Com a mulher grávida de cinco meses, Leandro da Silva Sampaio acabou optando por buscar uma renda maior em um período menor de tempo.
Formado em Pedagogia, o maranhense de 26 anos é um dos 84 trabalhadores que lotaram dois ônibus e viajaram quase três dias para colher maçãs em Vacaria
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS
Joana Colussi, Vacaria
— Você é o único formado da família e vai atravessar o Brasil para apanhar maçã?
A pergunta foi feita a Leandro da Silva Sampaio pela mãe, quando contou a ela que viajaria de Anajatuba, no Maranhão, até Vacaria, no Rio Grande do Sul — uma distância de aproximadamente 3,5 mil quilômetros.
Professor de Pedagogia, o maranhense de 26 anos é um dos 84 trabalhadores que lotaram dois ônibus e viajaram quase três dias para colher maçã na Rasip, uma das maiores produtoras da fruta do país. A escolha pelos pomares do Sul, após lecionar em escolas municipais, foi racional.
— Para conseguir um contrato temporário em Anajatuba, tenho de ficar batendo na porta de político — reclama Sampaio, formado em 2011 pela Faculdade Atenas Maranhense, em São Luís (MA).
Na coordenação de uma escola de Anajatuba, com contrato temporário de 40 horas, o professor ganhava pouco mais de R$ 1 mil.
— Sem contar que nunca tive nenhum apoio pedagógico para formação continuada. Isso vai desanimando — conta o jovem.
Com a mulher grávida de cinco meses, Sampaio acabou optando por buscar uma renda maior em um período menor de tempo. Nos 90 dias em que trabalhará na colheita, calcula ganhar cerca de R$ 2 mil, sem nenhum custo com alimentação e hospedagem.
Na lida nos pomares, é chamado de professor pelos conterrâneos desde o primeiro dia da colheita. Convivendo com pessoas que sequer concluíram o Ensino Fundamental, Sampaio diz aprender a cada dia:
— Minha avó sempre dizia que, às vezes, a sorte da gente não está no lugar onde nascemos.
Essa é a primeira vez que a Rasip traz mão de obra do Maranhão para a colheita de 1,1 mil hectare em três pomares. Dos 2 mil safristas contratados para o período, 1,8 mil foram buscados fora do Rio Grande do Sul, em Estados como Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso.
— Passamos o ano todo buscando trabalhadores em novas regiões do país para chegar nessa época e termos a mão de obra necessária — conta o agrônomo Lindemar Luiz Cozzatti, gerente de fruticultura da Rasip, que deverá colher 50 mil toneladas até o fim da safra, em maio.
Índios viajam de Mato Grosso do Sul a Vacaria para trabalhar na colheita da maçã
Migração ajuda a suprir falta de mão de obra para safra, que atrai mais de 15 mil pessoas de fora da cidade
Neste ano, a previsão é de uma colheita de 550 mil toneladas da fruta no RS, das quais metade é cultivada em Vacaria
Foto: Lauro Alves / Agencia RBS
Joana Colussi, Vacaria
Eles só falam português quando provocados, não desgrudam do tererê e relatam sentir frio em pleno verão gaúcho. Moradores de aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul, das etnias guarani-kaiowá e terena, estão espalhados nos pomares de maçã na região da Serra Gaúcha, uma das principais produtoras da fruta no país.
De janeiro até maio, na safra das variedades gala e fuji, deixam suas tribos para trabalhar na colheita manual da maçã — que atrai mais de 15 mil trabalhadores de fora da cidade, com pouco mais de 60 mil habitantes.
Tradicionalmente, eram os trabalhadores das Missões e da Fronteira que migravam para a Serra para suprir a falta de mão de obra nessa época. Missioneiros e fronteiriços continuam indo para lá, mas em menor número. Há dois anos, sotaques de índios sul-mato-grossenses predominam nos pomares.
— Está cada vez mais difícil conseguir mão de obra no Estado. Tínhamos muito problema de rotatividade com trabalhadores daqui — conta Nilson Bossardi, sócio-gerente da Frutini Fruticultura, que trouxe 480 indígenas de Mato Grosso do Sul neste ano para ajudar na colheita de 550 hectares de maçã em sete pomares da região.
Um grupo de 41 terenas veio da cidade de Miranda (MS), na região do Pantanal, localizada a 1,4 mil quilômetro de Vacaria. Morador da aldeia Anastácia, Ivan dos Santos, 29 anos, nunca havia viajado tão longe.
— Aqui é muito frio. Não sei como vocês aguentam — comentou Santos quando questionado sobre as impressões de sua primeira estada no Rio Grande do Sul.
Antes de vir para o Estado, Santos trabalhava em um curtume em Campo Grande (MS). Ganhava R$ 990 por mês e gastava com aluguel e alimentação. Em Vacaria, receberá R$ 883 fixos e registrados na carteira de trabalho, horas extras e prêmio produção se atingir a meta diária de colheita. Alojamento e alimentação são por conta da empresa.
Em 70 dias, planeja tirar até R$ 5 mil. Para isso, terá de quase dobrar a meta diária de 90 sacolas colhidas no chão ou 75 na escada. A cada sacola extra, com média de 10 quilos, ele ganha R$ 0,50 a mais.
— Trabalhar não é problema. Difícil é a saudade — revela Santos, ao falar sobre a mulher e a filha de 12 anos.
A distância e a falta da aldeia são amenizadas pela companhia dos demais indígenas, com os quais fala praticamente só na língua terena e divide o hábito de tomar tererê (bebida gelada feita com erva-mate e limão). Acostumados a trabalhar em lavouras de cana-de-açúcar, muitos ficaram sem ocupação com a mecanização aplicada nos canaviais.
— Lá, a gente trabalha por dia, em lavouras ou em construções, mas em um dia tem serviço e no outro, não — relata Modesto Fernandes, 43 anos, cacique da aldeia Bororó, de Dourados (MS).
ZERO HORA
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