhos para ajudá-lo.
Triste, a mãe relutava quanto ao embarque dos filhos. Mas...”este era o sinal de boas notícias”, ponderava Bruno Hering, procurando convencer a sua cunhada em consentir no embarque...”Se Hermann, Minna, está pedindo para mandar seus dois filhos mais velhos, é porque ele confia no seu futuro, lá no Brasil, minha querida cunhada”.
Depois de muito argumentar, Bruno conseguiu convencer finalmente a sua cunhada.
- Nota bem o que vou te dizer Minna. Daqui a pouco, somos todos nós que estaremos sendo chamados por Hermann!
As saudades do marido eram muitas. E as proféticas e otimistas palavras de seu bom cunhado, reanimaram-na e ela, pesarosa mais feliz, consentiu em que seus filhos embarcassem.
- Eu sei Bruno, que se Hermann está pedindo para mandar nossos filhos, é porque confia no seu futuro lá no Brasil! Mas....não sei se eles, tão jovens, vão se adaptar a esta completa mudança de vida e de clima.
- Veja bem, minha cunhada - Dizia-lhe Bruno, animando-a - Paul está com 18 anos e Elise com 14. Ambos com muita saúde. Portanto se adaptarão logo. Hermann não se adaptou? Então o mesmo acontecerá com eles e com maior facilidade.
- Dizem Bruno, que o custo de vida lá no Brasil é muito alto e o trabalho é muito difícil e penoso.
- Olha Minna, vou te confessar uma coisa: Eu, até hoje, não pensei em casar por causa dessas ladainhas das mulheres nos ouvidos de seus maridos. E isso desde os tempos de mamãe e papai: “Meu Deus, como tudo está tão caro! Tudo sobe cada vez mais! Não sei como se pode viver com este custo de vida subindo, subindo, sempre e cada vez mais!”. Por ouvir sempre esta mesma ladainha de mamãe, acabei me complexando e tendo pavor do casamento, Minna! E agora você volta a me assustar. Eu acabo mesmo sem nunca me casar!
- É porque você, Bruno, não lida com comidas nem roupas para as crianças. Só vives com os teus livros na mão, lendo o teu Goethe e recitando Fausto. Esta beleza que tu sabes quase todo de cor!
- Obrigado, minha querida. Mas, confessa que está com pena de mandar os teus filhos. Eu bem posso compreender a tua relutância.
- É, sim - disse ela quase chorando. - Já estou morrendo de saudades de Hermann e agora, quando eles partirem, como vou agüentar tamanha saudade, Bruno?
- Minna, analisemos o caso por outro ângulo, sem sentimentalismo, mas sim, de maneira prática, real e verdadeira:
Se Hermann chamou os seus dois filhos mais velhos, é porque as coisas, para ele, lá no Brasil, começam a melhorar.
Hermann sempre foi muito prudente, responsável e, sobretudo humano. Não iria se aventurar a chamar seus filhos se não tivesse certeza de lhes dar vida igual ou melhor do que a que eles têm aqui.
Se negares, Minna, atender ao seu pedido, provas que não confias em teu marido!
- Não é nada disto, Bruno! Eu tenho absoluta confiança em Hermann, mas como mãe vou sentir muito a ausência deles, como já o sinto com relação a Hermann.
Bruno insistia e argumentava:
- Tenho absoluta certeza Minna, que logo, logo mesmo, quase em seguida a partida de teus filhos, iremos também, nós, minha queria!
Ela sorriu, Bruno, comovido, viu então que acabara definitivamente de convencê-la. Notou em seus olhos tristes duas lágrimas que desciam pelo rosto. Bruno, ligeiro, tirou o seu lenço enxugando-as. E abraçando-a, disse-lhe, carinhosamente:
- Chora minha querida; chora à vontade - Desabafa e alivia o teu coração de mãe extraordinária. Minna! Isto te fará bem!
Cia.Hering nos primórdios de 1890
Alguns dias depois, Paul e Elise embarcaram rumo ao Brasil.
Com a chegada dos filhos, Hermann Hering criou alma nova. Tão logo chegaram à Colônia, levou-os para apresentá-los aoDr. Blumenau.
- Aqui estão, Dr. Blumenau, meus queridos filhos, Elise e Paul!
- Muito prazer em conhecê-los, jovens fortes e bonitos. Então vieram para ajudar o papai, não é?
- É, sim senhor. Viemos para trabalhar com o papai - apressou-se em responder Paul.
Elise, curiosa e pronta para mostrar os seus dotes, disse:
- Eu vou costurar as camisetas que o papai está fabricando!
- Então já é costureira? Muito bem, jovem. Além de bonita, é prendada. Que idade tem Elise?
- Fiz 14 nos no dia 1º de julho passado, Dr. Blumenau. Mas eu já sei costurar desde os 12 anos. Aprendi com mamãe não só costurar, como também bordar.
- E o jovem, o que estudava?
- Eu estava na escola de artífices.
- Ótimo, então será um excelente tecelão como todos os seus antepassados, não é, Paul?
- É, sim senhor. Dr. Blumenau. Eu quero ser o que o meu pai vai ser aqui na sua Colônia.
Hermann Hering, silencioso e feliz, assistia ao diálogo animado de seus filhos com o Dr. Blumenau.
- Bem, Sr. Hermann Hering, já tem o Sr. Braços hábeis para o trabalho.
- Hábeis e baratos. Por ora, trabalharão apenas pela comida. E, sorrindo, disse para Paul: ou será que vão exigir salários?
Paul olhou para o pai e com um sorriso brejeiro, lhe disse:
- Por enquanto, não! Mas, quando os negócios prosperarem, quero um bom salário, pai!
Elise, ligeira entrou na conversa e olhando carinhosamente par ao pai, falou:
- Pois eu vou trabalhar toda a vida sempre de graça para o papai! Hermann Hering abraçou seus filhos, feliz e carinhosamente.
- Muito bem, Hermann, meus parabéns! E para comemorar este feliz encontro, hoje mesmo estão convidados para o jantar; lá em minha casa. Aceitam?
- Eu aceito! - disse Elise, rapidamente.
- Muito obrigado, Dr. Blumenau. É um prazer que aceitamos o seu gentil convite.
- E sua senhora, como está?
- Muito bem! Saudosa e preocupada com o alto custo de vida aqui no Brasil!
- Cus...to de vi...da, alto? Na Alemanha a vida é muitas vezes mais cara do que aqui, Hermann!
- Eu sei Dr. Blumenau. Mas, sabe como são as mulheres e o fantasma do custo de vida, que as persegue por toda a vida.
Não é bem, Dr. Blumenau, o custo de vida. É mais o medo da longa travessia que a preocupa.
- Tem toda razão, Hermann. Aliás, sejamos justos. Pois, para uma senhora com filhos menores, é, sem dúvida, algo assustador a longa travessia oceânica de muitos e muitos dias.
Algum tempo depois da chegada dos filhos, Hermann Hering, auxiliado por eles nos trabalhos caseiros, sentiu-se encorajado e resolveu chamar toda a família.
Em Hartha, a vida corria normal. Sempre com os olhos atentos ao carteiro do bairro, Minna, disfarçadamente, na hora da sua passagem corria para a janela à espera de que ele batesse à porta. E ficava triste quando ele passava direto, dando-lhe apenas um aceno.
Um dia, porém, de longe, o carteiro lhe deu um aceno mais alegre e gesticulava feliz, com uma carta na mão.
Ela levou a mão ao peito para conter as batidas do seu coração que parecia querer disparar e sorrindo e chorando, abriu a porta para receber o carteiro mais simpático deste mundo!
- Dona Minna! Dona Minna! - Dizia o carteiro quase gritando de tanta satisfação - é do Brasil! Do Sr. Hermann, Dona Minna!
- Obrigado! Muito obrigado, meu jovem!
Com a chegada da carta, um novo raio de sol e de esperança iluminou o lar dos Hering, na longínqua Hertha.
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Blumenau em Cadernos – TOMO XXIII – Nº 3 Marçode 1982
Arquivo – AHJFS/ Sávio Abi-Zaid/Adalberto Day
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